Acórdão nº 5131316 Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 1ª Turma de Direito Público, 03-05-2021

Data de Julgamento03 Maio 2021
Número do processo0804695-02.2020.8.14.0000
Data de publicação18 Maio 2021
Número Acordão5131316
Classe processualCÍVEL - AGRAVO DE INSTRUMENTO
Órgão1ª Turma de Direito Público

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) - 0804695-02.2020.8.14.0000

AGRAVANTE: ESTADO DO PARÁ

AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ

RELATOR(A): Desembargadora EZILDA PASTANA MUTRAN

EMENTA

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. PACIENTE PORTADOR DE DOENÇA RENAL CRÔNICA ESTÁGIO IV. CENÁRIO DE PANDEMIA POR SI SÓ NÃO AFASTA O DEVER DO ESTADO EM GARANTIR O DIREITO À VIDA E À SAÚDE. REDUÇÃO DE MULTA DIÁRIA A R$ 1.000,00 (MIL REAIS), LIMITADA A R$ 30.000,00 (TRINTA MIL REAIS). RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

1 - O agravante aduz que devido ao agravamento da pandemia não está conseguindo cumprir com a obrigação de dispensação dos medicamentos requeridos na ação, no entanto, conforme se extrai dos autos, a dispensação dos medicamentos foi suspensa em outubro de 2019, data em que não havia sido declarada Situação de Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

2 – A Recomendação nº 66 de 13 de maio de 2020, art. 4º, III, dispõe acerca da possibilidade da cominação de multas em processos durante o cenário de pandemia, alvitrando que evitem, sempre que possível, a imposição de multas processuais”.

3 – No presente caso a cominação de multa diária é medida demasiadamente necessária, uma vez que o paciente é portador de doença grave e a ausência do tratamento adequado pode implicar em agravamento do seu estado de saúde, além de violar seu direito à vida e à saúde, não estando autorizados os Entes Estatais a se omitirem aos demais casos de enfermidade existentes.

4 - Recurso conhecido e parcialmente provido, a fim de reduzir o patamar diário das astreintes a R$1.000,00 (mil reais), limitado ao total de R$30.000,00 (trinta mil reais), no caso de descumprimento da ordem, mantendo os demais termos da decisão agravada.

ACORDAM

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos.

ACORDAM os Exmos. Desembargadores que integram a Egrégia 1ª Turma de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, à unanimidade de votos, EM CONHECER DO AGRAVO DE INSTRUMENTO, DANDO-LHE PARCIAL ROVIMENTO, nos termos do voto da relatora.

Belém (Pa), 03 de maio de 2021.

EZILDA PASTANA MUTRAN

Desembargadora do TJ/Pa

RELATÓRIO

Trata-se de Agravo de Instrumento com Pedido de Efeito Suspensivo, interposto pelo Estado do Pará, contra decisão proferida pelo MM. Juízo da 1ª Vara Cível e Empresarial de Rondon do Pará, nos autos da Ação Civil Pública nº0800293-31.2020.8.14.0046, movida pelo Ministério Público do Estado do Pará, em favor de José Roberto de Freitas.

Conforme se extrai dos autos, o paciente está acometido de doença renal crônica estágio IV, Cid 10: N18.0, necessitando da dispensação dos medicamentos Clopidogel 75mg e Eritropoetina (r-huepo) injetável 4.000 ui (alfaepoetina) sempre que submetido a hemodiálise, fato que ocorre 3 (três) vezes por semana, sendo o primeiro fármaco destinado ao coração, uma vez que já fora submetido ao procedimento de angioplastia.

O paciente recebia os medicamentos prescritos através do Sistema Único de Sáude (SUS), no entanto, o seu fornecimento fora suspenso desde outubro de 2019, razão pelo qual ingressou com a supracitada Ação Civil Pública. O MM. Juízo a quo deferiu o pedido de antecipação de tutela, determinando que o Município de Rondon do Pará e o Estado do Pará efetuassem o fornecimento dos medicamentos prescritos, solidariamente, sob pena de sequestro de valor equivalente ao tratamento em rede particular, além de cominar astreintes no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) diária em caso de descumprimento, limitada a R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais).

Irresignado, o Estado do Pará interpôs o presente agravo de instrumento, alegando, em síntese: a necessidade de afastamento das astreintes, sob justificativa de que as diligências para a entrega das medicações estão atrasadas em decorrência do atual cenário provocado pela pandemia; violação dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade ao cominar a multa diária, requerendo a redução caso as astreintes não fossem afastadas.

Ao final, requereu que o recurso seja conhecido e provido, sendo atribuído o efeito suspensivo pretendido.

Em análise liminar, deferi parcialmente o pedido de efeito suspensivo, reduzindo o patamar diário das astreintes a R$1.000,00 (mil reais), limitado ao total de R$30.000,00 (trinta mil reais), no caso de descumprimento da ordem.

O agravado apresentou contrarrazões, requerendo que o recurso seja conhecido e improvido.

Instado a se manifestar, o Ministério Público de 2º Grau manifestou-se a fim de ratificar os termos contidos nas contrarrazões, afirmando que o presente Agravo de Instrumento deve ser conhecido e improvido.

É o relatório.

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade recursal, conheço do recurso e passo a analisá-lo.

Inicialmente cumpre destacar que, tratando-se de Agravo de Instrumento, é incabível a apreciação do mérito da ação principal, sob risco de incidir em supressão de instância, ofendendo a competência do juízo de piso, bem como o princípio constitucional do juiz natural, devendo esta magistrada se ater tão somente à análise de acerto ou desacerto da decisão que o MM. Juízo a quo proferiu.

O agravante afirma que devido ao agravamento da pandemia não está conseguindo cumprir com a obrigação de dispensação dos medicamentos requeridos na ação, no entanto, conforme se extrai dos autos, a dispensação dos supramencionados medicamentos foi suspensa em outubro de 2019, data em que não haviam casos de COVID-19 no Brasil.

Somente em 30 de janeiro de 2020 fora declarada Situação de Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional pela Organização Mundial de Saúde (OMS), oportunidade em que ficou demonstrado o surto de COVID-19 a nível internacional. A partir disto, é possível perceber que as inadimplências com o fornecimento das referidas medicações já ocorriam a meses, não tendo qualquer relação com o cenário provocado posteriormente pela pandemia no Brasil.

Art. 4º, V, da Recomendação nº 66 de 13 de maio de 2020:

Art. 4º Recomendar, com a finalidade de conferir estabilidade às ações das autoridades sanitárias, a todos os juízos com competência para o julgamento de ações sobre o direito à saúde, que, durante o período de vigência do Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, o qual declara 'estado de calamidade' no Brasil:

V - estendam, sempre que possível, os prazos processuais para cumprimento de ordens judiciais voltadas à aquisição de medicamentos, insumos, material médico-hospitalar e a contratação de serviços e procedimentos clínicos e cirúrgicos não essenciais à garantia da integridade física ou que comprovadamente não caracterizem periculum in mora.

No presente caso, resta evidenciado que o paciente é portador de moléstia grave, capaz de reduzir de forma considerável o seu bem-estar e qualidade de vida se não tratada de maneira adequada.

Tendo em tela que, conforme o disposto no art. 196 da Constituição Federal, a saúde é direitos de todos e dever do Estado, devendo ser assegurado a todos, principalmente às pessoas desprovidas de recursos financeiros, o acesso à medicação e procedimentos necessários para a cura de suas doenças.

Neste sentido, entendo que o tratamento adequado ao paciente não pode ser descartado, uma vez que o direito à vida e à saúde devem ser zelados pelo Poder Público, além de não estar autorizado o Ente Estatal a se omitir em tratar enfermidades diversas ao COVID-19.

Acerca disto, leia-se o seguinte julgado:

PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ORDINÁRIA. LEGITIMIDADE DE ENTE ESTADUAL PARA FIGURAR NO POLO PASSIVO DA LIDE QUE DISCUTE A CONCESSÃO DE MEDICAMENTO PARA TRATAMENTO DE SAÚDE. SOLIDARIEDADE DOS ENTES PÚBLICOS. POSSIBILIDADE DE BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS PARA EFETIVIDADE DA MEDIDA LIMINAR. PANDEMIA DO COVID 19 QUE, POR SI SÓ, NÃO AUTORIZA O AFASTAMENTO DA MEDIDA COERCITIVA, INDISPENSÁVEL PARA A EFETIVIDADE DA TUTELA DE URGÊNCIA. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. 1. Agravo de instrumento interposto contra decisão de juízo federal que, nos autos da ação ordinária de origem, foi deferida tutela liminar, em sede de agravo de instrumento no ano de 2017, para a entrega de medicamento e, mais especificamente, em 21/06/2017, a magistrada singular determinou a primeira ordem de bloqueio por descumprimento da medida liminar. 2. O cerne da controvérsia se cinge em analisar a responsabilidade do ente estadual agravante perante a demanda de saúde em epígrafe bem como a possibilidade de bloqueio de suas verbas públicas, levando em consideração a pandemia mundial do COVID 19. 3. A Primeira Seção da Corte da Cidadania, ao julgar o Tema Repetitivo 84, consagrou a orientação de que, "tratando-se de fornecimento de medicamentos, cabe ao Juiz adotar medidas eficazes à efetivação de suas decisões, podendo, se necessário, determinar até mesmo o sequestro de valores do devedor (bloqueio), segundo o seu prudente arbítrio, e sempre com adequada fundamentação". 4. O Plenário do STF, a seu turno, no que tange à distribuição de competência no âmbito do Sistema Único de Saúde, firmou, no Tema 793, a tese de que "os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde e, diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro". 5. Assim, considerando a solidariedade existente entre os entes da Federação e a opção do autor de litigar unicamente contra a União Federal, não há qualquer óbice ao direcionamento da medida executória aos seus bens. Precedentes deste TRF (Processo nº 08035710320194050000, Agravo de Instrumento, Relator: Desembargador Federal PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMA,...

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