Acórdão nº 6867203 Tribunal de Justiça do Estado do Pará, Tribunal Pleno, 18-10-2021

Data de Julgamento18 Outubro 2021
Número do processo0021601-61.2020.8.14.0401
Data de publicação27 Outubro 2021
Número Acordão6867203
Classe processualCÍVEL - RECURSO ESPECIAL
ÓrgãoTribunal Pleno

APELAÇÃO CRIMINAL (417) - 0021601-61.2020.8.14.0401

APELANTE: JONATAS ADRIANO DOS SANTOS SILVA

APELADO: JUSTIÇA PUBLICA

RELATOR(A): Desembargadora MARIA EDWIGES DE MIRANDA LOBATO

EMENTA

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. HOMICÍDIO SIMPLES DESCLASSIFICADO PARA LESÃO CORPORAL SEGUIDA DE MORTE PELO TRIBUNAL DO JÚRI. ALEGAÇÃO DE DECISÃO CONTRÁRIA A PROVA DOS AUTOS. INOCORRÊNCIA. LEGÍTIMA DEFESA PUTATIVA. TESE AFASTADA PELOS JURADOS. DOSIMETRIA. REVISÃO. ADEQUAÇÃO À SÚMULA 444 DO STJ. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. UNANIMIDADE.

- A quebra da soberania dos veredictos é apenas admitida em hipóteses excepcionais, em que a decisão do Júri for manifestamente dissociada do contexto probatório, hipótese em que o Tribunal de Justiça está autorizado a determinar novo julgamento. A opção dos jurados por uma ou outra versão, em detrimento dos interesses de uma das partes, não autoriza a cassação do veredicto.

- No que tange ao aspecto subjetivo daquele que se defende, a legítima defesa poder ser putativa ou imaginária quando agente, por erro, acredita existir uma agressão injusta, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. No caso, considerando que não restou comprovado que a vítima oferecia perigo à integridade do apelante, não cabe a alegação de que ele “imaginou” estar na iminência de uma agressão. Segundo o próprio apelante, que confessou os fatos, ao perceber o furto do celular, estando bêbado, tentou ajudar a recuperar o aparelho, postando-se em frente à vítima e, incontinente, desferiu um golpe de faca na mesma.

- Ostentar anotações em certidões criminais sem o devido trânsito em julgado, não pode negativar os antecedentes, nem mesmo a conduta social ou personalidade, sob pena de nítida infringência à súmula 444 do STJ.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos, acordam o Excelentíssimos Senhores Desembargadores integrantes da 25ª Seção Ordinária do Plenário Virtual da 1ª Turma de Direito Penal do E. Tribunal de Justiça do Estado do Pará, realizada entre os dias 18 a 26 de outubro de 2021, em CONHECER do recurso da Defesa e dar parcial provimento, em conformidade com o parecer ministerial, para, readequando a pena, torná-la definitiva em 07 (sete) anos de reclusão, mantendo o regime inicial de cumprimento de pena fechado, nos termos do Art. 33, §3º, do Código Penal.

Belém/PA - Assinatura Digital.

Desa. Maria Edwiges de Miranda Lobato - Relatora

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Penal interposta por JONATAS ADRIANO DOS SANTOS SILVA, por intermédio da Defensoria Pública, impugnando a r. decisão proferida pelo JUÍZO DA 1ª VARA DO TRIBUNAL DO JÚRI DA COMARCA DA CAPITAL, id 5746051, que o condenou a pena de 08 (oito) anos de reclusão fixado o regime inicial de cumprimento de pena fechado, pela prática do crime previsto no art. 129, § 3º, do Código Penal Brasileiro, após o Conselho de Sentença acatar a tese de Desclassificação de Homicídio para Lesão corporal seguida de morte.

Consta nos autos que a denúncia foi oferecida em 18.01.2021 contra o ora recorrente, como incurso na conduta prevista no art. 121, caput, do Código Penal Brasileiro, sob a acusação de no dia 16.12.2020, por volta das 0h30m, na Av. Boulevard Castilho França, em frente à Estação da Docas, s/n, bairro da Campina, nesta capital, ter ceifado a vida da vítima Rafael Ferreira de Lima, utilizando-se de arma branca (faca).

Nas razões recursais, id 5746061, a Defesa pleiteia o conhecimento e provimento do presente recurso de apelação, reformando a sentença condenatória, por ser totalmente contrária as provas dos autos, ou, alternativamente, a) reconhecer a existência da legitima defesa putativa b) reduzir-se a pena-base, fixando-a no mínimo legal, c) determinar que o regime inicial é o semiaberto.

Nas contrarrazões, id 5746063, o r. do Ministério Público manifestou-se pelo conhecimento e improvimento do recurso interposto pelo Defesa.

Por fim, o Procurador de Justiça, Dr. FRANCISCO BARBOSA DE OLIVEIRA, id 6371771, pronunciou-se pelo conhecimento do recurso de apelação, e, no mérito, recomenda que seja realizada a revaloração das circunstâncias judiciais do art. 59 do CP, na primeira faz da dosimetria da pena, consoante argumentos expedidos.

É o relatório.

À revisão.

Belém/PA – Assinatura Digital

Desa. Maria Edwiges de Miranda Lobato

VOTO

Verificando presentes os pressupostos subjetivos e objetivos de admissibilidade, conheço dos recursos interpostos pela Defesa.

