Acórdão Nº 5100215-15.2022.8.24.0023 do Quinta Câmara Criminal, 27-04-2023

Número do processo5100215-15.2022.8.24.0023
Data27 Abril 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão










Recurso em Sentido Estrito Nº 5100215-15.2022.8.24.0023/SC



RELATOR: Desembargador LUIZ NERI OLIVEIRA DE SOUZA


RECORRENTE: ALZIRA CORDASSO TORTELI (RECORRENTE) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (RECORRIDO)


RELATÓRIO


Na Comarca de Quilombo, o órgão do Ministério Público ofereceu denúncia contra Alzira Cordasso Torteli pelo cometimento, em tese, do delito tipificado no art. 121, caput, do Código Penal, com os seguintes relatos oriundos da peça acusatória (evento 1, Denúncia 1):
"Na noite de 23 de março de 2020, por volta das 19h00, na Linha Costa e Silva, sem número, interior, no município de Quilombo-SC, a denunciada ALZIRA CORDASSO TORTELI, agindo em flagrante demonstração de ofensa à vida, valendo-se do emprego de instrumento de reconhecido poder vulnerante e potencialidade, consistente em "uma arma de fogo", assumindo o risco de causar o resultado morte, matou a vítima Joel Cleiton Carneiro Frigo, desferindo diversos disparos de arma de fogo contra ele e seus amigos que se encontravam pescando na localidade.
Com efeito, na noite dos fatos, a denunciada ALZIRA CORDASSO TORTELI estava sozinha em sua residência e ao ouvir vozes nas proximidades do Rio Ouro, bem como visualizar lanternas no local, ficou receosa e resolveu "assustar" eventuais pessoas que ali estivessem, desferindo diversos disparos de arma de fogo contra e em direção à elas, dos quais um alvejou a vítima Joel Cleiton Carneiro Frigo, que foi atingida na região mediana anterior e posterior do braço direito e na região axilar direita, o que culminou que viesse a óbito em decorrência de "hemorragia aguda" (Laudo Pericial n. 9426.20.00120, Laudo 23 do evento 1 e Laudo Pericial n. 9121.20.00142, Laudo 30 do evento 1).
De acordo com informações constantes no caderno investigativo, após a vítima e as pessoas que a acompanhavam ouvirem os primeiros tiros, alguns se abaixaram e outros mergulharam no Rio Ouro, tendo a vítima Joel Cleiton Carneiro Frigo sido vista com vida, pela última vez, por Joéder Ugolini, nas margens do referido rio, local onde ela mencionou que havia sido atingida com um tiro.
Posteriormente, após a Polícia Militar ser acionada, o cadáver da vítima Joel Cleiton Carneiro Frigo foi encontrado boiando dentro do Rio Ouro, alvejado por arma de fogo".
Apresentada as alegações finais pelas partes, o Juízo a quo julgou admissível a denúncia, pronunciando a denunciada, nos seguintes termos (evento 190):
"Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a denúncia para, nos termos do artigo 413 do Código de Processo Penal, PRONUNCIAR a acusada ALZIRA CORDASSO TORTELI, qualificada nos autos, a fim de que seja submetida a julgamento perante o Tribunal do Júri desta Comarca, como incurso nas sanções do artigo 121, caput, do Código Penal".
Devidamente intimada da sentença de pronúncia (evento 206, Certidão 2), a acusada, por intermédio de sua defensora constituída, interpôs recurso em sentido estrito postulando, em suas razões, a impronúncia e absolvição sumária, sob o argumento de ter agido sob o amparo da excludente de ilicitude da legítima defesa. Alternativamente, defendeu a desclassificação para o crime de homicídio culposo, frente a ausência de animus necandi na sua conduta (evento 202).
Contrarrazões apresentadas pelo Ministério Público pugnando pela manutenção incólume da sentença de pronúncia (evento 17 - autos n. 5100215-15.2022.8.24.0023).
Em juízo de retratação, o magistrado a quo manteve a decisão recorrida pelos seus próprios fatos e fundamentos (evento 19 - autos n. 5100215-15.2022.8..24.0023).
Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça a Exma. Sra. Dra. Vera Lúcia Coró Bedinoto, opinando pelo conhecimento e não provimento do recurso (evento 9 destes autos).
Este é o relatório

