Acórdão Nº 8000364-67.2023.8.24.0038 do Segunda Câmara Criminal, 06-06-2023

Número do processo8000364-67.2023.8.24.0038
Data06 Junho 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualAgravo de Execução Penal
Tipo de documentoAcórdão










Agravo de Execução Penal Nº 8000364-67.2023.8.24.0038/SC



RELATOR: Desembargador SÉRGIO RIZELO


AGRAVANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA AGRAVADO: FABIANA DE FATIMA RAMOS ADVOGADO(A): ALINE SACAVEM CUNHA (OAB SC050639)


RELATÓRIO


Trata-se de recurso de agravo de execução penal intentado pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina, não conformado com o teor da decisão do Sequencial 120 do PEP 8000388-77.2022.8.24.0023 (SEEU), por meio da qual o Juízo da 3ª Vara Criminal da Comarca de Joinville, com base no art. 5º do Decreto 11.302/22, concedeu indulto e extinguiu a punibilidade de Fabiana de Fátima Ramos com relação aos delitos pelos quais foi condenada na Ação Penal 0004239-32.2019.8.24.0036.
Sustenta o Agravante, em síntese, que os artigos 5º e 9º do Decreto 11.302/22 apresentam "desvio de finalidade e excesso de poder", e "estão eivados de inconstitucionalidade formal (pela confusão com o Instituto da Anistia) e material (por adentrar na esfera do Direito Penal)", havendo, ainda, violação dos princípios da proporcionalidade, da razoabilidade, da proibição da arbitrariedade dos poderes públicos e da individualização da pena.
Sob tais argumentos, requer o provimento do recurso, "a fim de cassar a decisão que concedeu indulto em favor da apenada Fabiana de Fátima Ramos com base no art. 5º do Decreto n. 11.302/2022" (eproc2G, Evento 1, doc1).
Fabiana de Fátima Ramos ofereceu contrarrazões recursais pelo conhecimento e desprovimento do reclamo (eproc2G, Evento 1, doc4).
O Doutor Juiz de Direito manteve a decisão resistida (eproc2G, Evento 1, doc5).
A Procuradoria de Justiça Criminal, em parecer lavrado pelo Excelentíssimo Procurador de Justiça Marcílio de Novaes Costa, manifestou-se pelo desprovimento do agravo (eproc2G, Evento 11)

