Acórdão Nº 5071253-16.2021.8.24.0023 do Quinta Câmara Criminal, 11-11-2021

Número do processo5071253-16.2021.8.24.0023
Data11 Novembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão
Recurso em Sentido Estrito Nº 5071253-16.2021.8.24.0023/SC

RELATORA: Desembargadora CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFER

RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (RECORRENTE) RECORRIDO: YASMIN QUADROS NOGAROLI (RECORRIDO) RECORRIDO: DIEGO DA COSTA (RECORRIDO)

RELATÓRIO

O Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia em face de Diego da Costa e Yasmin Quadros Nogaroli, imputando-lhe a prática do crime previsto no artigo 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, conforme os fatos descritos na peça acusatória (evento 1 da ação penal):

Por meio da Agência de Inteligência da Polícia Militar, policiais receberam a informação de que Diego da Costa, foragido do regime fechado, com mandado de prisão em aberto (mandado n. 310008361658, expedido nos autos da execução penal n. 0007385-27.2018.8.24.0033), estaria escondido na residência situada na Rua Edmundo Kienast, 250, Bairro Fazenda, Itajaí.

Assim, no dia 14 de dezembro de 2020 (segunda-feira), por volta das 16h, os agentes públicos deslocaram-se ao imóvel, encontraram Diego da Costa e cumpriram a referida ordem de prisão. Além disso, ao averiguarem o imóvel, pertencente a Yasmin Quadros Nogaroli, os policiais localizaram no quarto do casal 2 (dois) tabletes de maconha, envoltos em fita plástica de cor verde; 8 (oito) porções de cocaína, com peso aproximado de 6 g, envoltas em plástico de cor branca; duas balanças de precisão; rolo de plástico filme para embalar drogas; R$ 275,00 em espécie, pertencente a Diego; um aparelho celular Motorola, cor preta, também de propriedade deste; um aparelho celular Samsung, cor preta, da denunciada Yasmin. Foi apreendido ainda um veículo HB20 S, 1.6, placa QQX4869, em cujo interior foi localizada uma porção de maconha, também envolta em fita plástica de cor verde, pesando junto com os outros dois tabletes cerca de 1.923 g. Em poder de Diego foi posteriormente encontrada a quantia de R$ 2.091,00.

Por guardarem as referidas drogas, capazes de causar dependência física ou psíquica, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, em comunhão de esforços e unidade de desígnios, para fins de comercialização, juntamente com os petrechos, bens e valores utilizados e/ou oriundos dessa atividade ilícita, os denunciados Diego da Costa e Yasmin Quadros Nogaroli foram presos em flagrante e conduzidos à Central de Plantão Policial de Itajaí para as providências cabíveis.

A denúncia foi rejeitada nos termos do artigo 395, III, do Código de Processo Penal, pois o juízo a quo considerou haver "ilegalidade na busca domiciliar, na apreensão da droga e na coleta dos elementos de prova e na prisão em flagrante, por afronta ao art. 5º, XI, da CRFB (inviolabilidade de domicílio)". Bem como, que "a apreensão do entorpecente e os demais elementos de convicção estão contaminados pela ilegalidade da busca domiciliar". Assim, ausente justa causa (substrato probatório mínimo e válido) para a presente ação penal (evento 3 da ação penal).

Inconformado, o representante do Ministério Público interpôs Recurso em Sentido Estrito, no qual busca a reforma da decisão a fim de que a ação penal tenha o seu regular processamento com o recebimento da denúncia, sustentando que a colheita dos elementos probatório ocorreu de forma lícita (evento 8 da ação penal).

O recurso foi recebido, ocasião em que o magistrado singular avaliiou possibilidade de juízo de retratação, porém manteve a decisão por seus próprios fundamentos (evento 11 da ação penal).

Os recorridos apresentaram suas contrarrazões, ondem sustentam necessidade de manutenção da decisão combatida (eventos 21 e 35 da ação penal) e os autos ascenderam a este Tribunal de Justiça.

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Sr. Ernani Dutra, manifestando-se pelo conhecimento e provimento do recurso (evento 10).

É o relatório.

VOTO

O recurso deve ser conhecido, porquanto presentes os pressupostos de admissibilidade.

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público de Santa Catarina em face da decisão do Juízo da 2ª Vara Criminal da Comarca de Itajaí que rejeitou o recebimento da denúncia proposta em face de Diego da Costa e Yasmin Quadros Nogaroli pela suposta prática do crime previsto no artigo 33, caput, da Lei n. 11.343/2006.

A decisão sustentou que houve "ilegalidade na busca domiciliar, na apreensão da droga e na coleta dos elementos de prova e na prisão em flagrante, por afronta ao art. 5º, XI, da CRFB (inviolabilidade de domicílio)". Bem como, que "a apreensão do entorpecente e os demais elementos de convicção estão contaminados pela ilegalidade da busca domiciliar". Contudo, o Parquet defendeu que a diligência ocorreu em observância aos ditames legais.

Razão assiste ao Ministério Público.

