Acórdão Nº 5103502-83.2022.8.24.0023 do Quinta Câmara Criminal, 01-12-2022

Número do processo5103502-83.2022.8.24.0023
Data01 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualAgravo de Execução Penal
Tipo de documentoAcórdão
Agravo de Execução Penal Nº 5103502-83.2022.8.24.0023/SC

RELATORA: Desembargadora CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFER

AGRAVANTE: BRUNO CARVALHO GONCALVES (AGRAVANTE) AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AGRAVADO)

RELATÓRIO

Cuida-se de agravo em execução penal interposto por Bruno Carvalho Gonçalves, inconformado com a decisão proferida pela Juíza da Vara de Execuções Penais da comarca da Capital (evento 46 dos dos autos de execução da pena de multa n. 5082181-26.2021.8.24.0023) que rejeitou a exceção de pré-executividade oposta pelo agravante.

Em suas razões (evento 1), o agravante busca a reforma da decisão no sentido de ver extinta a punibilidade independentemente do pagamento da pena de multa, alegando, inicialmente, a ilegitimidade superveniente do Ministério Público e no mérito, alega a inconstitucionalidade da pena de multa, bem como a inexigibilidade da execução. Por fim, postula a impenhorabilidade do valor constrito.

Apresentadas as contrarrazões pelo Ministério Público (evento 11), e mantida a decisão a quo, em juízo de retratação (evento 13), ascenderam os autos a este egrégio Tribunal.

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Luiz Ricardo Pereira Cavalcanti, manifestando-se pelo conhecimento e desprovimento do apelo (evento 8 - segundo grau).

Este é o breve relato.

VOTO

O recurso deve ser conhecido porquanto presentes os requisitos de admissibilidade.

Conforme sumariado, cuida-se de agravo em execução penal interposto por Bruno Carvalho Gonçalves, inconformado com a decisão proferida pela Juíza da Vara de Execuções Penais da comarca da Capital (evento 46 dos dos autos de execução da pena de multa n. 5082181-26.2021.8.24.0023) que rejeitou a exceção de pré-executividade oposta pelo agravante.

Inicialmente, o agravante alega a inconstitucionalidade da pena de multa, contudo o pleito não merece prosperar.

Como se sabe, o Direito Penal brasileiro rege-se pelo princípio da legalidade, prescrito como cláusula pétrea pelo artigo 5º, inciso XXXIX, da Constituição da República, e replicado no artigo 1º do Código Penal, a determinar que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.

O aludido comando possui interpretação ampla e desdobra-se em quatro consequências, conforme leciona o doutrinador Rogério Greco:

"1ª) proibir a retroatividade da lei penal (nullum crimen nulla poena sine lege praevia);

2ª) proibir a criação de crimes e penas pelos costumes (nullum crimen nulla poena sine lege scripta);

3ª) proibir o emprego de analogia para criar crimes, fundamentar ou agravar penas (nullum crimen nulla poena sine lege stricta);

4ª) proibir incriminações vagas e indeterminadas (nullum crimen nulla poena sine lege certa)". (Curso de direito penal. 16. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2014, p. 100).

Em outras palavras, o princípio constitucional, enquanto um os pilares do exercício do poder punitivo estatal em consonância com os ditames do Estado Democrático de Direito, significa que a criação dos preceitos incriminadores e seus corolários jurídicos deve ser necessariamente submetida à lei em sentido estrito, consubstanciada na forma escrita após o devido processo legislativo, editada anteriormente à prática do fato, e que defina de maneira taxativa a conduta típica e a reprimenda a ela cominada.

Deste modo, a aplicação do indigitado princípio tem duas vertentes: de uma lado veda a imposição de penas fora das hipóteses legais e, por outro, não permite discricionariedade ao julgador para deixar de aplicá-las se não houver autorização legislativa expressa para tanto.

Especificamente no que tange ao crime de tráfico de drogas, a multa está prevista no preceito secundário do artigo 33 da Lei n.º 11.343/2006 como pena, e deve ser aplicada cumulativamente à pena privativa de liberdade. Assim, não cabe juízo de valor a ser efetuado pelo magistrado neste ponto, pois a pena de multa deve ser aplicada independentemente da condição financeira do réu.

A propósito, extrai-se da jurisprudência:

AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL - INSURGÊNCIA EM FACE DA DECISÃO QUE REJEITOU EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE INTENTADA CONTRA EXECUÇÃO DA PENA DE MULTA - ALEGADA ILEGITIMIDADE SUPERVENIENTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA O AJUIZAMENTO DA AÇÃO - TRANSCURSO DO PRAZO DE 90 DIAS - INOCORRÊNCIA - LEGITIMIDADE SUPERVENIENTE DA FAZENDA PÚBLICA - ORIENTAÇÃO N. 13/2020 DA CORREGEDORIA-GERAL DA JUSTIÇA - INCONSTITUCIONALIDADE DA PENA DE MULTA NO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS - IMPROCEDÊNCIA - QUESTÃO DE POLÍTICA CRIMINAL - COMPATIBILIDADE COM O TEXTO CONSTITUCIONAL - TESE DE INEXIGIBILIDADE DO TÍTULO EXECUTIVO - MULTA APLICADA EM VALOR INFERIOR AO ESTIPULADO PARA FINS DE COBRANÇA DE DÍVIDA ATIVA PELO ESTADO - INAPLICABILIDADE - SANÇÃO DE NATUREZA PENAL - INEXIGÊNCIA DE VALOR MÍNIMO PARA SER COBRADA - DEFENDIDA OFENSA AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE MATERIAL - TEMA N. 931 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - NECESSÁRIA DEMONSTRAÇÃO DA IMPOSSIBILIDADE ABSOLUTA DE ADIMPLEMENTO DA PENA DE MULTA - INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO NOS AUTOS - RECURSO DESPROVIDO. (TJSC, Agravo de Execução Penal n. 5023324-50.2022.8.24.0023, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Salete Silva Sommariva, Segunda Câmara Criminal, j. 05-04-2022).

