Uma aplicacao de opcoes reais na avaliacao de licenca de prestacao de servicos de telefonia movel 3G no Brasil.

AutorStille, Rafael
CargoReport
  1. Introdução

    Avanços ocorridos nos últimos anos nas metodologias de avaliação de ativos e gerencia de riscos permitiram que se passasse a modelar de forma mais adequada a flexibilidade gerencial em projetos de investimento. Dentre estes está a metodologia das opções reais, que permite capturar o valor da flexibilidade gerencial de projetos sujeitos a ambiente de incerteza, uma vez que considera o valor de ajustes aplicados ao projeto em função de novas informações, permitindo à empresa aperfeiçoar a gestão estratégica.

    No setor de telecomunicações, muitos projetos de investimento, como por exemplo, a oferta de novos serviços de telefonia móvel apresenta incertezas sobre o seu comportamento futuro e permitem ajustes na sua operação em função de novas informações do mercado e, no limite, o abandono do projeto (Ansari e Garud, 2007). Nos projetos para aquisição de licença de uso de espectro para o fornecimento de novos serviços de telefonia móvel, três características importantes para justificar o uso de avaliação através de opções reais estão presentes na tomada de decisão: alto grau de incerteza, flexibilidade gerencial e alto grau de exclusividade ou barreira de entrada.

    A primeira característica existe devido ao grande número de variáveis fundamentais e incertas que podem impactar o projeto. Como se trata de oferecer novos serviços baseados em uma tecnologia recente, a velocidade de adoção dos novos serviços e os volumes de uso são incertos, já que dependem de fatores fora do controle da empresa, como gostos e preferências dos clientes potenciais, surgimento de serviços alternativos e fatores socioeconómicos específicos do mercado, tais como renda per capita, nível de escolaridade e faixa etária da população.

    A segunda característica decorre do fato de que, ao comprar a licença, a empresa adquire o direito, mas não a obrigação, de investir em uma rede de telefonia móvel. As características da rede em termos de magnitude e capacidade podem ser decidas pela operadora posteriormente à compra, em função de suas expectativas com relação ao mercado. Vale destacar que esta flexibilidade pode ser limitada por regras e exigências estabelecidas pelo órgão regulador, como prazos para cobertura de determinadas áreas com determinada tecnologia e área de cobertura mínima. A principal flexibilidade, em termos de capacidade de rede, está associada à possibilidade de instalar redes com distintas densidades. Inicialmente, a operadora pode instalar, em determinada área onde queira ou precise ter cobertura, uma rede composta por uma quantidade mínima e reduzida de células ou Estações Rádio Base (ERBs). Posteriormente, caso perceba que a região apresenta uma demanda de tráfego maior do que a capacidade das ERBs disponíveis, pode ser aumentada a densidade da rede na região. Há, também, flexibilidade na escolha da tecnologia a ser adotada, sendo possível combinar mais de uma tecnologia para distintas situações, como ocorre em países que já iniciaram a operação de redes de terceira geração (3G) onde as operadoras móveis possuem tecnologia 3G instalada em grandes centros urbanos e 2G no resto do território.

    Finalmente, a terceira característica faz com que, ao comprar a licença para exploração de determinada faixa de frequência, a empresa adquira alto grau de exclusividade naquele projeto. A licença representa uma forte barreira de entrada no setor, o que aumenta consideravelmente o valor das opções reais envolvidas. No caso da licitação estudada nesta pesquisa, foram colocados à venda apenas quatro lotes de faixas de espectro para cada região, limitando assim o mercado a quatro concorrentes em cada uma delas.

    O setor de telefonia móvel é relativamente novo e tem apresentado elevadas taxas de crescimento de usuários e receitas no mundo todo. Em 2008, o número de assinantes de telefonia móvel de tecnologia GSM ultrapassou a marca de 3 bilhões no mundo, apenas quatro anos após ter atingido o primeiro bilhão de usuários e dois anos após o segundo bilhão. Esta marca foi atingida 17 anos após o lançamento da primeira rede GSM, em 1991. Hoje existem mais de 700 operadoras móveis utilizando esta tecnologia em 218 países, adicionando novos usuários a uma taxa de 15 por segundo, ou 1,3 milhão por dia (GSMA, 2008). Em 2006, os serviços de telefonia móvel representavam 1,6% da economia global. Desde 2002, operadores de telefonia móvel investiram mais de US$ 234 bilhões na construção de redes GSM e 3G (GSMA, 2008).

    Em dezembro de 2007, a ANATEL, leiloou as licenças para exploração do serviço de telefonia móvel com a tecnologia de terceira geração (3G) (Licitação No 002/2007/SPV -- ANATEL). Esta tecnologia permite a transferência de dados com velocidades elevadas e equivalentes a outras soluções de banda larga sem mobilidade, como, por exemplo, o ADSL ou o Cabo. Assim, as operadoras de telefonia móvel já presentes no mercado, que hoje dependem basicamente de suas receitas de serviços de voz, poderão fornecer novos serviços móveis de transferência de dados em alta velocidade, como acesso à internet e vídeo-conferência, diversificando assim suas receitas. Este leilão de espectros de frequência destinados à tecnologia 3G arrecadou R$ 5,34 bilhões, com ágio médio de 86,67%.

