Aplicação da nova lei no tempo

AutorTereza Aparecida Asta Gemignani, Daniel Gemignani
Páginas26-47
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APLICAÇÃO DA NOVA LEI NO TEMPO
Tema de grande relevância refere-se à aplicação de novas leis no tempo, em especial
quando se está a tratar de relações continuativas, para as quais os novos preceitos esta-
belecidos trazem modif‌i cações signif‌i cativas.
À época da publicação da Lei n. 12.619/2012, alguns tentaram conferir-lhe, principal-
mente no que se refere à f‌i xação da ideia de que a atividade dos motoristas prof‌i ssionais
é sujeita ao controle de jornada, efeitos que denominaram “meramente declaratórios” dos
que já existiam antes, argumento com o qual não concordamos. Referida discussão voltou
à baila com a publicação da Lei n. 13.103/2015, tendo como elemento adicional o questio-
namento quanto à sucessão destas leis no tempo, disciplinando de forma jurídica
diferente, em cada período de vigência, as mesmas situações fáticas. A análise da aplica-
ção das Leis ns. 12.619/2012 e 13.103/2015 no tempo, assim, se mostra fundamental.
Expressão dessa fundamentalidade é a discussão suscitada na Arguição de Descum-
primento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 381, em trâmite no Supremo Tribunal Federal.
Interposto Agravo Regimental da decisão monocrática que havia indeferido a peti-
ção inicial, extinguindo o processo, decidiu o Ministro Relator pelo processamento da
ADPF n. 381, reconsiderando sua decisão anterior sob os seguintes fundamentos:
A arguição de descumprimento de preceito fundamental, proposta pela Confederação Nacional do
Transporte (CNT), tem por objeto decisões do Tribunal Superior do Trabalho e de Tribunais Regionais
do Trabalho, que declararam inválidos dispositivos de convenções coletivas pactuadas entre trans-
portadoras e motoristas, bem como condenaram empregadores ao pagamento de horas extras e de
horas trabalhadas em dias de descanso, em situações ocorridas antes da vigência da Lei Federal n.
12.619/2012, que disciplinou os direitos e os deveres dos motoristas prof‌i ssionais.
(...)
Nas razões do agravo regimental, a Confederação Nacional do Transporte af‌i rma que o fundamento
da ação é, em verdade, a negativa de vigência de cláusulas de convenções e de acordos coletivos que
prevêem a incidência do art. 62, inciso I, da Consolidação das Leis do Trabalho, aos contratos de traba-
lho de motoristas externos, em relação a situações anteriores à entrada em vigência da Lei n. 12.619/12,
em f‌l agrante ofensa ao art. 7º, XXVI, da Constituição Federal.
(...)
Após detida análise, verif‌i co que a presente arguição de descumprimento de preceito fundamental
tem, em verdade, fundamento na negativa de validade de acordo ou de convenção coletiva, nos ter-
mos do art. 7º, XXVI, da Constituição Federal, por reiteradas decisões da Justiça do Trabalho. Trata-se,
portanto, de tema mais amplo do que inicialmente aventado.
Entendo, assim, que estamos diante de ofensa a preceito fundamental de excepcional relevância —
isto é, a supremacia das convenções e dos acordos coletivos (art. 7º, inciso XXVI, CF) —, em situação
sobre a qual a Corte precisa se pronunciar, em especial para dar pronta resposta a quadro que dif‌i cil-
mente seria efetivamente solucionado por meio outro que não a ADPF.
Vê-se, às claras, que a discussão acerca dos efeitos da edição destas leis — mormen-
te em um contexto no qual subsistem outros elementos, como instrumentos negociais
coletivos(19) — se reveste de inequívoca centralidade.
(19) Acerca do tema, tem-se as importantes decisões proferidas pelo STF quando do julgamento do RE n. 895.759
e do RE n. 590.415/SC (Tema 152, Repercussão Geral).
A N L  M P   D F 27
Conforme temos ponderado desde a primeira edição deste livro, insustentável
considerar que o escopo de uma norma especial se limite apenas a declarar preceitos
implícitos anteriormente contidos em uma dada regra geral. Ao tutelar, de forma espe-
f‌i ca, o trabalho do motorista prof‌i ssional, a lei ostenta inequívoca natureza
constitutiva de novos direitos. Neste contexto, a análise da questão referente à aplicação
das Leis ns. 12.619/2012 e 13.103/2015 no tempo pode ser considerada em três aspectos:
(i) quanto à possibilidade de inserção dos novos direitos e deveres aos contratos vigen-
tes; (ii) quanto à aplicação das novas disposições aos fatos já ocorridos; e (iii) com relação
aos efeitos de eventuais mudanças jurisprudenciais em razão das alterações legislativas.
Quanto ao primeiro e segundo aspectos, têm-se por parâmetro as balizas estabele-
Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB)(20), ao dispor que:
Art. 5º XXVI — a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;
Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa
julgada.
§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.
§ 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer,
como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-f‌i xo, ou condição pré-estabelecida inalterável,
a arbítrio de outrem.
§ 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso. (marcas
nossas)
Nesta mesma senda segue o critério f‌i xado pelo art. 2.035 do Código Civil, aplicável
com fundamento na subsidiaridade prevista no art. 8º da CLT, por ser compatível com os
princípios fundamentais trabalhistas, in verbis:
Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor
deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, pro-
(20) Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, com a redação dada pelas Leis ns. 12.376/2010 e
13.655/2018. Disponível em: , consulta em: 14.08.2018. No que se refere às alterações
introduzidas pela Lei n. 13.655/2018, vale menção ao disposto nos arts. 20, 21, 23, 24 e 30, que assim dispõem:
“Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos
sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão. (Incluído pela Lei n. 13.655, de 2018); Parágra-
fo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato,
contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas. (Incluído pela Lei n.
13.655, de 2018); Art. 21. A decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, decretar a invalidação
de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências
jurídicas e administrativas. (Incluído pela Lei n. 13.655, de 2018); Parágrafo único. A decisão a que se refere o caput
deste artigo deverá, quando for o caso, indicar as condições para que a regularização ocorra de modo proporcional
e equânime e sem prejuízo aos interesses gerais, não se podendo impor aos sujeitos atingidos ônus ou perdas que,
em função das peculiaridades do caso, sejam anormais ou excessivos. (Incluído pela Lei n. 13.655, de 2018);
Art. 23. A decisão administrativa, controladora ou judicial que estabelecer interpretação ou orientação nova sobre
norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverá prever regi-
me de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de
modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais.; Art. 24. A revisão, nas esferas ad-
ministrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa
cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com
base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas. (Incluído
pela Lei n. 13.655, de 2018); Parágrafo único. Consideram-se orientações gerais as interpretações e especificações
contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as
adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público. (Incluído pela Lei n. 13.655, de
2018); Art. 30. As autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas,
inclusive por meio de regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas. (Incluído pela Lei n. 13.655,
de 2018); Parágrafo único. Os instrumentos previstos no caput deste artigo terão caráter vinculante em relação ao
órgão ou entidade a que se destinam, até ulterior revisão. (Incluído pela Lei n. 13.655, de 2018).”.

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