Acórdão Nº 5087474-74.2021.8.24.0023 do Quinta Câmara Criminal, 23-06-2022

Número do processo5087474-74.2021.8.24.0023
Data23 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão
Recurso em Sentido Estrito Nº 5087474-74.2021.8.24.0023/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ NERI OLIVEIRA DE SOUZA

RECORRENTE: JOAO FRANCISCO FERREIRA FILHO (IMPETRANTE) RECORRENTE: PAULA REGINA FERREIRA (Paciente do H.C) (IMPETRANTE) RECORRIDO: ESTADO DE SANTA CATARINA (INTERESSADO)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso em sentido estrito manejado por João Francisco Ferreira Filho e Paula Regina Ferreira, por intermédio de defensor constituído, contra decisão proferida pelo Juízo da Vara de Direito Militar da Comarca de Florianópolis no Habeas Corpus Criminal n. 50874747420218240023, que denegou a concessão da ordem postulada com o objetivo de determinar o trancamento do Inquérito Policial Militar n. 1.150/IPM/PMSC/2020.

Nas razões, em síntese, os recorrentes sustentam que "o presente IPM teve a sua base investigativa baseado na troca de provas judicializadas SEM autorização do magistrado competente", condição que viola preceitos constitucionais, uma vez que a prova foi obtida de forma ilícita.

Ainda, aduzem que há excesso de prazo na tramitação do respectivo Inquérito Policial Militar, nos termos do art. 20 do Código de Processo Penal Militar, bem como inexiste nos autos qualquer pedido requerendo a prorrogação das investigações.

Com esses argumentos pugnam pelo provimento do recurso, "para que seja reconhecida e modificada a decisão atacada, com a imediata e necessária concessão da ordem de habeas corpus para o efeito da mais lídima e necessária Justiça", procedendo-se o trancamento do Inquérito Policial Militar n. 1.150/2020. (evento 34 - autos de origem).

Apresentadas as contrarrazões pelo Ministério Público (evento 40 - autos de origem) e mantida a decisão combatida (evento 29 - autos de origem) os autos ascenderam a esta e. Corte.

A Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer lavrado pelo Excelentíssimo Procurador de Justiça Sr. Dr. Paulo Antonio Locatelli, manifestou-se "pelo não conhecimento do presente Recurso em Sentido Estrito. No caso de conhecimento, opinou pelo desprovimento" (evento 15).

Este é o relatório.

VOTO

O pleito comporta ser atacado por Recurso em Sentido Estrito, nos termos do art. 581, X, do Código de Processo Penal1.

Dispõe o art. 9º do Código de Processo Penal Militar: "O inquérito policial militar é a apuração sumária de fato, que, nos têrmos legais, configure crime militar, e de sua autoria. Tem o caráter de instrução provisória, cuja finalidade precípua é a de ministrar elementos necessários à propositura da ação penal."

Sobre o tema, expondo questões pertinentes à figura do indiciado e possibilidade de trancamento do inquérito policial militar, Guilherme de Souza Nucci leciona:

