Acórdão Nº 5113392-46.2022.8.24.0023 do Primeira Câmara Criminal, 11-05-2023

Número do processo5113392-46.2022.8.24.0023
Data11 Maio 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Criminal Nº 5113392-46.2022.8.24.0023/SC



RELATOR: Desembargador CARLOS ALBERTO CIVINSKI


APELANTE: HUGO LEONARDO DUARTE BLEICHVEHL (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)


RELATÓRIO


Denúncia: o Ministério Público da comarca da CAPITAL ofereceu denúncia em face de Hugo Leonardo Duarte Bleichvehl, dando-o como incurso nas sanções do art. 157, § 3º, II, do Código Penal, em razão dos seguintes fatos:
No dia 17 de outubro de 2022, por volta da 01h17min, o denunciado HUGO LEONARDO DUARTE BLEICHVEHL, imbuído de animus furandi, dirigiu-se à Rua Cândido Ramos, Bairro Capoeiras, nesta cidade e Comarca, e lá tentou subtrair fios de cobre que conduziam sinal de internet e telefonia às residências localizadas naquele logradouro.
Ato contínuo, enquanto o denunciado praticava a subtração, a vítima Charles dos Santos Oliveira o visualizou pela janela da sua residência e, identificando se tratar da mesma pessoa que havia furtado os fios do seu ar condicionado duas semanas antes, foi até a calçada, munido de uma arma branca (faca ou facão), para tentar repelir a ação e se proteger, quando ambos, vítima e denunciado, entraram em luta corporal.
Durante o embate, para assegurar sua impunidade, o denunciado HUGO LEONARDO DUARTE BLEICHVEHL atingiu a vítima Charles dos Santos Oliveira, utilizando o cabo (fio) que estava tentando subtrair, o que a fez desequilibrar, deixando cair a arma branca que portava.
Nesse momento, o denunciado HUGO LEONARDO DUARTE BLEICHVEHL se apossou do objeto cortante que estava no chão e, em seguida, desferiu golpes contra a vítima Charles dos Santos Oliveira, dentre eles um fatal, causando um ferimento perfurocortante na região lobo inferior esquerdo e pericárdio, com consequente traumatismo torácico por arma branca, resultando em sua morte, conforme atesta o Laudo Pericial n. 2022.02.12689.22.001-66 (Laudo 1 - Evento 31) (ev. 1-1G, em 3-11-2022).
Sentença: o juiz de direito Renato Guilherme Gomes Cunha julgou procedente a denúncia para condenar o réu pela prática do crime previstos no art. 157, §3º, II, ao cumprimento de pena privativa de liberdade de 30 anos de reclusão, em regime inicial fechado, e pagamento de 16 dias-multa, negando-lhe o direito de recorrer em liberdade (ev. 155-1G, em 24-2-2023).
Trânsito em julgado: a sentença transitou em julgado para o Ministério Público, conforme certidão presente no ev. 185.
Recurso de apelação: a defesa interpôs recurso de apelação, no qual postulou:
a) a absolvição ante a ausência de provas da autoria delitiva. Para tanto, sustentou que o reconhecimento pessoal realizado na delegacia de polícia se mostra irregular, contrariando o disposto no art. 226 do Código de Processo Penal;
b) os vídeos colacionados não auxiliam na definição do autor do delito, inexistindo qualquer elemento capaz de informar, de forma induvidosa, ter sido o apelante o autor do crime;
c) quanto à dosimetria, a exclusão do acréscimo na pena-base relacionado ao fato de o delito ter sido praticado durante à noite;
d) a redução do fracionário de 1/2 utilizado para a agravante da reincidência, aduzindo tratar-se de incremento desproporcional;
e) o reconhecimento da tentativa, uma vez não ter sido subtraído qualquer bem da vítima.
Pugnou, por conta disso, pelo conhecimento e provimento do recurso, a fim de absolver o recorrente ou, subsidiariamente, reduzir a pena (ev. 180-1G, em 7-3-2023).
Contrarrazões do Ministério Público: a acusação impugnou as razões recursais, ao argumento, em síntese, de que a esposa da vítima e uma testemunha ocular reconheceram o apelante como o autor do crime de latrocínio, não havendo qualquer margem para a absolvição. Em relação à dosimetria, afirmou ser o delito cometido no repouso noturno mais reprovável, autorizando-se o aumento na primeira fase. No tocante à reincidência, mencionou que a adoção da fração de 1/2 decorre da condição de multirreincidente do réu. Quanto ao pedido de reconhecimento da tentativa, disse ser descabido, em especial porque o entendimento consolidado pelo Supremo Tribunal Federal na Súmula 610, adotado pelo nosso Tribunal, é no sentido de que, no crime o crime de latrocínio se consuma com a morte do ofendido, ainda que a subtração não tenha se consolidado.
Postulou, portanto, pelo conhecimento e desprovimento do reclamo (ev. 184-1G, em 22-3-2023).
Parecer da Procuradoria-Geral de Justiça: o procurador de justiça Rui Arno Richter opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (evento 8-2G, em 31-3-2023)

