Acórdão Nº 5086557-21.2022.8.24.0023 do Primeira Câmara Criminal, 15-09-2022

Número do processo5086557-21.2022.8.24.0023
Data15 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualAgravo de Execução Penal
Tipo de documentoAcórdão
Agravo de Execução Penal Nº 5086557-21.2022.8.24.0023/SC

RELATORA: Desembargadora ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO

AGRAVANTE: DIEGO DA SILVA SOUZA (AGRAVANTE) AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AGRAVADO)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de agravo em execução penal interposto por Diego da Silva Souza contra a decisão proferida pelo Juízo da Vara de Execuções Penais da Comarca da Capital/SC que, nos autos do PEC n. 0007728-21.2017.8.24.0045, indeferiu os pedidos de unificação de penas e progressão para o regime aberto (Seq. 211.1, SEEU).

Sustenta o agravante o reconhecimento da continuidade delitiva das infrações pelas quais restou condenado.

Ademais, aponta fazer jus à progressão ao regime aberto, pois a nova Lei n. 13.694/2019, que alterou o art. 112 da Lei de Execução Penal, determinou o cumprimento de 16% de pena para os apenados primários, condenados por crime sem violência ou grave ameaça (Evento 1 dos autos 5086557-21.2022.8.24.0023).

Ofertadas contrarrazões manifestando-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso (Evento 10), a decisão foi mantida pelo juízo de origem por seus próprios fundamentos (Evento 12).

Nesta instância, o Exmo. Sr. Dr. Procurador de Justiça José Eduardo Orofino da Luz Fontes emitiu parecer pela Procuradoria-Geral de Justiça, no qual pugnou pelo conhecimento e desprovimento do recurso interposto (Evento 14 destes autos).

Este é o relatório.

VOTO

Da admissibilidade

Presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, conheço do recurso e passo ao exame do pleito recursal.

Do mérito

Cumpre assinalar que o juízo da execução penal "tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado" (art. 1ª da Lei de Execuções Penais).

Do reconhecimento da continuidade delitiva

O instituto da continuidade delitiva, aplicado também no âmbito da execução e alvo de análise para resolução da controvérsia ora discutida, encontra-se previsto no artigo 71 do Código Penal, da seguinte forma:

Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.

Parágrafo único - Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste Código.

Sobre o referido instituto, é remansosa a discussão quanto ao requisito intrínseco relativo a unidade desígnios.

Colhe-se das lições de Guilherme de Souza Nucci as teorias mais conhecidas:

1.ª) subjetiva: exige apenas unidade de desígnio para demonstrar a existência do delito continuado. É a menos utilizada pela doutrina. Por tal teoria, o delito continuado somente existiria caso o agente conseguisse demonstrar que agiu com unidade de desígnio, ou seja, que desde o início de sua atividade criminosa tinha um único propósito. Como isso é praticamente impossível de se fazer sem o auxílio dos elementos objetivos que compõem a continuidade delituosa, não se acolhe tal posicionamento;

2.ª) objetiva: não exige a prova da unidade de desígnio, mas única e tão somente a demonstração de requisitos objetivos, tais como a prática de crimes da mesma espécie, cometidos em semelhantes condições de lugar, tempo, modo de execução, entre outras. Sustentam-na Feuerbach, Mezger, Liszt-Schmidt, Von Hippel, Jiménez de Asúa, Antón Oneca, Eduardo Corrêa. Na doutrina nacional, Fragoso, Frederico Marques, Hungria, Delmanto, Paulo José da Costa Jr., Costa e Silva, Gustavo Junqueira e Patrícia Vanzolini, entre outros. Sobre a desnecessidade de se exigir a prova da unidade de desígnio, destaca Aníbal Bruno que "o nosso Direito positivo vigente adota uma posição objetiva, dispensando, assim, a participação de qualquer elemento subjetivo unitário, na conceituação do crime continuado, abrangedor dos vários fatos que se sucedem". O autor ressalta, no entanto, a possibilidade excepcional de se usar a unidade de desígnio, quando houver dificuldade de estabelecer o vínculo de continuidade entre os fatos (Das penas, p. 168);

3.ª) objetivo-subjetiva: exige-se, para a prova do crime continuado, não somente a demonstração dos requisitos objetivos, mas ainda a prova da unidade de desígnio. Aliás, facilita-se a evidência desta última a partir dos dados objetivos. Defendem-na Welzel, Sauer, Weber, Maurach, Bettiol, Antolisei, Alimena, Pisapia, Manzini, Florian, Balestra, Schönke-Schröder, Impallomeni, Camargo Hernández, Ricardo Nuñez, Zaffaroni. Na doutrina nacional, Roberto Lyra, Basileu Garcia, Noronha, Silva Franco, Damásio.

Sob tal enfoque, anota-se que este Órgão Fracionário há muito vêm adotando a corrente objetivo-subjetiva, de modo que para o reconhecimento da continuidade, é necessário que fiquem demonstrados os requisitos objetivos, como o tempo (em regra, não superior a 30 dias), local (mesmo município ou limítrofes) e modo de execução, e o subjetivo, consistente na unidade de desígnios, definida como "[...] vínculo subjetivo entre os eventos criminosos, a exigir a demonstração doentrelaçamento entre as condutas delituosas, ou seja, evidências no sentido de que a ação posterior é um desdobramento da anterior' (AgRg no HC n. 426.556/MS, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma,julgado em 22/3/2018, DJe 3/4/2018).

Veja-se:

RECURSO DE AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. INSURGÊNCIA DEFENSIVA. DECISÃO QUE NÃO RECONHECEU A CONTINUIDADE DELITIVA ENTRE 02 (DOIS) CRIMES PRATICADOS PELO APENADO. DELITOS DA MESMA ESPÉCIE E PRATICADOS EM CONDIÇÕES SEMELHANTES DE TEMPO, LOCAL E MANEIRA DE EXECUÇÃO. AUSÊNCIA, PORÉM, DO ELEMENTO SUBJETIVO. UNIDADE DE DESÍGNIO NÃO CARACTERIZADA. ACERTO DA DECISÃO. CONFIGURADA A REITERAÇÃO DELITIVA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. Ainda que, em determinado caso concreto, o agente tenha praticado delitos da mesma espécie e em condições semelhantes de tempo, lugar e maneira de execução, não poderá ser reconhecida a continuidade delitiva se os elementos das práticas ilícitas não indicarem a unidade de desígnios entre as condutas. (TJSC, Agravo de Execução Penal n. 5059291-30.2020.8.24.0023, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Paulo Roberto Sartorato, Primeira Câmara Criminal, j. 14-01-2021).

PROCESSO PENAL. AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. ARTIGO 197 DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL. JUÍZO DA EXECUÇÃO QUE AO REALIZAR A UNIFICAÇÃO DE PENAS RECONHECEU A CONTINUIDADE DELITIVA EM DETRIMENTO DO CONCURSO MATERIAL DE CRIMES. ARTIGO 71 DO CÓDIGO PENAL. IRRESIGNAÇÃO MINISTERIAL. OCORRÊNCIA DE HABITUALIDADE CRIMINOSA DA AGENTE. POSSIBILIDADE. CONFIRMADA AUSÊNCIA DE UNIDADE DE DESÍGNIOS. TEORIA MISTA. HABITUALIDADE DELITIVA QUE TAMBÉM DESAUTORIZA A SOMATÓRIA DIFERENCIADA. PRECEDENTES DESTA CORTE E DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. CONCURSO MATERIAL DE CRIMES QUE DEVE...

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