Agrarian question: capitalism and rural proletarization in Brazil/ Questao agraria: capitalismo e proletarizacao rural no Brasil.

Autorde Almeida, Jose Amilton
CargoTexto en portugues

O presente artigo teve como objeto de estudo a questao agraria no Brasil. Voltado para problematizar o processo de proletarizacao rural no pais, o objetivo principal consistiu em apreender algumas mediacoes entre o movimento classico do processo de expropriacao camponesa, partindo do capitalismo ingles estudado por Marx (1985), e as particularidades que demarcam a constituicao do proletariado rural brasileiro no quadro universal de transformacoes movidas desde aquele nucleo.

A metodologia adotada foi de carater substancialmente qualitativo, estruturada, sobretudo, por meio de pesquisa bibliografica e analise teorica, cujas referencias principais se basearam em Marx (2008, 1985) e Ellen Wood (1998), alem de interpretes brasileiros, como Florestan Fernandes (1975), Otavio Ianni (2004, 2005), Jacob Gorender (2005), Caio Prado Jr. (2014), Ruy Mauro Marini (2005), Joao Pedro Stedile (2005), dentre outros, assim escolhidos por fornecerem contribuicao fundamental na construcao do problema agrario como uma das chaves para desvendar o capitalismo e a luta de classes.

Nessa direcao, o problema a ser, em seguida, explorado pode ser formulado da seguinte maneira: considerando que a separacao entre o trabalhador, de um lado, e a propriedade dos meios de producao e de subsistencia, de outro, estrutura-se como pressuposto do modo de producao capitalista, de que forma esta separacao se operou entre o trabalhador e a terra nas origens classicas do capitalismo? E como ela se deu em relacao ao proletariado rural brasileiro?

Para abordar o assunto, organizamos a discussao em duas partes: na primeira, com base na Assim chamada acumulacao primitiva, de Marx (1985), e em As origens agrarias do capitalismo, de Ellen Wood (1998), trataremos da acumulacao primitiva propriamente dita, assunto da maior relevancia por elucidar os impulsos fundamentais que convergiram para a genese e o desenvolvimento do modo de producao capitalista. Este processo se liga, na dinamica da acumulacao, a monopolizacao do mais importante meio de producao e de vida que e a terra, como condicao previa a existencia do proletariado como tal.

Na segunda parte, nosso olhar se volta para o ambito da formacao socio-historica brasileira, cuja relacao com aquele conjunto de transformacoes difundidas desde o centro europeu da-se nos marcos da dependencia (FERNANDES, 1975). Esta e uma circunstancia sob a qual se formou a categoria do proletariado rural brasileiro, com todas as particularidades que o denota numa sociedade marcada pela subordinacao externa, colonizacao e escravidao. Condicao a que foi aprisionada, alias, toda a America Latina e que remonta uma "linha mestra" (PRADO JR., 2014b) do modo como se perpetua a nossa integracao subalterna e dependente ao desenvolvimento capitalista mundial (FERNANDES, 1975; MARINI, 2005).

A assim chamada acumulacao primitiva e As origens agrarias do capitalismo

Como totalidade que e A assim chamada acumulacao primitiva titulo dado por Marx (1985) ao capitulo XXIV de O Capital-, ela nos conta uma historia bastante abrangente: a historia dos processos por quais se deu a violenta expropriacao das massas de trabalhadores do campo como um pressuposto do capitalismo. Trata-se da historia da separacao entre os produtores diretos e os seus meios de producao, dentre eles, e fundamentalmente, a terra, transformando o trabalhador em proletario--ou em escravo, como no caso das colonizacoes em que nos inserimos--e os seus meios de producao e de subsistencia em capital.

Com isso, Marx (1985) revela uma acumulacao que nao se originou dos mecanismos endogenos da economia capitalista, mas como suportes dela, baseados no roubo, sem os quais, provavelmente, o motor economico por excelencia do capitalismo--capital x trabalho assalariado--muito dificilmente seria posto em rotacao e autonomia. Para isso ocorrer, antes, o trabalhador teve que ser despojado, revelando, para Marx (1985, p. 261), o "pecado original" da economia politica, expressao que utiliza ao tracar uma analogia entre a acumulacao primitiva e os contos teologicos que jogaram para sempre a humanidade no pecado. Conforme ironiza ele,

A legenda do pecado original teologico conta-nos, contudo, como o homem foi condenado a comer seu pao com o suor de seu rosto, a historia do pecado original economico, no entanto nos revela porque ha gente que nao tem necessidade disso. (MARX, 1985, p. 261).