Em que pese não se tenha certeza das elementares do crime no momento, esta somente é exigida na ocasião da sentença. Havendo indícios suficientes para a abertura do processo e existindo uma mera possibilidade de que os fatos tenham ocorrido, a denúncia deve ser recebida.

A decisão que rejeitou a denúncia foi assim fundamentada (evento 3 da ação penal - destaques extraídos do original):

A denúncia baseia-se no inquérito policial (APF) relacionado, no qual foi proferida a seguinte decisão.

Do boletim de ocorrência e depoimentos dos policiais militares, infere-se como se deu a ocorrência: a Agência de Inteligência da Polícia Militar apurou o endereço de um indivíduo foragido da Justiça, que estava com mandado de prisão em aberto; então a agência fez uma solicitação de diligência à equipe do PPT, a qual, de posse do endereço e do nome do foragido, deslocou-se até o local para verificação; chegando no local, fizeram a incursão no imóvel; dentro da casa, encontraram YASMIN QUADROS NOGAROLI e DIEGO DA COSTA; verificaram que Diego era o foragido da justiça, que tinha um mandado de prisão em aberto (evento 1, auto de prisão em flagrante, p. 25); os policiais fizeram busca pessoal em Yasmim e Diego, nada de ilícito encontrado com eles; ato contínuo, realizaram busca no imóvel, encontrando, no armário do cômodo onde ambos estavam, dois tabletes de maconha de aproximadamente 2 quilos e oito petecas de cocaína; localizaram também duas balanças, plástico para embalar a droga e R$ 275,00 em espécie; em frente à casa estava um veículo HB 20, cor branca; também foram feitas buscas no automóvel, dentro do qual foi apreendido um tablete menor de maconha; já na Delegacia, um policial civil, ao colocar Diego na cela, fez uma busca pessoal minuciosa e localizou R$ 2.091,00 em notas diversas.

Segundo o art. 5º, XI, da CRFB, "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial".

Parte da doutrina entende que a a expressão "determinação judicial", que autoriza o ingresso na residência, sem consentimento do morador, durante o dia, significa uma ordem/autorização judicial específica e delimitada. Assim, além do mandado de prisão, haveria necessidade de uma autorização específica para ingresso no imóvel, a fim de prender o sujeito, conforme, aliás, dispõe o art. 240, § 1º, "a", do CPP. Outros doutrinadores entendem que o mandado de prisão autoriza, automaticamente, o ingresso na residência da pessoa a ser presa, durante o dia, por ser um ato inerente ao cumprimento da ordem prisional. Concorda-se com esse segundo posicionamento.

Portanto, entende-se que as informações levantadas pela agência de inteligência da Polícia Militar de que o conduzido Diego estava residindo na rua Edmundo Kienast, 250, bairro Fazenda, aliadas ao mandado de prisão expedido contra ele (evento 1, auto 1, p. 25), autorizavam o ingresso no imóvel para efetuar sua prisão. Ou seja, a entrada no imóvel para prender Diego foi legal.

Nada obstante, é forçoso reconhecer que não havia qualquer ordem/autorização judicial para realizar busca e apreensão no imóvel (art. 240 do CPP), diligência que não se confunde com mandado de prisão, nem é consectário do cumprimento deste. A única busca autorizada, por ser inerente ao cumprimento do mandado de prisão, era a busca pessoal (art. 244 do CPP). Essa busca pessoal foi realizada, porém nada de ilícito com ele foi encontrado. Nesse momento, em que identificado e detido o sujeito foragido (Diego) e após feita a busca pessoal, sem nada de ilícito encontrar, a diligência policial na casa deveria ter sido encerrada, encaminhando-se a pessoa presa, pelo cumprimento do mandado de prisão, à Delegacia/Presídio.

Ocorre que, sem autorização/ordem judicial (não havia mandado de busca e apreensão domiciliar), os policiais passaram a fazer busca no imóvel. É evidente a ilegalidade da busca domiciliar, porque os policiais tinham autorização, apenas, para entrar no imóvel e prender Diego, não para vasculhar o imóvel em busca de objetos ilícitos.

Destaque-se que não havia qualquer informação do possível envolvimento de Diego no tráfico de drogas. Nenhum dos policiais ouvidos referiu eventual notícia de que Diego estaria traficando, ou que a casa seria local de armazenamento de drogas. Ambos policiais limitaram-se a dizer que foram empenhados em realizar a prisão de um foragido da justiça. Ademais, nenhum dos policiais referiu que, no lado de fora da residência ou dentro dela foi visto, antes de iniciar a busca, algum objeto suspeito ou presenciada alguma situação que indicasse a existência de objetos ilícitos no local. Pelo relato de ambos policiais, após a abordagem dos conduzidos, no interior do imóvel, sem encontrar com eles nada de ilícito, os agentes públicas iniciaram uma varredura no imóvel (busca domiciliar), culminando por encontrar drogas e outros objetos.

O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça possuem reiterados julgados no sentido de que a situação de flagrante delito, que excepciona o direito fundamental da inviolabilidade do domicílio, é aquela...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT