Acórdão Nº 5083776-26.2022.8.24.0023 do Primeira Câmara Criminal, 29-09-2022

Número do processo5083776-26.2022.8.24.0023
Data29 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualAgravo de Execução Penal
Tipo de documentoAcórdão
Agravo de Execução Penal Nº 5083776-26.2022.8.24.0023/SC

RELATOR: Desembargador CARLOS ALBERTO CIVINSKI

AGRAVANTE: ANGELA MARGO DE MOURA LEOTE (AGRAVANTE) ADVOGADO: THIAGO BURLANI NEVES (DPE) AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AGRAVADO)

RELATÓRIO

Pronunciamento judicial agravado: a juíza substituta Mônica Bonelli Paulo Prazeres, da Vara de Execuções Penais da comarca de Florianópolis, rejeitou a exceção de pré-executividade oposta pela executada, nos seguintes termos:

Trato de exceção pré-executividade oposta pela Defensoria Pública na defesa dos interesses dá executada ANGELA MARGO DE MOURA LEOTE.

|Decido.

Do efeito suspensivo

De início, registro que não assiste razão à Defensoria Pública acerca da necessidade de atribuição de efeito suspensivo, mormente porque não demonstrado que o prosseguimento da execução poderá causar dano grave ou de difícil reparação, especialmente pela ausência de plausibilidade das teses ventiladas na presente exceção.

E, nesse aspecto, vislumbro que a parte executada alega tão somente que eventual constrição de bens em nome da apenada seria indevido em razão da sua flagrante hipossuficiência econômica, o que não se traduz em fundamento idôneo para autorizar o deferimento do efeito suspensivo em sede liminar.

Dito isso, o indeferimento do pedido suspensivo é medida que se impõe.

Do mérito da exceção pré-execuitividade

A exceção de pré-executividade consiste na defesa do executado, admitida pela doutrina e pela jurisprudência em situações excepcionais, sendo meio hábil para discutir questões atinentes à admissibilidade do processo de execução, que se relacionem com os pressupostos processuais e as condições da ação. A excepcionalidade da medida é, assim, sua principal caraterística. Segundo os ensinamentos de Araken de Assis:

"Esta modalidade excepcional de oposição do executado - "somente em casos excepcionais, sobre os quais a doutrina e a jurisprudência vêm se debruçando", assentou a 4ª Turma do STJ, admite-se oposição sem garantia do juízo -, controvertendo pressupostos do processo e da pretensão a executar, se designa de exceção, ou objeção, de pré-executividade ou de executividade". [...] "Em princípio, o elemento comum às hipóteses de exceção reside na iniciativa de conhecimento da matéria, que toca ao juiz, originariamente, cabendo ao devedor suprir sua ocasional inércia". (Manual do Processo de Execução. 8. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 580/581).

A pedra de toque da objeção, portanto, está no fato de ser ela um alerta ao magistrado acerca de uma execução que sequer deveria ter sido iniciada.

Com isso em mente, no que toca à suposta ilegitimidade do Ministério Público, certo que inexiste razão à Defensoria Pública.

Consoante é cediço, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 3.150/DF, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a multa penal possui caráter de sanção criminal, exsurgindo, como consequência, a legitimação prioritária do Ministério Público perante a Vara de Execuções Penais para a execução da pena de multa.

In casu, alega a Defensoria Pública que no aludido julgamento, a Corte Cosntitucional estabeleceu o prazo de 90 (noventa) dias para o ajuizamento da ação de execução da pena de multa e, uma vez ultrapassado tal período, a legitimidade passaria a ser da Fazenda Pública, cuja execução se daria na Vara de Execução Fiscal.

No entanto, o estabelecimento de um prazo de 90 (noventa) dias para o ajuizamento da execução da multa decorre da construção jurisprudencial, havida por ocasião do julgamento da ADI 3150/DF, não podendo tal compreensão se transmudar no surgimento de um verdadeiro prazo decadencial para o órgão ministerial, até porque a própria Lei n.º 7.210/84 disciplina de modo expresso que a cobrança de multa é atribuição do Ministério Público, in verbis:

Art. 164. Extraída certidão da sentença condenatória com trânsito em julgado, que valerá como título executivo judicial, o Ministério Público requererá, em autos apartados, a citação do condenado para, no prazo de 10 (dez) dias, pagar o valor da multa ou nomear bens à penhora.

Se não bastasse, após o julgamento da Ação Direta de Inconsticionalidade em exame, a Lei n.º 13.964/19 alterou a redação do art. 51 do Código Penal para estabelecer que "a multa será executada perante o juiz da execução penal", disposição que se coaduna com o papel institucional do Ministério Público na fiscalização da execução da pena, na forma do art. 67 da Lei n.º 7.210/84.

Assim, resulta imperioso concluir que por expressa taxatividade do texto legal, eventual inércia do Ministério Público no ajuizamento da execução da pena de multa no prazo de 90 (noventa) dias - ou mesmo o seu ajuizamento tardio, como in casu - em nada afetará a legitimidade do órgão ministerial para promover a cobrança da multa penal.

Assim, não há que se falar em ilegitimidade do Ministério Público para promover a cobrança da multa penal.

Outrossim, cumpre afastar, ainda, a tese direcionada à declaração de inconstitucionalidade da pena de multa do crime de tráfico de drogas, sob alegação de violação de princípios constitucionais (individualização da pena, proporcionalidade, isonomia e dignidade da pessoa humana).

Na hipótese, não assiste razão à Defensoria Pública, já que apesar da multa-tipo prevista nos tipos penais regulados pela Lei n.º 11.343/06 alcançar patamares superiores aqueles previstos aos crimes comuns (art. 49 e 60 do Código Penal), não se pode olvidar a especialidade da legislação que regula a matéria, mas, também, a notável severidade adotada pelo legislador como política criminal voltada à repressão estatal para o crime de tráfico de drogas.

De mais a mais, o Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a repercussão Geral no Recurso Extraordinário n.º 1347158/SP assentou o seguinte:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. ARTIGO 33, CAPUT, DA LEI 11.343/2006. PENA DE MULTA. ALEGADA CONTRARIEDADE AOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. IMPOSSIBILIDADE DE O PODER JUDICIÁRIO SUBSTITUIR O PODER LEGISLATIVO NA QUANTIFICAÇÃO DA PENA. PRECEDENTES. MULTIPLICIDADE DE RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS. CONTROVÉRSIA CONSTITUCIONAL DOTADA DE REPERCUSSÃO GERAL. REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO.

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, reputou constitucional a questão. O Tribunal, por unanimidade, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada. No mérito, por maioria, reafirmou a jurisprudência dominante sobre a matéria, vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski e Edson Fachin. (STF; REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 1.347.158/SP. Rel. Min. Luiz Fux. data Decisão: 21/10/2021).

Assim, não há que se falar em inconstitucionalidade da pena de multa.

Outrossim, também não assiste razão à Defensoria Pública no tocante à alegada inexigibilidade do título executivo em razão do valor da execução ser inferior a R$ 50.0000,00 (cinquenta mil reais), conforme portaria da Procuradoria-Geral do Estado de Santa Catarina, já que tal valor corresponde à cobrança de origem tributária, o que inocorre in casu, já que o montante aqui executado possui natureza penal.

A propósito: "O valor mínimo de R$ 50.000,00 para o ajuizamento de ação de cobrança da dívida ativa do Estado de Santa Catarina diz respeito, tão somente, às dívidas ativas de caráter tributário, não se aplicando à multa criminal, até mesmo porque, conforme bem frisou o Dr. Procurador de Justiça, "a aplicação dessa determinação infralegal tornaria inócuo o instituto da pena de multa, a qual é, comumente, inferior ao valor fixado, conforme se pode depreender do artigo 49 do Código Penal" (TJSC, Agravo de Execução Penal n. 5023324-50.2022.8.24.0023, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Salete Silva Sommariva, Segunda Câmara Criminal, j. 05/04/2022).

No mesmo sentido: "Extinguir a execução da pena de multa em razão do seu valor ínfimo é o mesmo que isentar o acusado de uma das reprimendas pelo qual restou condenado, estando-se, assim, criando uma nova modalidade de extinção da punibilidade (pelo valor inexpressivo da multa), sem qualquer previsão na legislação" (TJSC, Agravo de Execução Penal n. 5000640-11.2021.8.24.0042, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Des. Luiz Antônio Zanini Fornerolli, Quarta Câmara Criminal, j. em 6/5/2021). RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (Agravo de Execução Penal n. 5001430-92.2021.8.24.0042, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Sidney Eloy Dalabrida, Quarta Câmara Criminal, j. 05-08-2021).

Já no tocante à alegação de inexigibilidade da pena de multa frente à hipossuficiência econômica da executada, não se ignora a recente revisão de tese pelo Superior Tribunal de Justiça acerca da possibilidade de reconhecimento da extinção da punibilidade mesmo na pendência de adimplemento da pena de multa, mas para os condenados comprovadamente hipossuficientes.1

In casu, no entanto, de forma bastante objetiva, falhou a defesa em fazer prova pré constituída (a única aceitável nesta sede) de que a executada é pessoa incapaz economicamente de arcar com o pagamento do débito decorrente da condenação criminal.

Oportuno destacar a ressalva do Ministro Relator do Recurso Especial N.º1785383/SP anotando que para a "aferição da efetiva capacidade de adimplir a pena pecuniária será, segundo penso, a prudente e motivada avaliação judicial, no exame de cada caso, ante os argumentos e as provas apresentadas pelo interessado", o que, evidentemente, perpassa pela necessidade de produção de outras provas, o que é incompatível com a estreita via da exceção pré-executividade.

A propósito do tema:

AGRAVO (ART. 1021 DO CPC/15). AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECURSO, CONFIRMANDO A INTERLOCUTÓRIA QUE REJEITOU EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE, PORQUANTO A MATÉRIA AGITADA DEMANDAVA DILAÇÃO PROBATÓRIA, INCOMPATÍVEL COM O PROCEDIMENTO ELEITO. ENTENDIMENTO QUE GUARDA CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE DA...

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