Documento eletrônico assinado por CARLOS ALBERTO CIVINSKI, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 3339911v11 e do código CRC a6fb63a8.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): CARLOS ALBERTO CIVINSKIData e Hora: 11/5/2023, às 17:22:37
















Apelação Criminal Nº 5113392-46.2022.8.24.0023/SC



RELATOR: Desembargador CARLOS ALBERTO CIVINSKI


APELANTE: HUGO LEONARDO DUARTE BLEICHVEHL (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)


VOTO


Presentes os pressupostos de admissibilidade, o recurso é digno de conhecimento.
1. O pleito absolutório volta-se, de início, à alegação de irregularidade no reconhecimento pessoal realizado na delegacia de polícia.
Todavia, sem razão.
Não se desconhece a posição do Superior Tribunal de Justiça, iniciada a partir do julgamento do HC 598.886/SC, no sentido de declarar e nulidade das persecuções penais fundadas unicamente em reconhecimentos realizados na fase policial à revelia do procedimento estatuído no art. 226 do Código de Processo Penal.
No entanto, como bem vem destacando o Desembargador Zanini Fornerolli, "é certo que referido entendimento fez questão de consignar que esta prova não pode servir para condenação, 'a menos que outras provas, por si mesmas, conduzam o magistrado a convencer-se acerca da autoria delitiva'" (Apelação Criminal 5033548-18.2020.8.24.0023, Quarta Câmara Criminal, j. 13-5-2021).
A propósito, observa-se que no próprio Superior Tribunal de Justiça existem julgados mais recentes que relativizam a orientação firmada a partir do 598.886/SC, tal como o precedente decorrente do julgamento, em 19-4-2022 e por maioria de votos, do HC 721.963, em voto da lavra do ministro Sebastião Reis Júnior assim ementado:
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO. VIOLAÇÃO DO ART. 226 DO CPP. TESE DE NULIDADE. INOBSERVÂNCIA DO PROCEDIMENTO DE RECONHECIMENTO PESSOAL. EXISTÊNCIA DE OUTROS ELEMENTOS DE PROVA VÁLIDOS E INDEPENDENTES. PRECEDENTE.1. Para a jurisprudência desta Corte Superior, o reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, realizado na fase do inquérito policial, apenas é apto para identificar o réu e fixar a autoria delitiva quando observadas as formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal (HC n. 598.886/SC, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 18/12/2020). 2. O art. 226, antes de descrever o procedimento de reconhecimento de pessoa, diz em seu caput que o rito terá lugar "quando houver necessidade", ou seja, o reconhecimento de pessoas deve seguir o procedimento previsto quando há dúvida sobre a identificação do suposto autor. A prova de autoria não é tarifada pelo Código de Processo Penal.4. Antes, esta Corte dizia que o procedimento não era vinculante; agora, evoluiu no sentido de exigir sua observância, o que não significa que a prova de autoria deverá sempre observar o procedimento do art. 226 do Código de Processo Penal. O reconhecimento de pessoa continua tendo espaço quando há necessidade, ou seja, dúvida quanto à individualização do suposto autor do fato. Trata-se do método legalmente previsto para, juridicamente, sanar dúvida quanto à autoria. Se a vítima é capaz de individualizar o agente, não é necessário instaurar a metodologia legal.5. A nova orientação buscou afastar a prática recorrente dos agentes de segurança pública de apresentar fotografias às vítimas antes da realização do procedimento de reconhecimento de pessoas, induzindo determinada conclusão. 6. A condenação não se amparou, exclusivamente, no reconhecimento pessoal realizado na fase do inquérito policial, destacando-se, sobretudo, que uma das vítimas reconheceu o agravante em Juízo, descrevendo a negociação e a abordagem. A identificação do perfil na rede social facebook foi apenas uma das circunstâncias do fato, tendo em conta que a negociação deu-se por essa rede social.7. Agravo regimental improvido.
O Supremo Tribunal Federal não diverge do entendimento de que o reconhecimento fotográfico colhido de forma atípica pode ser reforçado por outros elementos:
HABEAS CORPUS [...] RECONHECIMENTO - ARTIGO 226, INCISO II, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - FORMALIDADES. A inobservância à formalidade prevista no inciso II do artigo 226 do Código de Processo Penal, ante reconhecimento fotográfico na fase de inquérito, fica suplantada por depoimentos em Juízo. (HC 177462, rel. Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, j. em 8-6-2021).
E é esse o caso dos autos, pois, muito embora a defesa repute frágil o reconhecimento realizado na delegacia, a condenação está amparada em um feixe robusto de provas, notadamente no fato de a esposa da vítima e a testemunha presencial terem ratificado em juízo o reconhecimento realizado na fase policial.
Importa destacar, aliás, que a autoria delitiva é definida não apenas pela esposa da vítima e pela testemunha Felipe da Silva Ferreira, mas também por terceira pessoa que esteve junto ao acusado logo após o delito e o relato dos policiais responsáveis pela investigação.
Nesse sentido, vale-se das transcrições realizadas pelo magistrado por ocasião da sentença, uma vez fiéis ao conteúdos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT