Acreditação da educação superior na América Latina: os casos da Argentina e do Brasil no contexto do mercosul

AutorGladys Beatriz Barreyro/Silvana Lorena Lagoria
CargoProfessora da Universidade de São Paulo (PROLAM e EACH). Doutora em Educação/Professora da Universidad Nacional de Córdoba (UNC)
Páginas7-27

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Introdução

A crise do Estado de Bem-estar Social trouxe mudanças importantes na concepção do Estado que teria influência nas políticas sociais, dentre elas a educação.

Com efeito, desde 1980, a concepção do “Estado mínimo” ganhou hegemonia no mundo, principalmente, com os governos conservadores dos Estados Unidos e da Inglaterra. A América Latina sofreu essas influências desde essa época, especialmente no caso do Chile, mas foi na década de 90, após o Consenso de Washington que teve consequências nos diversos países da região.

Assim, o discurso sobre a necessidade de “reformar o Estado” ganhou consenso entre os governos da região, embora em cada país tenham se verificado alcances e significados diversos.

Os processos de globalização e flexibilização da economia e as mudanças nos modos de produção trouxeram, para os estados nacionais latino-americanos, um novo marco caracterizado por abertura dos mercados, aumento das importações, diminuição da produção nacional e incorporação de novas tecnologias. Isto gerou altos níveis de desemprego e precarização do emprego, que se somaram à pobreza estrutural da América Latina. Ainda, a diminuição da intervenção estatal e a retirada do Estado da provisão de bens e serviços fizeram com que as políticas sociais latino-americanas passaram a adquirir características de privatização, descentralização e focalização.

O peso econômico do pagamento da dívida externa gerava a necessidade de empréstimos dos organismos internacionais que, pela sua vez, induziam “condicionalidades” (CORAGGIO, 1999). Organismos internacionais de empréstimo e Bancos, na década de 90, emitiram documentos de políticas sociais que tiveram importante influência na formulação de políticas nacionais na América Latina.

Na educação, o crescimento do trabalho intelectual gerado pelas novas tecnologias, trouxe a necessidade de reforma para adequação à “sociedade do conhecimento” e a formação ao longo da vida, que permitiria a “empregabilidade” das pessoas que iriam passar por diferentes postos de trabalho. Surgiu, assim, o discurso da “reforma educativa” nos diferentes países, propondo políticas, embora com as peculiaridades devidas a um desenvolvimento não homogêneo nos diversos sistemas da região. No marco dessas reformas, o discurso da “qualidade” para a melhoria da educação foi um dos tópicos manifestados tanto na educação básica quanto na educação superior.

Avaliação e acreditação na américa latina

Na educação superior, desde a década de 80 tem acontecido o que Rama (2005) chamou de segunda reforma universitária gerada por uma necessidade de expansão do sistema, combinada com baixo investimento público. Esse processo teve como consequência a expansão do sistema e a ampliação do acesso, mas também a diversificação das

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instituições1. O crescimento aconteceu, principalmente, pela via privada, com uma liberalização do mercado e com escassa regulação. Ocorreu, então, uma diversidade de níveis de qualidade com um deterioro dos diplomas. Segundo Fernández Lamarra (2007,
p. 18):

Para atender la demanda creciente y con el predominio de las concepciones de mercado se fueron creando diversos tipos de Instituciones de Educación Superior — IES universitarias y no universitarias — en su mayoría de carácter privado — sin criterios previos en cuanto a niveles de calidad y de pertinencia institucional.

Para se ter uma ideia do acontecido, basta dizer que, se em 1990, havia 7.350.000 estudantes na América Latina em 2005, eram aproximadamente 16.000.000 (FERNÁNDEZ LAMARRA, 2007). Se em 1960 a cobertura privada era de 16%, em 2002, ela passou a 46% (RAMA, 2006).

Nesse novo cenário da educação superior, público-privado, na América Latina, o Estado avaliador (NEAVE apud AFONSO, 2000) implementou políticas de avaliação para “regular” a flexibilização dos sistemas.

Perante essa situação, agências asseguradoras da qualidade foram criadas ao longo da década e com diversas funções, utilizando variadas modalidades e instrumentos de avaliação, conforme descreve e analisa Rama (2006, p. 151).

Além disso, a necessidade de garantir a qualidade do ensino superior tem aumentado nos últimos anos devido à globalização e ao requerimento da integração econômica propostas nas políticas nacionais de desenvolvimento. Estas levaram à formação de blocos econômicos e ao estabelecimento de acordos comerciais como o Acordo de Livre Comércio da América do Norte — NAFTA, o Mercado Comum do Sul — MERCOSUL, etc., cujo objetivo é alcançar níveis mais elevados de desenvolvimento socioeconômico e fomentar a competitividade regional e nacional, para responder à globalização neoliberal.

Nesse contexto, a educação é considerada como uma ferramenta importante para o desenvolvimento, elaborando para a educação superior políticas de liberalização econômica do setor, utilizando-se de patamares comuns para a educação profissional, e oferecendo educação superior externa a partir de fornecedores privados (LENN, 2003).

Em relação a isto, muitos dos países da América Latina têm incluído nos processos de integração regional, nos últimos anos, o interesse na questão da qualidade do ensino superior.

Como exemplo, podemos citar o Mercosul, que incorporou a educação, desde a sua criação, destacando o “Protocolo de Intenções da Área Educacional (1991)”. Na educação superior foi criado, em 1998, O Mecanismo Experimental de Acreditação de Cursos para o reconhecimento de diplomas universitários — MEXA, que derivou nos processos de Acreditação Regional de Cursos Universitarios — Arcu-SUR e na criação da Rede de Agências Nacionais de Acreditação — RANA (MERCOSUR EDUCATIVO, 2009).

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O MEXA postula o reconhecimento dos diplomas de Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai, Bolívia e Chile, e estabelece parâmetros que aplicariam as agências nacionais de acreditação.

Também a Rede Latino-americana para a Acreditação da Qualidade Educação Superior
— Riaces, fundada em 2003, constitui um âmbito regional que inclui quase todos os países latino-americanos, com a Presidência da Argentina, através da Comissão Nacional de Avaliação e Acreditação Universitárias — CONEAU e da Espanha, que ocupa a Secretaria.

Os processos de internacionalização da educação superior, pela sua vez, também recebem forte influência do chamado Processo de Bolonha2 que realiza estratégias similares à do Mercosul. Futuros cenários apontam à internacionalização da acreditação, para além de as agências nacionais e regionais (FERNANDEZ LAMARRA, 2005; RAMA, 2009).

Avaliação, acreditação e qualidade

A avaliação na educação superior é indissociável desses cenários, embora possa ter funções diversas, de acordo com o sistema de valores da sociedade em que está inserida. Diferentes paradigmas epistemológicos a fundamental, segundo seja considerada um bem público ou uma mercadoria (SOBRINHO, 2004).

Segundo Fernández Lamarra (2007), os conceitos de avaliação e de acreditação podem ser definidos com ênfases e perspectivas diferentes. Uma perspectiva enfatiza a importância da avaliação em função das próprias universidades e do Estado para aprofundar os compromissos e responsabilidades sociais das instituições: avaliação é uma forma de restabelecer compromissos com a sociedade, repensar objetivos, modos de ação e resultados, para estudar, propor e implementar mudanças nas instituições e seus programas; que devem ser avaliados, a fim de plano, a evoluir.

Algumas outras finalidades da avaliação têm sido: oferecer parâmetros que garantam a qualidade da educação para os usuários e os empregadores, favorecer a melhoria da qualidade dos serviços, servir de instrumento de prestação de contas, estimular e regular a concorrência entre instituições, implantar mecanismos de controle do investimento dos recursos públicos, supervisar a iniciativa privada na provisão de um bem público, reconhecimento de créditos entre programas e aptidão para receber recursos públicos (RODRÍGUEZ GÓMEZ, 2004, apud ROTHEN; BARREYRO, 2007).

Existem diversos conceitos que explicam os diferentes usos da avaliação. Na América Latina: avaliação como controle vs. avaliação como produção de sentidos/emancipatória (DIAS

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SOBRINHO, 2002), avaliação como garantia pública de qualidade vs. avaliação para a melhoria da qualidade (STUBRIN, 2005), avaliação como regulação vs. avaliação democrática, entre outros. Essas ideias sintetizam duas vertentes: as que concebem a avaliação como controle, sob uma lógica burocrático-formal de validade legal de diplomas em âmbito nacional e as com função formativa/emancipatória, sob uma lógica acadêmica, para favorecer a melhoria da qualidade (ROTHEN; BARREYRO, 2007).

Marquina (2006) afirma que os países da região estão num momento intermediário entre a incorporação da avaliação aos processos institucionais próprios e a avaliação limitada ao controle, após uma primeira etapa de reação negativa à implementação de sistemas de avaliação nas instituições.

Fernández Lamarra (2007) esclarece que a avaliação é um processo de análise em nível institucional ou de programas de educação superior, realizando juízos de valor acerca da qualidade, por meio de procedimentos internos e externos. Acreditação é definida por ele como um processo de revisão externa de qualidade. Avaliação da qualidade e acreditação estão relacionadas, apesar de serem processos diferentes. A acreditação exige, previamente, a avaliação, embora não toda avaliação tem objetivo de acreditação.

No que diz respeito à acreditação, Marques e Marquina (1998) a definem como:

“el proceso mediante el cual una agencia o asociación legalmente responsable otorga reconocimiento público a una escuela, instituto, colegio, universidad o programa especializado que alcanza ciertos...

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