VOTO


O recurso preenche os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido.
Na decisão resistida, o Juízo da Execução Penal, com base no disposto no art. 5º do Decreto 11.302/22, concedeu indulto a Fabiana de Fátima Ramos, com relação à condenação à pena de 15 anos e 2 meses de reclusão, pela prática dos crimes previstos nos arts. 171, caput, e 288, caput, ambos do Código Penal, que lhe foi imposta na Ação Penal 0004239-32.2019.8.24.0036.
O Ministério Público de Santa Catarina busca o reconhecimento de que tal comando normativo, e o art. 9º do mesmo Decreto, ferem a Constituição da República.
Quanto ao art. 9º, que permite a concessão de indulto mesmo que "a sentença tenha transitado em julgado para a acusação, sem prejuízo do julgamento de recurso da defesa em instância superior" (inciso I); "a pessoa condenada seja ré em outro processo criminal, ainda que o objeto seja um dos crimes previstos no art. 7º" (inciso II); e "não tenha sido expedida a guia de recolhimento" (inciso III), o pedido não deve ser conhecido, pois ele não fez parte da motivação do pleito originário (SEEU, Sequencial 97) e tampouco da fundamentação da decisão resistida (SEEU, Sequencial 120), até mesmo porque a condenação de Fabiana de Fátima Ramos é definitiva (SEEU, Sequencial 1, doc1, p. 62).
Com efeito, "na via de exceção, a pronúncia do Judiciário, sobre a inconstitucionalidade, não é feita enquanto manifestação sobre o objeto principal da lide, mas sim sobre questão prévia, indispensável ao julgamento do mérito". Por meio da via difusa ou aberta, "o que é outorgado ao interessado é obter a declaração de inconstitucionalidade somente para o efeito de isentá-lo, no caso concreto, do cumprimento da lei ou ato, produzidos em desacordo com a Lei maior", os quais, todavia, "permanecem válidos no que se refere à sua força obrigatória com relação a terceiros". Ou seja, "o controle difuso caracteriza-se, principalmente, pelo fato de ser exercitável somente perante um caso concreto a ser decidido pelo Poder Judiciário", de modo que, "posto um litígio em juízo, o Poder Judiciário deverá solucioná-lo e para tanto, incidentalmente, deverá analisar a constitucionalidade ou não da lei ou do ato normativo". Nesse caso, "a declaração de inconstitucionalidade é necessária para o deslinde do caso concreto, não sendo, pois, objeto principal da ação" (MORAES. Alexandre de. Direito constitucional. 39. ed. Barueri: Atlas, 2023. p. 832-833).
Nessa linha, "o controle difuso tem, na sua ratio, sempre uma questão prejudicial. E essa questão prejudicial tem a ver com o conteúdo de uma ação. Tanto é que o próprio Supremo Tribunal Federal já decidiu que, quando do controle difuso se tratar, não de uma questão prejudicial, mas apenas diretamente da inconstitucionalidade, esse ato não terá guarida no sistema de controle" (STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 156).
Nesse contexto, a inconstitucionalidade do art. 5º do Decreto 11.302/22 é questão prejudicial à concessão do direito no caso concreto.
Há de se ressaltar, no entanto, a impossibilidade de declaração da inconstitucionalidade por esta Segunda Câmara Criminal.
Isso porque, "nos Tribunais de 2ª instância [...] o controle difuso se estabelece com a instalação do incidente de inconstitucionalidade, ocasião em que o processo fica suspenso, e a questão constitucional é remetida ao Órgão Especial do Tribunal, acompanhado do respectivo acórdão (hipótese disciplinada pelos arts. 948 até 950 CPC/2015, que, no CPC/1973, aparecia nos arts. 480 até 482). O quorum exigido para a declaração da inconstitucionalidade é o de maioria absoluta (art. 97 da CF)" (STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 158).
De fato, "é característica clássica do direito brasileiro: qualquer juiz pode reconhecer incidentalmente a inconstitucionalidade de norma relevante para o caso concreto. O juiz de direito - como não poderia ser diferente - deliberará isoladamente. Nos tribunais há limitação procedimental: o tema é de ser afetado ao plenário ou órgão especial, quando houver (art. 97 da Constituição Federal)" (TJSC, Ap./Rem. Nec. 5003286-39.2021.8.24.0027, Rel. Des. Hélio do Valle Pereira, j. 21.3.23).
A Súmula Vinculante 10 do Supremo Tribunal Federal estabelece que "viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta sua incidência, no todo ou em parte".
Diante disso, se houvesse plausibilidade jurídica na tese de inconstitucionalidade, deveriam os autos ser remetidos ao Órgão Especial deste Tribunal de Justiça para a análise da questão, em obediência ao art. 97 da Constituição da República.
Entretanto, com a devida vênia, não é esse o melhor destino do presente caso.
O art. 5º do Decreto 11.302/22 estabelece que "será concedido indulto natalino às pessoas condenadas por crime cuja pena privativa de liberdade máxima em abstrato não seja superior a cinco anos" (caput) e que, "para fins do disposto no caput, na hipótese de concurso de crimes, será considerada, individualmente, a pena privativa de liberdade máxima em abstrato relativa a cada infração penal" (parágrafo único).
Não obstante a amplitude da clemência positivada pelo Presidente da República, certamente a mais abrangente do período de redemocratização após a ditadura militar - e até mesmo surpreendente, por ser o subscritor um notório e autointitulado crítico dos decretos de indulto e comutação que, nos anos anteriores de seu governo, formulou decretos bastante restritivos -, não há no comando legal vício de inconstitucionalidade.
A não exigência de um período mínimo de cumprimento da pena ou de um pressuposto de ordem comportamental não faz do art. 5º do Decreto 11.302/22 uma violação ao sistema constitucional ou aos tratados internacionais. Na verdade, a interferência do Poder Judiciário, à míngua de conflito na ordem hierárquica piramidal das leis, é que ocasionaria vilipêndio à separação de poderes.
O art. 84, XII, da Constituição Federal confere ao Presidente da República competência privativa para conceder indulto e comutar penas. Portanto, cabe ao ocupante do cargo de Chefe de Estado e de Governo da República Federativa do Brasil a definição de quais são as hipóteses e os requisitos necessários para a concessão da clemência total ou parcial.
O Supremo Tribunal Federal orienta há muito que "o decreto presidencial que concede o indulto configura ato de governo, caracterizado pela ampla discricionariedade" (HC 90.364, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 31.10.07).
Ainda:
Anistia, indulto, graça e comutação de pena constituem objeto do exercício do poder discricionário do Presidente da República, cujo Decreto pode, observando as limitações constitucionais, prever a concessão do benefício apenas a condenados que preencham certas condições ou requisitos (HC 96.431, Rel. Min. Cézar Peluso, j. 14.4.09).
Certamente, não é porque o indulto é ato privativo do Presidente da República que ele foge ao controle de constitucionalidade. Não se admite, por exemplo, que o Chefe de Estado e de Governo conceda a benesse àqueles que foram condenados por crimes hediondos (e aceita-se que ele vede mesmo quando o crime antecede a Lei 8.072/90), uma vez que a proibição decorre da própria Constituição Federal:
2. Tratando-se o indulto de ato discricionário do Presidente da República, restrito, portanto, às condições estabelecidas em decreto presidencial, a vedação de sua concessão aos apenados por crimes hediondos, ainda que cometidos antes da vigência das Leis 8.072/1990 e 8.930/1994, não configura violação do princípio da irretroatividade da lei penal mais...

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