VOTO


Presentes os pressupostos legais de admissibilidade, conheço do recurso.
1. Cuida-se de recurso em sentido estrito interposto por Alzira Cordasso Torteli, em face da decisão que a pronunciou para julgamento perante o Tribunal do Júri pela prática, em tese, do crime tipificado no art. 121, caput, do Código Penal.
É sabido que a decisão de pronúncia se destina a filtrar a imputação, exercendo a função de encaminhar à apreciação do Tribunal Popular tão somente os casos que detenham provas mínimas a gerar dúvida razoável no espírito do magistrado, em expressão do princípio in dubio pro societate, como juízo de admissibilidade da acusação.
O decisum encerra, portanto, "um mero juízo de admissibilidade, onde examinam-se somente indícios de autoria e materialidade do fato. Assim, deve o magistrado ser comedido ao fundamentá-la, sob pena de invadir a competência do Tribunal do Júri, juiz natural da causa" (STJ, HC n. 170.716/MG, rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 28-02-2012).
Destarte, consoante enuncia o art. 413 do Código Processual Penal, há de ocorrer a pronúncia quando, convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, identifique elementos mínimos para potencial e futura condenação, cabendo a apreciação e resolução de eventuais controvérsias ao juízo natural constitucionalmente instituído.
Por outro lado, o juiz, fundamentadamente, absolverá desde logo o acusado nas hipóteses elencadas no art. 415 do Código de Processo Penal, ou ainda, constatada a ausência de elementos bastantes a autorizar à submissão ao julgamento popular, evidencia-se a necessidade de impronunciar o agente (art. 414 Código de Processo Penal).
Dito isso, pugna a defesa pela impronúncia e absolvição sumária sob o pálio da excludente de ilicitude da legítima defesa, ao sustentar que os disparos de arma de fogo foram efetuados pela acusada, tão somente, no intuito de proteção a sua vida e propriedade rural, tendo em vista que a vítima Joel, juntamente com outros indivíduos, teriam invadido o seu domínio. Neste escopo, traz a tese de que a intenção de matar não ficou devidamente comprovada, e diante da avaliação de todo o contexto fático, deve-se desclassificar o crime para o de homicídio culposo.
Contudo, sem razão.
Em análise do caderno probatório, verifica-se as provas da materialidade delitiva, notadamente pelo boletim de ocorrência, exame de comparação balística n. 9118.20.00373, laudo pericial cadavérico n. 9426.20.00120, perícia do local do crime n. 9121.20.00142, relatório policial, bem como por meio dos demais elementos de prova constantes nos autos (evento 1 - autos n. 5001293-14.2020.8.24.0053).
Em relação à autoria, existem indicativos suficientes para o encaminhamento da acusada a julgamento perante o Tribunal do Júri.
Assim, para referida análise e com o fito de evitar qualquer tipo de redundância, transcrevo trechos da sentença de pronúncia, os quais utilizo como razões de decidir (evento 190 - autos de origem):
No tocante à autoria, consta dos autos do Inquérito Policial n. 5001293-14.2020.8.24.0053 o laudo pericial realizado na arma de propriedade do filho da acusada (evento 1, anexo 22) e, ainda, o laudo pericial do local dos fatos (evento 1, anexo 30). Ademais, a prova oral produzida em juízo sob o crivo do contraditório demonstra que há indícios suficientes que autorizam a pronúncia, porquanto a prova testemunhal produzida no decorrer da instrução revela indícios de que no dia dos fatos a acusada efetuou ao menos três disparos de arma de fogo na direção da vítima Joel, causando-lhe ferimentos perfuro-contundente, os quais foram a causa da morte de Joel por hemorragia aguda.
Na prova oral, a testemunha Cátio Simon narrou que estava no local, próximo à ponte, quando um grupo de cinco pessoas chegou ao local, dentre elas a vítima Joel, e que, no momento em que se cumprimentaram, iniciaram-se os tiros, que ouviu uma primeira sequência de três tiros - e acredita que essa sequência é que acertou o Joel - e logo depois mais dois tiros. Afirmou que ouviu Joel falar que tinha sido acertado, e passado a gemer. Sobre os tiros, afirmou que não viu o clarão, somente o estrondo, e que, do local em que estava não conseguia visualizar a casa da ré, mas que Joel estava de 20 a 25 metros acima, mais para perto da sede existente na propriedade da acusada. Foram as declarações:
"Que chegou aproximadamente às dezoito e quarenta e cinco na beira do rio; que tinha um amigo seu que já estava lá pescando; que era o Jonas Pedroso Rocha; que no momento em que chegou tinha o carro dele estacionado na beirada da estrada; que o cara chegou e lhe pediu para tirar o carro, pois ia passar com a ceifa; que tirou o seu carro da estrada; que desceu até ao rio e chamou o Jonas para tirar o carro dele; que nesse momento em que o Jonas atravessou o rio e foi tirar o carro dele; que os outros piá chegaram na barranca do rio do outro lado de onde estavam; que o Jonas e o irmão dele Aldecir estavam atravessando o rio para ir lá; que eles eram amigos; que quando se cumprimentaram houve o primeiro disparo; que eles chegaram em cinco do outro lado do rio; que por nome lembra do Joel, o Claudiomar Ercego; que os outros conhece só por apelido; que era o Piti, o Odi; que o outro piazão não conhece; que já estava escurecendo; que eles estavam com lanternas; que estava sentado na barranca do rio; que tinha uma lanterna pendurada em um galho de árvore; que nesse momento houve os dois primeiros disparos; que no seu pensamento achou até que era uma bombinha alguma coisa porque não viu nada de claro; que quando deu o terceiro disparo que viu que os piá começaram a correr a se 'pinchar' dentro do rio; que os outros disparos deram na árvore onde estava; que daí que foi perceber que eram disparos; que desligou a sua lanterna; que naquilo já veio os piá que atravessaram o rio correndo; que eles falaram que era para recolher as coisas e irem embora que estão atirando; que escutava o Joel do outro lado gritando de dor; que o Joel só gritava e gemia; que escutou o Joel dizendo que haviam lhe acertado; que daí o Joel...

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