Análise sobre os direitos da pessoa idosa no Brasil: história, debates e desafios da conjuntura atual/Analysis of the Rights of the Elderly in Brazil: history, debates, and challenges of the current situation.

Autorde Frias, Sandra Rabello

Introdução

O Plano de ação internacional sobre envelhecimento, aprovado em 2002, em Madri, na II Assembleia Mundial sobre Envelhecimento, foi resultado das discussões da I Assembleia Mundial sobre Envelhecimento, celebrada em Viena em 1982. Tal plano orientou o pensamento e a ação sobre o envelhecimento, durante praticamente os últimos 20 anos, na formulação de iniciativas e políticas públicas para esse segmento. As questões relacionadas com os direitos humanos da pessoa idosa foram absorvidas na formulação, em 1991, dos Princípios das Nações Unidas em favor dos idosos, nos quais se proporcionavam orientações nas esferas: da independência, da participação, dos cuidados, da realização pessoal e da dignidade. Em 2003, o Brasil, sendo signatário de tais propostas, publica o referido plano no Brasil como documento para orientar as políticas públicas referentes à pessoa idosa a partir de então (BRASIL, 2002).

A indicação cronológica para a classificação do idoso no Brasil segue o formato definido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) aos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, ou seja, é contabilizado a partir de 60 anos (WHO, 2015). Porém, importa lembrar que em um país como o nosso a velhice tem outros agravantes, dados pela concentração de renda e desigualdade social, o que produz um índice alarmante de pobreza em todas as faixas etárias, inclusive a dos idosos.

O Brasil passou por sérias modificações econômicas e sociais no século XX. Após um rápido processo de modernização e industrialização Pós-Segunda Guerra Mundial, passamos pelo chamado processo de "transição demográfica", resultado da mudança de uma sociedade rural e tradicional, com taxas altas de natalidade e mortalidade, para uma sociedade urbana e moderna, com baixas taxas de natalidade e mortalidade, cujos ramos da indústria e serviços ganharam importância fundamental na economia (ALVES; CAVENAGHI, 2012).

O país também teve um aumento expressivo da expectativa de vida (ALVES; CAVENAGHI, 2012): a população urbana passou de 19 milhões, em 1950, para 161 milhões, em 2010 (VASCONCELOS; GOMES, 2012). São vários os fatores que têm contribuído para o crescimento da população de idosos: desenvolvimento económico, avanços no controle de doenças infecciosas, acesso à água tratada, aumento do número de casas e cidades com instalações sanitárias, aumento da assistência à saúde etc.

Segundo Teixeira (2008), nas sociedades capitalistas centrais, a luta operária por direitos foi capaz de promover a criação e a ampliação de uma esfera pública estatal, sob a denominação de Welfare State, capaz de garantir a reprodução da força de trabalho através dos fundos públicos. no bojo de tais conquistas/concessões, o envelhecimento dos trabalhadores também foi amparado através do acesso à renda, via aposentadorias, pensões e programas de renda mínima, inclusive para aqueles que não estiveram inseridos no sistema produtivo (TEIXEIRA, 2008).

Também nas sociedades periféricas, como o Brasil, foram construídos sistemas de proteção social, mas que não são suficientes para garantir a reprodução nem da força de trabalho, nem das massas excedentes (TEIXEIRA, 2008). Em nosso país, a construção de um sistema de seguridade social demorou ainda muitas décadas para ter apenas o seu registro legal, com a Constituição de 1988.

O presente artigo apresenta uma revisão histórica comentada sobre as leis direcionadas especificamente à população idosa no Brasil e as lutas em torno de sua efetivação, com destaque para canais de participação social construídos a partir da promulgação da Constituição de 1988 até os dias atuais. A metodologia utilizada é o levantamento de documentos oficiais e a análise qualitativa dos mesmos, com base em revisão bibliográfica sobre o tema.

Registramos que este trabalho prioriza o estudo crítico das disputas sociopolíticas e ideológicas em torno dos avanços e retrocessos que engendraram a formalização, no país, das políticas públicas voltadas para a pessoa idosa. Priorizamos o debate sobre as políticas públicas e os canais de participação social construídos a partir da Constituição de 1988, até o panorama recente dessas políticas, com a eleição do atual governo, em 2018, e os seus desdobramentos no que tange ao direito dos idosos em um cenário de pandemia. A conclusão registra a importância da efetivação de tais legislações, para além de sua inscrição formal, e a necessidade do controle social pra evitar o seu desmonte.

Direitos da pessoa idosa: um histórico de lutas

O processo que resultou na então chamada "Constituição Cidadã", que garantiu o registro formal do sistema de seguridade brasileiro, começou muito antes do fim da Ditadura Militar. Em especial, teve início a partir do final da década de 1970, com a entrada de "novos atores sociais" em cena, tanto em torno de "novo" modelo de sindicalismo, quanto para solucionar questões bem específicas (moradia, saneamento, terra etc.) (SADER, 1988).

Nos anos de 1980, a articulação entre as demandas dessa gama diversa de movimentos sociais urbanos passou a se organizar em torno da positivação no Estado dos direitos pleiteados. Essas articulações deram-se tanto sob a forma de federações, fóruns e movimentos de cunho nacional, a exemplo da saúde, da habitação, da terra urbana e do transporte; quanto sob a forma de organizações não governamentais (SILVA, 2003). Neste cenário surgem os movimentos sociais dos idosos e/ou organizados em prol desse segmento e suas reivindicações específicas por políticas sociais.

A transformação da velhice num problema político relevante nas políticas públicas não pode ser apenas creditada à transição demográfica brasileira, mas principalmente se vincula "à força de grupos de pressão como movimento dos aposentados e pensionistas, as diversas organizações da sociedade civil, organismos internacionais [...] sobre a influência da Gerontologia internacional, principalmente norte-americana" (TEIXEIRA, 2008, p. 171). Dentre esses grupos, vale destacar o chamado Movimento dos Cabeças Brancas e o movimento liderado pela Confederação Brasileira de Aposentados (Cobap). Teixeira (2008) afirma, ainda, a importância: do lobby de negociação das associações e federações de aposentados na constituinte; da participação do Serviço Social do Comércio (Sesc) no processo de visibilidade da questão do envelhecimento e na organização de idosos; das ONGs voltadas para o tema; e das organizações técnico-científicas, em especial a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) e a Associação Nacional de Gerontologia (ANG).

Nessa complexa conjuntura política foi efetivado o primeiro mecanismo legal na própria Constituição para a garantia dos direitos do cidadão idoso no Brasil. A Constituição de 1988 consolidou alguns direitos da população idosa, de modo universal e independente de contribuição prévia, nos art. 203, 229 e 230, quadro resultante de incessante mobilização de associações e confederações de aposentados (NUNES, 2011). Vale ressaltar que a Constituição Federal de 1988 denota uma certa omissão ao definir quem é o idoso em seu texto. Embora seja considerado idosa a pessoa com mais de 60 anos, a gratuidade dos transportes coletivos urbanos é um direito constitucional somente para idosos maiores de 65 anos. Além disso, a idade de recebimento do Benefício de Prestação Continuada só foi regulamentada posteriormente, também para idade mínima de 65 anos, pela Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) (BRASIL, 1993).

O art. no 203 trata especificamente da assistência social. Deste, destacamos o inciso V, que garante ao idoso o direito a receber um salário-mínimo, independente de contribuição previdenciária, caso não possua meios de prover seu sustento. O art. no 229 registra na Carta Magna o dever dos filhos...

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