    Esta pesquisa analisou as contribuições do método de opções reais ao processo decisorio para projetos de investimento no setor de telecomunicações, tanto em termos quantitativos quanto qualitativos. Para isso, foi realizada uma aplicação a um caso real de aquisição de uma licença de prestação de serviços 3G no Brasil. Existiam duas perguntas a serem respondidas, uma principal e outra secundária.

    * Principal: Qual a diferença no valor da licença obtido através da avaliação por dois métodos, opções reais e VPL tradicional?

    * Secundária: De que forma a análise do valor da licença através da avaliação de opções reais pode ajudar qualitativamente as empresas na definição de suas estratégias para os projetos?

    A pesquisa tratou de uma licitação pública, com dinâmica de leilão, para a aquisição de uma licença de concessão de faixas de espectro para prestação de serviços de telefonia móvel 3G em todo o território brasileiro, ocorrida em dezembro de 2007. O estudo se limitou ao lote 1 desta licitação, correspondente à região 1, que compreende os Estados do Rio de Janeiro, Bahia, Espírito Santo e Sergipe. Este lote foi escolhido por ser o que apresentou os maiores valores e os maiores ágios de toda a licitação, conforme pode ser visto na Tabela 1:

    Tabela 1 Valores e agios pagos por cada operadora pelos lotes da regiao I Lote Região Preço mínimo Vencedor Lance vencedor Agio 1 IJ 163.670 Vivo 310.325 89.60% 2 IF 245.505 Oi 467.900 90.59% 3 IG 163.670 TIM 528.000 222.60% 4 II 163.670 Claro 612.000 273.92% Valores em R$ 1.000 Fonte: www.anatel.gov.br O período de análise dos projetos nesta pesquisa foi de quinze anos contados a partir de 2008, que foi o prazo da concessão inicial do edital. O restante do texto está organizado da seguinte forma: na secção 2 é feita uma breve revisão de literatura, a secção 3 apresenta a metodologia adotada na pesquisa e na secção 4 são apresentados a modelagem e os resultados obtidos. Finalmente, a secção 5 conclui o estudo e apresenta sugestões para futuras pesquisas.

  2. Revisão da Literatura

    Projetos de telecomunicações envolvem altos investimentos iniciais e elevados gastos operacionais. Seus grandes fatores de incerteza ocorrem tanto pelo lado dos investimentos e custos quanto das receitas, especialmente em se tratando de tecnologias recentes que permitem serviços inovadores. As receitas possuem forte grau de incerteza devido à imprevisibilidade do crescimento da base de usuários da operadora e da receita média por usuário, conhecida como ARPU, do inglês Average Revenue Per User (Tanguturi e Harmantzis, 2006).

    Uma vez realizado o investimento inicial, uma série de flexibilidades se apresenta para a empresa. Por um lado, ela poderá expandir-se em novos mercados e oferecer serviços inovadores para seus clientes, como as soluções de Mobile Money Transfer ou Mobile Banking, cada vez mais difundidas em países em desenvolvimento, onde a penetração e capilaridade dos bancos tradicionais é mais baixa do que nos países desenvolvidos (GSMA, 2008). A tecnologia 3G permite ainda a uma operadora lançar uma gama de serviços inovadores baseados em transmissão de dados em alta velocidade, como acesso móvel à internet banda larga, vídeo conferência e jogos interativos. Por outro lado, ela poderá diferir seus investimentos em diversas etapas do projeto, caso conclua que as condições atuais de mercado não são adequadas e o tempo permita obter mais informações. Caso seu projeto piloto tenha êxito, ela poderá decidir aumentar a escala do projeto, por exemplo, atingindo áreas rurais do país não planejadas inicialmente ou aumentando a capacidade de sua rede para permitir maior tráfego simultâneo, atendendo maiores demandas de seus clientes (Tanguturi e Harmantzis, 2006).

    Finalmente, o projeto pode ser abandonado, caso nenhuma outra opção seja viável. A opção de abandono pode ocorrer através da venda dos ativos da empresa ou da licença, ou mesmo pela devolução da licença para o órgão regulador. A devolução pode ter um custo para a empresa, como ocorreu com algumas licenças 3G na Europa quando operadoras que quiseram devolvê-las ao estado tiveram que arcar com multas (Ansari e Garud, 2007). Estas multas têm o efeito de reduzir a flexibilidade gerencial para a empresa, diminuindo o valor da opção de abandono.

    Na indústria de telecomunicações, aplicações de modelos de precificação com opções reais têm sido utilizadas para avaliar temas como novas tecnologias, valor de empresas, capacidade operacional e questões de regulamentação, bem como a modelagem de custos, de distorções regulatórias e avaliação estratégica (Alle-man, 2002, 2003, Alleman e Noam, 1999, Alleman, 2002). Economides (1999) aplicou a avaliação por opções reais no estudo dos princípios econômicos que...

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