Acórdão Nº 5070890-64.2022.8.24.0000 do Segunda Câmara Criminal, 17-01-2023

Número do processo5070890-64.2022.8.24.0000
Data17 Janeiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualHabeas Corpus Criminal
Tipo de documentoAcórdão










Habeas Corpus Criminal Nº 5070890-64.2022.8.24.0000/SC



RELATOR: Desembargador NORIVAL ACÁCIO ENGEL


PACIENTE/IMPETRANTE: DANIEL SOARES QUIRINI (Paciente do H.C) ADVOGADO: OSVALDO JOSE DUNCKE (OAB SC034143) REPRESENTANTE LEGAL DO PACIENTE/IMPETRANTE: OSVALDO JOSE DUNCKE (Impetrante do H.C) REPRESENTANTE LEGAL DO PACIENTE/IMPETRANTE: FRANCIELI APARECIDA DUTRA (Impetrante do H.C) IMPETRADO: Juízo da Vara Criminal da Região Metropolitana da Comarca da Capital MP: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA


RELATÓRIO


Trata-se de Habeas Corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de Daniel Soares Quirini, contra ato, em tese, ilegal, praticado pelo Juiz de Direito da Vara Criminal da Região Metropolitana da Comarca da Capital, ao decretar a prisão preventiva do Paciente em razão da suposta prática dos delitos tipificados no art. 2º, §§ 2º e 4º, incisos I e IV, da Lei n. 12.850/13, e arts. 33, caput, e 35, caput, ambos c/c art. 40, incisos III, IV e VI, todos da Lei n. 11.343/06.
Sustentam os Impetrantes, em síntese, a ausência de fundamentação idônea para decretação da prisão preventiva, bem como o não preenchimento dos requisitos do art. 312, do Código de Processo Penal, apontando para a inexistência de comprovação de transação/venda de entorpecentes por parte do Paciente.
Argumentam, nesse interim, a inexistência de periculum libertatis, em especial porque o Paciente "possui condições pessoais favoráveis, é primário, não ostenta maus antecedentes, sendo esse suposto fato isolado em sua vida, possui residência fixa e trabalho lícito, o que afasta o risco a ordem pública, ao andamento do feito ou a aplicação da Lei Penal".
Acrescentam, ainda, que a gravidade abstrata dos crimes imputados ao Paciente não é fundamento idôneo para decretação da prisão preventiva, sobretudo porque as condutas "não se revestem de violência ou de grave ameaça".
Aduzem, também, que o "caráter instrumental, excepcional e proporcional da prisão cautelar deve ser levado em consideração de modo ainda mais categórico na conjuntura atual, ante a crise mundial da Covid-19, de modo que 'o exame da necessidade da manutenção da medida mais gravosa deve ser feito com outro olhar'".
Pontuam, ademais, que, em caso de condenação, o Paciente poderá ser beneficiado com a causa especial de diminuição de pena do §4º, do art. 33, da Lei 11.343/06 e ter fixado regime aberto, motivo pelo qual a manutenção da prisão preventiva se torna desproporcional.
Destacam, por fim, a possibilidade de substituição da segregação por medidas cautelares diversas.
Pugnam, deste modo, pelo deferimento do pedido liminar e, posteriormente, da ordem em definitivo, para fazer cessar o constrangimento ilegal que entendem sofrer o Paciente com a concessão de liberdade, ainda que mediante imposição de cautelares diversas.
Indeferido o pleito liminar, dispensou-se a apresentação de informações pela Autoridade dita coatora.
A Douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer de lavra do Exmo. Sr. Dr. Humberto Francisco Scharf Vieira, manifestou-se pelo conhecimento do writ e denegação da ordem.
Este é o relatório