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. ROUBOS CIRCUNSTANCIADOS PELO EMPREGO DE ARMA E CONCURSO DE PESSOAS, EM CONTINUIDADE DELITIVA (CÓDIGO PENAL, ART. 157, § 2º, I E II, POR TRÊS VEZES, COMBINADO COM O ART. 71, CAPUT, COM REDAÇÃO ANTERIOR ÀS ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI 13.654/2018). SENTENÇA CONDENATÓRIA. INSURGIMENTO DA DEFESA. [...] PLEITEADA ISENÇÃO DA SANÇÃO PECUNIÁRIA. COGITADA HIPOSSUFICIÊNCIA AO ADIMPLEMENTO. IRRELEVÂNCIA. REPRIMENDA DE CARÁTER COGENTE. INTELIGÊNCIA DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE (ARTS. 5º, INCISO XXXIX, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, E 1º DO DECRETO-LEI 2.848/1940). ADEMAIS, PENALIDADE ESTIPULADA SIMETRICAMENTE À REPRIMENDA CORPORAL. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL PARA TANTO. [...] (TJSC, Apelação Criminal n. 0000154-37.2017.8.24.0015, de Canoinhas, rel. Des. Luiz Cesar Schweitzer, Quinta Câmara Criminal, j. 06-02-2020).

APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS (ARTIGO 33, CAPUT, DA LEI N. 11.343/2006). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. [...] PENA DE MULTA. HIPOSSUFICIÊNCIA. REDUÇÃO. NÃO ACOLHIMENTO. DECORRÊNCIA DA CONDENAÇÃO. SIMETRIA COM A SANÇÃO CORPORAL DEVIDAMENTE ADOTADA PELA TOGADA SINGULAR. CONCESSÃO DA JUSTIÇA GRATUITA. PRETENSÃO QUE DEVE SER VEICULADA JUNTO AO JUÍZO DA CONDENAÇÃO. RECURSO CONHECIDO PARCIALMENTE E DESPROVIDO. (TJSC, Apelação Criminal n. 0005953-39.2015.8.24.0045, de Palhoça, rel. Des. Luiz Neri Oliveira de Souza, Quinta Câmara Criminal, j. 12-12-2019).

Ademais, o Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a repercussão Geral no Recurso Extraordinário n.º 1347158/SP , assentou a constitucionalidade da pena de multa no crime de tráfico de drogas, senão vejamos:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. ARTIGO 33, CAPUT, DA LEI 11.343/2006. PENA DE MULTA. ALEGADA CONTRARIEDADE AOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. IMPOSSIBILIDADE DE O PODER JUDICIÁRIO SUBSTITUIR O PODER LEGISLATIVO NA QUANTIFICAÇÃO DA PENA. PRECEDENTES. MULTIPLICIDADE DE RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS. CONTROVÉRSIA CONSTITUCIONAL DOTADA DE REPERCUSSÃO GERAL. REAFIRMAÇÃODA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO. Decisão: O Tribunal, por unanimidade, reputou constitucional a questão. O Tribunal, por unanimidade, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada. No mérito, por maioria, reafirmou a jurisprudência dominante sobre a matéria, vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski e Edson Fachin. (STF; REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 1.347.158/SP. Rel. Min. Luiz Fux. data Decisão: 21/10/2021).

Quanto a alegação de ilegitimidade superveniente do Ministério Público para dar início à execução da pena de multa, uma vez que houve o transcurso de prazo superior a 90 dias, melhor sorte não lhe assiste.

Não se desconhece o grande debate que havia, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, em relação à competência para a execução da pena de multa e, via de consequência, a discussão sobre a natureza da pena de multa: se é dívida de valor ou se possui natureza penal.

Contudo, tal discussão foi finalmente dirimida pelo Supremo Tribunal de Justiça - STJ, no julgamento da ADI N. 3150/DF, que entendeu que a Lei n.º 9.268/1996 ao prescrever a multa penal como dívida de valor não retirou seu caráter de sanção criminal, ou seja, a multa possui natureza penal.

A saber:

Execução penal. Constitucional. Ação direta de inconstitucionalidade. Pena de multa. Legitimidade prioritária do Ministério Público. Necessidade de interpretação conforme. Procedência parcial do pedido. 1. A Lei nº 9.268/1996, ao considerar a multa penal como dívida de valor, não retirou dela o caráter de sanção criminal, que lhe é inerente por força do art. 5º, XLVI, c, da Constituição Federal. 2. Como consequência, a legitimação prioritária para a execução da multa penal é do Ministério Público perante a Vara de Execuções Penais. 3. Por ser também dívida de valor em face do Poder Público, a multa pode ser subsidiariamente cobrada pela Fazenda Pública, na Vara de Execução Fiscal, se o Ministério Público não houver atuado em prazo razoável (90 dias). 4. Ação direta de inconstitucionalidade cujo pedido se julga parcialmente procedente para, conferindo interpretação conforme à Constituição ao art. 51 do Código Penal, explicitar que a expressão aplicando-se-lhes as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição , não exclui a legitimação prioritária do Ministério Público para a cobrança da multa na Vara de Execução Penal. Fixação das seguintes teses: (i) O Ministério Público é o órgão legitimado para promover a execução da pena de multa, perante a Vara de Execução Criminal, observado o procedimento...

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