Indiciamento e constrangimento ilegal: indiciado é a pessoa apontada pelo Estado-investigação, dentro da sua convicção, como autora da infração penal. Ser indiciado implica um constrangimento natural, pois a folha de antecedentes receberá a informação, tornando-se permanente, ainda que o inquérito seja, posteriormente, arquivado. Assim, o indiciamento não é um ato discricionário da autoridade policial, devendo basear-se em provas suficientes para isso. Nessa ótica: STJ: "Se há indícios da prática de crimes, incabível o trancamento do inquérito. Todavia, o indiciamento só pode ser realizado se há, para tanto, fundada e objetiva suspeita de participação ou autoria nos eventuais delitos" (HC 8.466-PR, 5.ª T., rel. Felix Fischer, 20.04.1999, v.u., DJ 24.05.1999, p. 183). Ensina Sérgio Marcos de Moraes Pitombo sobre o indiciamento: "Não há de surgir qual ato arbitrário da autoridade, mas legítimo. Não se funda, também, no uso de poder discricionário, visto que inexiste a possibilidade legal de escolher entre indiciar ou não. A questão situa-se na legalidade do ato. O suspeito, sobre o qual se reuniu prova da autoria da infração, tem que ser indiciado. Já aquele que, contra si, possui frágeis indícios, ou outro meio de prova esgarçado, não pode ser indiciado. Mantém como é: suspeito. Em outras palavras, a pessoa suspeita da prática de infração penal passa a figurar como indiciada, a contar do instante em que, no inquérito policial instaurado, se lhe verificou a probabilidade de ser o agente" (Inquérito policial: novas tendências, citado no acórdão supra do TACrim-SP, RT 702/363 - grifamos). É cabível o habeas corpus, dirigido ao juiz, caso alguém se sinta injustamente convocado para ser indiciado. Nessa hipótese, o magistrado pode fazer cessar a coação, se ilegal, impedindo o indiciamento ou mesmo determinando o trancamento da investigação. É conduta excepcional, pois o Estado tem o dever de investigar toda e qualquer infração penal, razão pela qual somente em último caso obriga-se à cessação precoce do inquérito. Por isso, a autoridade policial militar deve ser clara ao convocar alguém a comparecer, ser ouvido e indiciado, quando já sabe, de antemão, que tal conduta será adotada. Excepcionalmente, ouvindo várias pessoas no mesmo dia, pode a autoridade policial formar sua convicção no ato e resolver indiciar um dos sujeitos inquiridos. Nessa hipótese, resta ao indiciado recorrer ao juiz, através do habeas corpus, para fazer cessar os efeitos do indiciamento ou mesmo para trancar a investigação, se for o caso.

[...]

Trancamento do inquérito policial: admite-se que, por intermédio do habeas corpus, a pessoa apontada pela autoridade policial militar como suspeita possa recorrer ao Judiciário para fazer cessar o constrangimento a que está exposto, pela mera instauração de investigação infundada. O inquérito é um mecanismo de exercício de poder estatal, valendo-se de inúmeros instrumentos que, certamente, podem constranger quem não mereça ser investigado. O indiciamento, como já se viu, é mais grave ainda, pois faz anotar, definitivamente, na folha de antecedentes do sujeito a suspeita de ter ele cometido um delito. Por tal razão, quando se perceber nítido abuso na instauração de um inquérito (por exemplo, por fato atípico) ou a condução das investigações na direção de determinada pessoa sem a menor base de prova, é cabível o trancamento da atividade persecutória do Estado. Entretanto, é hipótese excepcional, uma vez que investigar não significa processar, não exigindo, pois, provas suficientes para um juízo de mérito. Coíbe-se o abuso e não a atividade regular da polícia judiciária. O Superior Tribunal de Justiça já tem posição pacífica a esse respeito, mencionando que somente pode ser trancado o inquérito policial quando ficar demonstrada, de pronto, a falta de "elementos mínimos" para caracterizar a existência do crime. Assim: STJ: "O trancamento de inquérito por ausência de justa causa, conquanto possível, cabe, apenas, nas hipóteses em que evidenciada, de plano, a atipicidade do fato ou a inexistência de autoria por parte do paciente (precedentes desta Corte e do Pretório Excelso)" (RHC 15.761-RS, 5.ª T., rel. Felix Fischer, 28.09.2004, v.u., DJ 08.11.2004, p. 249). No mesmo sentido, HC 7.763-DF, 5.ª T., rel. Felix Fischer, 16.03.1999, v.u., DJ 25.10.1999, p. 98; HC 8.693-MG, 5.ª T., rel. Edson Vidigal, 28.09.1999, v.u., DJ 25.10.1999, p. 100. (Código de Processo Penal Militar Comentado. Disponível em: Minha Biblioteca...

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