Dessa forma, a transformacao de dinheiro e de mercadorias, assim como dos meios de producao e dos meios de subsistencia do produtor direto em capital, so pode ocorrer nas circunstancias em que haja trabalhadores livres:

Trabalhadores livres no duplo sentido, porque nao pertencem diretamente aos meios de producao, como os escravos, os servos etc., nem os meios de producao lhes pertencem, como, por exemplo, o campones economicamente autonomo etc., estando, pelo contrario, livres, soltos, e desprovidos deles. Com essa polarizacao do mercado estao dadas as condicoes fundamentais da producao capitalista. A relacao-capital pressupoe a separacao entre os trabalhadores e a propriedade das condicoes da realizacao do trabalho. Tao logo a acumulacao capitalista se apoie sobre seus proprios pes, nao apenas conserva aquela separacao, mas a reproduz em escala sempre crescente [...] um processo que transforma, por um lado, os meios de subsistencia e de producao em capital, por outro, os produtores diretos em trabalhadores assalariados. (MARX, 1985, p. 262).

O mercado torna-se o centro de tudo. Para o proletariado, a quem nao resta nada mais alem da forca de trabalho como valor-de-troca, a sua esfera de mercado sera, portanto, o mercado de trabalho, ao qual, "livre como passaro" (MARX, 1985, p. 275), se vera obrigado a recorrer em troca de um salario para viver.

Em As origens agrarias do capitalismo, Ellen Wood (1998, p. 14) demonstra:

O mercado no capitalismo tem uma funcao distinta e sem precedente. [...] assim como os trabalhadores dependem do mercado para vender a sua forca de trabalho como uma mercadoria, os capitalistas dependem dele para comprar a forca de trabalho e tambem os meios de producao, e para realizarem os seus lucros vendendo bens e servicos produzidos pelos trabalhadores. As determinacoes da acumulacao primitiva, no exemplo ingles, exigiram dos trabalhadores sua liberacao da terra e sua separacao dos meios de producao como pressupostos da acumulacao. Numa comparacao, essas mesmas determinacoes exigiram de nossos remanescentes indigenas e africanos o seu aprisionamento a terra e aos meios de producao como escravos, movimento que se produzia e reproduzia a partir da expansao, intensificacao e dominacao da producao e do mercado europeu. Estes elementos expressavam, sem duvida, desde ja, as leis irrefreaveis do capitalismo, que terminariam por envolver todo o globo a sua dominacao. Tal processo, de acordo com Caio Prado Jr. (2014b, p. 17),

[...] acabaria por integrar o universo todo em uma ordem, que e a do mundo moderno, em que a Europa, ou antes, a sua civilizacao, se estenderia dominadora por toda parte. Todos esses acontecimentos sao correlatados, e a ocupacao e povoamento do territorio que constituiria o Brasil nao e senao um episodio, um pequeno detalhe daquele quadro imenso. De volta a Inglaterra, os metodos da Chamada acumulacao primitiva, segundo Marx (1985, p. 275), ajudaram a conquistar "o campo para a agricultura capitalista, incorporaram a base fundiaria ao capital e criaram para a industria urbana a oferta necessaria de um proletariado livre como passaro". Tal fenomeno constroi uma ponte que interessa a relacao entre questao agraria e "questao social", demarcada pelo pauperismo que aparece mediante a expropriacao massiva daquela base fundiaria inglesa, numa velocidade incapaz de ser acompanhada pela absorcao da industria urbana manufatureira que se desenvolvia na dissolucao do regime feudal. Essas massas, explica Marx (1985, p. 275),

[...] se converteram em massas de esmoleiros, assaltantes, vagabundos, em parte por predisposicao e na maioria dos casos por forca das circunstancias. Dai ter surgido em toda a Europa Ocidental, no final do seculo XV e durante todo o seculo XVI, uma legislacao sanguinaria contra a vagabundagem. Os ancestrais da atual classe trabalhadora foram imediatamente punidos pela transformacao, que lhes foi imposta, em vagabundos e paupers. A legislacao os tratava como criminosos 'voluntarios' e supunha que dependia da sua boa vontade seguir trabalhando nas antigas condicoes, que ja nao existiam. Esta nascendo, com isso, aquilo que Marx (1985), ao abordar a lei geral da acumulacao...

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