Consoante relatado, nas razões recursais, id 5746061, a Defesa pleiteia o conhecimento e provimento do presente recurso de apelação, reformando a sentença condenatória, por ser totalmente contrária as provas dos autos, ou, alternativamente, a) reconhecer a existência da legitima defesa putativa b) reduzir-se a pena-base, fixando-a no mínimo legal, c) determinar que o regime inicial é o semiaberto.

DO RECONHECIMENTO DA LEGÍTIMA DEFESA

Alega a Defesa que o ora recorrente agiu em legítima defesa putativa pois, por erro justificável pelas circunstâncias fáticas, repeliu aquilo que acreditou ser uma agressão injusta e atual por parte da vítima.

Aduz ser a legítima defesa putativa aquela defesa imaginária que uma pessoa tem sobre outra pessoa e que, quando realiza o ato de se defender contra a outra pessoa, acredita que realizou a sua legítima defesa, porém, na verdade ela acabou utilizando de sua força em excesso, vez que nada iria lhe acontecer.

Diante disso justifica que a descrição legal se encaixa perfeitamente com os fatos retratados nos autos, pois nenhum dos depoentes viu os fatos, e todas as versões que foram trazidas aos autos para que se entendesse o que de fato ocorreu, foi noticiada apenas pelo recorrente, vez que não houve testemunha presencial.

Assim, ao relatar os fatos, o recorrente noticiou que percebeu o furto/roubo que vitimou seus colegas de festa. Inebriado, sem uma perfeita noção dos fatos, tendo a escuridão como coadjuvante do crime contra seus amigos, o recorrente afirmou que tentou ajudar a recuperar o aparelho celular e se pôs em frente ao meliante, entretanto, por causa do medo e da bebida, não conseguiu ver direito o que estava em uma das mãos do ofendido, imaginando se tratar de uma arma, tratou de se defender de iminente agressão, não sabendo dizer nem mesmo se de fato havia acertado e em que local o ofendido foi lesionado.

Justifica ser impossível imaginar que um assalto não seja guarnecido por um instrumento de intimidação como arma de fogo, arma branca, daí percebe-se justificável o medo do recorrente de ser agredido, ferido ou morto pelo meliante que vinha em sua direção.

Afirma que o recorrente bebeu não para praticar crime, mas apenas para se divertir, entretanto, a bebida tira do ser humano reflexo e percepção da vida real (do homem comum), além do fato de que o evento ocorreu durante a escuridão noturna. Por isso supôs por erro que seria agredido, e repeliu suposta agressão.

Para saber se assiste razão o recorrente, deve-se fazer uma análise de todo o cotejo fático probatório contido nos autos.

A materialidade do delito está provada pelo laudo da perícia de exame de corpo de delito, de onde se extrai que a causa da morte foi em decorrência de hemorragia externa, devido lesão da artéria carótida, decorrente de ferida perfuro-incisa no pescoço.

Em plenário do júri, o recorrente sustentou as teses de legitima defesa putativa e subsidiariamente as de desclassificação para lesão corporal seguida de morte e homicídio privilegiado. Conselho de sentença afastou a legitima defesa putativa e acolheu a desclassificação para lesão corporal seguida de morte.

Nos autos, extrai-se que o recorrente, acompanhado de Matheus de Brito Correa e Diego Pena dos Santos, após sair de uma festa que se realizava na casa de show “Birinight, localizada no centro comercial de Belém, afastou-se dos dois para comprar cigarro e viu quando a vítima furtou o aparelho de telefone celular de Matheus e saiu em fuga, momento em que se projetou da frente desta e a golpeou no pescoço.

O policial militar Nilson Sergio da Cruz Leal, que fez a captura do recorrente em estado de flagrante, ao ser ouvido nos juízos da culpa e da causa declarou que o recorrente, quando de sua captura, disse-lhe que resolveu matar a vítima se utilizando de uma faca, evidenciando, portanto, a existência de animus negandi. Ressalvando-se que o Conselho de sentença acatou a tese de desclassificação para o crime de lesão seguida de morte.

Matheus de Brito Correa, ouvido no auto de flagrante, disse que a vítima furtou seu aparelho de telefone celular e fugiu na direção de Jonatas, o qual estava comprando cigarro e assistiu tudo de longe e vendo a vítima se aproximar resolveu parar esta e para tanto utilizou a faca para dar um único e certeiro golpe no pescoço da vítima.

Diego Pena dos Santos, também ouvido no auto de flagrante, disse que a vítima furtou o celular de Matheus, o qual estava com o objeto em mãos, e fugiu na direção de Jonatas, o qual estava comprando cigarro a cerca de dez metros e assistiu tudo de longe e vendo a vítima se aproximar resolver parar esta e para tanto utilizou a faca para dar um único e certeiro golpe no pescoço da vítima.

Conforme lições de Cleber Masson: “No que tange ao aspecto subjetivo daquele que se defende, a legítima defesa poder ser: (...) b) Putativa ou imaginária: é aquela em que o agente, por erro, acredita existir uma agressão injusta, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. (...)” [MASSON, Cleber. DIREITO PENAL PARTE GERAL. VOL. 1. Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: método, 2020, p. 352]

A Legítima defesa putativa é a também denominada legítima defesa ficta. A situação de perigo existe tão somente no imaginário daquele que supõe repelir legitimamente um injusto. Constitui descriminante putativa ou seja, o agente supõe a ocorrência de uma excludente de criminalidade que, se existisse,...

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