Acórdão Nº 5076408-34.2020.8.24.0023 do Câmara de Recursos Delegados, 26-04-2023

Número do processo5076408-34.2020.8.24.0023
Data26 Abril 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoCâmara de Recursos Delegados
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão










AGRAVO INTERNO EM Apelação Criminal Nº 5076408-34.2020.8.24.0023/SC



RELATOR: Desembargador GETÚLIO CORRÊA


AGRAVANTE: HENRIQUE ROZA GENEROSO (RÉU) AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)


RELATÓRIO


H. R. G., interpôs o presente agravo em face de decisão exarada pela 2ª Vice-Presidência desta Corte que, nos termos do art. 1.030, inciso I, alínea "a", do Código de Processo Civil (CPC), e considerando a posição firmada no bojo de recursos representativos de controvérsia - RE 603.616 RG/RO (Tema 280/STF), e AI n. 791.292/PE (Tema 339/STF) -, negou seguimento ao recurso extraordinário por ele manejado (Evento 56).
O Agravante sustenta o desacerto do decisum vergastado, dizendo que os paradigmas sobreditos foram inadequadamente aplicados.
A Defesa afirma, nesse pensar, que embora no julgamento do Tema 280 o Supremo Tribunal Federal tenha proclamado ser lícita a entrada forçada em domicílio, sem mandado judicial, quando amparada em fundadas razões que indiquem que dentro da casa ocorra situação de flagrante delito, no caso dos autos não havia justa causa para o ingresso forçado na residência.
Asseverou, "que o Recurso Extraordinário em questão visa a revaloração do arcabouço fático-probatório inserto no acordão recorrido para que sejam consideradas as irregularidades no ingresso da residência do agravante".
Aduziu, mais, "que não foram 'devidamente justificadas a posteriori' as 'fundadas razões' que motivaram a ação policial", salientando que, apesar de ter havido a apreensão de entorpecentes no local, tal fato não justifica a ilegalidade que lhe antecedeu, estando evidenciada ofensa ao direito fundamental à inviolabilidade do domicílio; e, portanto, impõe-se a anulação da ação penal que culminou na sua condenação, defendendo que o acórdão recorrido não está em consonância com a tese firmada no RE 603.616 RG/RO - Tema 280/STF.
Argumenta, de outro vértice, que, no caso concreto, "não se trata apenas de fundamentação sucinta, mas de utilização de fundamento inidôneo no acórdão proferido pela Primeira Câmara Criminal do Egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em expressa violação ao art. 93, IX, da CF/1988", e, assim, a hipótese dos autos não se amolda ao referido precedente da Suprema Corte (Evento 70, fl. 08).
Nesses termos, entre outras considerações, requer o conhecimento e o provimento do presente reclamo para que, reformada a decisão monocrática agravada, seja o recurso extraordinário admitido e remetido ao Supremo Tribunal Federal, visto que foram atendidos todos os requisitos legais para sua interposição.
Em sede de contrarrazões, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina "propõe o conhecimento do agravo interno interposto, mas, no mérito, requer que lhe seja negado provimento para manter-se íntegra a decisão que negou seguimento ao recurso extraordinário" (Evento 74, fls. 05-06).
Ato contínuo, os autos vieram conclusos.
É o relatório

VOTO


1. O recurso é cabível, tempestivo, e preenche os demais requisitos de admissibilidade, razão pela qual é conhecido.
2. No mérito, entretanto, as teses articuladas não prosperam.
Cuida-se de agravo interno mediante o qual se pretende a reforma de juízo negativo de admissibilidade exarado pela 2ª Vice-Presidência deste Tribunal, com consequente ascensão de recurso extraordinário à Corte de destino.
2.1. Tema 280/STF
Inicialmente, cumpre registrar que no julgamento do paradigma sobredito (RE 603.616 RG/RO), relatado pelo Ministro Gilmar Mendes, o Supremo Tribunal Federal fixou a seguinte tese: "A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticados."
A respeito, pertinente transcrever a ementa do aresto utilizado como referência:
Recurso extraordinário representativo da controvérsia. Repercussão geral. 2. Inviolabilidade de domicílio - art. 5º, XI, da CF. Busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial em caso de crime permanente. Possibilidade. A Constituição dispensa o mandado judicial para ingresso forçado em residência em caso de flagrante delito. No crime permanente, a situação de flagrância se protrai no tempo. 3. Período noturno. A cláusula que limita o ingresso ao período do dia é aplicável apenas aos casos em que a busca é determinada por ordem judicial. Nos demais casos - flagrante delito, desastre ou para prestar socorro - a Constituição não faz exigência quanto ao período do dia. 4. Controle judicial a posteriori. Necessidade de preservação da inviolabilidade domiciliar. Interpretação da Constituição. Proteção contra ingerências arbitrárias no domicílio. Muito embora o flagrante delito legitime o ingresso forçado em casa sem determinação judicial, a medida deve ser controlada judicialmente. A inexistência de controle judicial, ainda que posterior à execução da medida, esvaziaria o núcleo fundamental da garantia contra a inviolabilidade da casa (art. 5, XI, da CF) e deixaria de proteger contra ingerências arbitrárias no domicílio (Pacto de São José da Costa Rica, artigo 11, 2, e Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, artigo 17, 1). O controle judicial a posteriori decorre tanto da interpretação da Constituição, quanto da aplicação da proteção consagrada em tratados internacionais sobre direitos humanos incorporados ao ordenamento jurídico. Normas internacionais de caráter judicial que se incorporam à cláusula do devido processo legal. 5. Justa causa. A entrada forçada em domicílio, sem uma justificativa prévia conforme o direito, é arbitrária. Não será a constatação de situação de flagrância, posterior ao ingresso, que justificará a medida. Os agentes estatais devem demonstrar que havia elementos mínimos a caracterizar fundadas razões (justa causa) para a medida. 6. Fixada a interpretação de que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados. 7. Caso concreto. Existência de fundadas razões para suspeitar de flagrante de tráfico de drogas. Negativa de provimento ao recurso (STF, RE 603616, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 5-11-2015 - Tema 280, grifou-se).
Por oportuno, dos fundamentos do voto do Relator, cabe destacar:
[...]
No caso da inviolabilidade domiciliar, em geral, é necessário o controle judicial prévio - expedição de mandado judicial de busca e apreensão. O juiz analisa a existência de justa causa para a medida - na forma do art. 240, §1º, do CPP, verifica se estão presentes as "fundadas razões" para a medida - e, se for o caso, determina a expedição do mandado de busca e apreensão.
No entanto, é a própria Constituição que elenca exceções - entre elas o flagrante delito - nas quais dispensa o mandado judicial para ingresso forçado em casa. Em crimes permanentes, o agente está permanentemente em situação de flagrante delito. Assim, seria de difícil compatibilização com a Constituição exigir controle judicial prévio para essas hipóteses.
Da mesma forma, a cláusula que limita o ingresso ao período do dia é aplicável apenas aos casos em que a busca é determinada por ordem judicial. Nos demais casos - flagrante delito, desastre, ou para prestar socorro - a Constituição não faz exigência quanto ao período do dia. Talvez porque, nessas hipóteses, presume-se urgência no ingresso na casa.
Essa urgência é presumida independentemente de o crime envolver violência ou grave ameaça à pessoa.
Nas hipóteses em que a Constituição dispensa o controle judicial prévio, resta o controle a posteriori. Pelo entendimento atualmente aceito na jurisprudência, se a situação de flagrante se confirma, qualquer controle subsequente à medida é dispensado. Não se exige das autoridades policiais maiores explicações sobre as razões que levaram a ingressar na casa onde a diligência foi realizada.
Assim, voltando ao exemplo da droga mantida em depósito em residência, se o policial obtém, mediante denúncia anônima, a informação de que a droga está naquela casa, não poderá pedir mandado judicial, porque ninguém se responsabilizou validamente pela declaração - art. 5º, IV, CF. No entanto, poderá forçar a entrada na casa e fazer a prisão em flagrante. Se, eventualmente, vier a ser indagado, poderá pretextar que soube da localização da droga por informações de inteligência policial. De qualquer forma, a solidez das informações que levaram ao ingresso forçado não é analisada.
Já afirmamos que essa solução é menos insatisfatória. Em consequência, resta fortalecer o controle a posteriori, exigindo dos policiais a demonstração de que a medida foi adotada mediante justa causa. Ou seja, que havia elementos para caracterizar a suspeita de que uma situação que autoriza o ingresso forçado em domicílio estava presente. O modelo probatório é o mesmo da busca e apreensão domiciliar - fundadas razões, art. 240, §1º, do CPP. Trata-se de exigência modesta, compatível com a fase de obtenção de provas.
É amplo o leque de elementos que podem ser utilizados para satisfazer o requisito.
O policial pode invocar o próprio testemunho para justificar a medida. Claro que o ingresso forçado baseado em fatos presenciados pelo próprio policial que realiza a busca coloca o agente público em uma posição de grande poder e, por isso mesmo, deve merecer especial escrutínio. No entanto, ao ouvir gritos de socorro e ruídos característicos de uma briga vindos de dentro de uma residência, o policial tem fundadas razões para crer que algum crime está em...

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