VOTO


O writ deve ser parcialmente conhecido e, nesta extensão, denegado.
Inicialmente, ressalta-se que as teses relacionadas ao mérito do processo em andamento na origem, especialmente aquelas que buscam discutir o acervo probatório e os indícios de autoria, não devem ser conhecidas, mormente porque, como se sabe, eventual análise acerca de tais alegações necessitaria de uma incursão mais aprofundada no contexto probatório, o que não se revela possível na via estreita do habeas corpus.
Sobre o assunto, colhe-se do Superior Tribunal de Justiça o HC de n. 641.316/RS, de relatoria do Ministro Rogério Schietti Cruz, julgado em 23/03/2021:
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES E ASSOCIAÇÃO PARA O COMÉRCIO ILÍCITO. PRISÃO PREVENTIVA. ART. 312 DO CPP. PERICULUM LIBERTATIS. SUBSTITUIÇÃO POR CUSTÓDIA DOMICILIAR. DOIS FILHOS COM MENOS DE 12 ANOS. ARTS. 318-A E 318-B DO CPP. PONDERAÇÃO DE INTERESSES. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E CONCEDIDA. 1. A análise da alegada falta de indícios de autoria delitiva demandaria ampla dilação probatória, incompatível com a via estreita do writ. [...] 6. Ordem parcialmente conhecida e, nessa extensão, concedida, para substituir a prisão preventiva da paciente pela domiciliar, acompanhada das providências cautelares previstas no art. 319, II, III e IV, do CPP, sem prejuízo de outras medidas que o prudente arbítrio do Juízo natural da causa indicar cabíveis e adequadas, bem como de nova decretação da custódia processual em caso de violação das providências alternativas ou se sobrevier situação que configure sua exigência. (grifou-se)
A propósito, o habeas corpus não se presta para a análise de questões que envolvam um exame aprofundado da matéria fático-probatória, de modo que o reconhecimento de eventual ilegalidade somente poderá ocorrer apenas quando esta for verificada de plano, o que não ocorreu na presente hipótese.
Sobre o assunto, colhe-se o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que "a estreita via do habeas corpus não se presta para revisitar as premissas decisórias da decisão preventiva, de modo que o remédio constitucional não se compatibiliza com a aferição da existência de indícios mínimos de autoria" (AgRg no HC 161.723/RJ, rel. Min. Edson Fachin, j. 22/02/2019, grifou-se).
No mesmo sentido é o entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, ao decidir que "A tese sobre insuficiência de indícios de autoria e prova da materialidade em relação aos delitos imputados consiste em alegação de inocência, a qual não encontra espaço de análise na estreita via do habeas corpus ou do recurso ordinário, por demandar exame do contexto fático-probatório" (AgRg no RHC n. 166.269/MA, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 23/8/2022, DJe de 26/8/2022).
Não se conhece, portanto, do pleito relativo à inexistência de indícios mínimos da autoria delituosa.
Requer a Defesa, na sequência, a revogação da medida extrema, por entender que não se encontram preenchidos, na hipótese, os requisitos previstos pelo art. 312, do Código de Processo Penal.
Razão, porém, não lhe assiste.
Da análise dos autos, observa-se que o Paciente, além de outras sete pessoas, foi denunciado pela suposta prática dos delitos previstos no art. 2º, §§ 2º e 4º, incisos I e IV, da Lei n. 12.850/13, e nos arts. 33, caput, e 35, caput, ambos c/c art. 40, incisos III, IV e VI, todos da Lei n. 11.343/06. Colhe-se da Exordial:
1 HISTÓRICO DE ATUAÇÃO DA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA PRIMEIRO GRUPO CATARINENSE - PGC
A organização criminosa Primeiro Grupo Catarinense - PGC foi fundada em março de 2003 por detentos da ala de segurança máxima da Penitenciária desta Capital, com o objetivo inicial de obter melhorias e condições mais favoráveis aos reclusos.
Em 30/05/2003 os segregados de alta periculosidade do estado foram transferidos à Penitenciária de São Pedro de Alcântara, quando se agruparam e formaram o órgão de cúpula da organização criminosa, denominado "Ministério", por meio do qual passaram a difundir suas ideias a outros criminosos do sistema prisional interessados.
Para formalizar e esclarecer o propósito da facção, o "Ministério" elaborou seu próprio "estatuto", com noções gerais sobre a estrutura da "irmandade", objetivos e, principalmente, a forma de difusão das ordens dentro e fora das unidades prisionais, já que com o progressivo desenvolvimento da societas criminis seu raio de atuação suplantou o interior dos presídios, estendendo-se extramuros.
Um dos primeiros procedimentos criminais instaurados para desarticular a organização criminosa em comento foi deflagrado perante a 3ª Vara Criminal da comarca de Blumenau/SC (autos n. 0001206-31.2013.8.24.0008, com numeração antiga 008.13.001206-5) e resultou na condenação de diversos integrantes do denominado "Primeiro Ministério", sendo os apontados líderes do grupo criminoso transferidos para Penitenciárias Federais. Esse fato, inclusive, teria modificado o "Segundo Conselho" da facção e estabelecido/reafirmado o requisito de que os detentores desta patente deveriam estar, necessariamente, detidos no Complexo Penitenciário de São Pedro de Alcântara/SC, chamada pelos membros da organização criminosa de "TORRE".
A sentença condenatória foi mantida pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, no julgamento da paradigmática Apelação Criminal n. 2014.091769-8, sendo este o momento do reconhecimento formal da facção criminosa catarinense, embora sua existência já fosse de conhecimento público e notório em razão das ondas de violência em massa que afetaram Santa Catarina a partir do ano de 2011, como amplamente noticiado pelos meios de comunicação do país. Sobre os atentados mencionados, colhe-se do Relatório Técnico Operacional n. 132.38/PMSC/2022 anexo, as seguintes manchetes jornalísticas:
[...]
Por meio de suas lideranças - Primeiro e Segundo Ministérios -, o PGC emitiu comandos, conhecidos como "SALVE", com o intuito de implantar o caos social. Assim, determinaram a execução de atos criminosos contra os agentes das forças de segurança pública, na nítida intenção de enfraquecer a soberania e o Estado Democrático de Direito.
Em cada onda de violência, vários atos de vandalismo e de dano ao patrimônio público foram registrados em diversos municípios do estado, tais como Florianópolis, Palhoça e São José, além de Joinville, Tubarão, Itajaí, Lages, Blumenau, Camboriú, Criciúma, Porto Belo, Navegantes, Guaramirim, São Francisco do Sul, Luis Alves, Itapema, entre outros.
Merecem destaque, nesse ponto, as seguintes imagens contidas no Relatório Técnico Operacional n. 132.38/PMSC/2022, que ilustram a onda de ataques promovida pela organização criminosa, com enfoque nos crimes de incêndio praticados contra os ônibus de transporte coletivo municipal:
[...]
Ante as...

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