Artigo 2

AutorCalil Simão
Ocupação do AutorDoutorando em Direito pela Universidade de Coimbra (PT). Mestre em Direito
Páginas53-63

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Art

Reputa-se agente público, para os efeitos desta Lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.

Comentários
1 Agente público

O art. 2º define agente público pelo vínculo que ele mantém com o Estado, admitindo o mandato, cargo, emprego ou função e, ainda, decorrente de qualquer tipo de investidura: eleição, nomeação, designação ou contratação. Procurou

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o legislador com essa previsão envolver um grande número de pessoas, prestigiando a tutela do patrimônio público. Entre os sujeitos ativos encontram-se aqueles que, costumeiramente, são denominados agentes públicos equiparados ou por previsão legal (ficção).

2 Servidor Público

Em sentido lato8, designa as pessoas físicas que possuem vínculo funcional com o Estado para o desempenho de atividades técnicas. Não são todas as pessoas que desempenham funções públicas, mas apenas aquelas que possuem um vínculo de trabalho, sendo, consequentemente, remuneradas pelo Estado. Esse vínculo é profissional. Eles podem apresentar-se como servidores estatutários, empregados públicos (CLT)9ou servidores temporários (CF, art. 37,
IX). Submetem-se à hierarquia.

3 Agentes Políticos

Os agentes políticos são agentes públicos. São, contudo, uma categoria especial de agentes públicos. A doutrina majoritária defende a aplicação da LIA a esses sujeitos, com base no princípio da independência entre as instâncias (civil, penal e administrativa)10. Porém, tais agentes, muito embora exerçam função pública, não possuem ligação de natureza profissional ou de emprego com o Estado. Sua ligação com o Estado não se baseia em sua habilitação profissional ou aptidão técnica, mas na qualidade de cidadão11. Logo, não se exige do candidato habilitação técnica ou requisitos profissionais para acesso ao cargo ou função, mas apenas a plenitude de seus direitos políticos12. Manifestam esses agentes públicos atos de governo e atos de administração peculiares13.

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São os agentes políticos, na verdade, autoridades públicas supremas, do Governo e da Administração, e estão sujeitos apenas aos graus e limites constitucionais e legais de jurisdição específicos de sua posição institucional14.

Por isso esses agentes não estão sujeitos às penalidades relativas aos servidores em geral. Não estão, portanto, vinculados ao regime disciplinar do Estatuto dos Funcionários Públicos, já que se submetem a normas específicas de processo e julgamento de infrações funcionais. Esse regime é definido pela Constituição como crimes de responsabilidade. Essas infrações nada mais são do que responsabilidades específicas desses agentes15. A Lei nº 1.079/50, em seu art. 9º, define as condutas atentatórias à probidade administrativa por atos do Presidente da República, Ministros de Estado, Ministros do Supremo Tribunal Federal, Procurador-Geral da República, Governadores e Secretários de Estado16.

4 Distinção entre os atos de improbidade decorrentes de função meramente administrativa e de funções político-administrativas

A improbidade administrativa de que trata o § 4º do art. 37 da CF não se confunde com a prevista para os agentes políticos. Os atos desses agentes são muito mais devastadores e importantes para a nação do que os atos de um servidor público. Além do mais, o constituinte desejou que, com relação às infrações de natureza ímproba, fosse o Presidente da República submetido a

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processo perante o Senado Federal, sendo impossível dar um nome distinto ou alterar o fundamento jurídico para inseri-lo na competência do juiz de primeiro grau. O princípio da simetria com o poder central impõe essa mesma estrutura aos demais entes federados. É importante registrar que essa estruturação ocorre porque os agentes políticos exercem atribuições de natureza bem distinta da dos servidores públicos. Os servidores simplesmente administram e executam. Os agentes políticos decidem e determinam a execução17.

Constituem eles a chamada vontade do Estado e, diante disso, necessitam de uma liberdade funcional maior, até porque essa liberdade repercute em favor do próprio interesse público. Logo, a situação dos que governam e decidem é bem diversa da dos que simplesmente administram e executam encargos técnicos e profissionais, já que estes não se submetem a responsabilidade por decisão ou opções políticas18. A responsabilidade buscada pelo § 4º do art. 37 da CF precisa ser interpretada sistematicamente, isto é, levando em conta os arts. 52, I e II; 96, III; 85; 102, I, “c”; 105, I, “a”; e 108, I, “a”, deste mesmo diploma, bem como o princípio da simetria com o centro, no tocante aos agentes políticos dos Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, que se encontram na mesma posição institucional (CF, art. 1º). Visto dessa maneira, os agentes políticos estão excluídos da abrangência do art. 2º da Lei nº 8.429/9219, pois são regidos por normas especiais de responsabilidade. O termo mandato, previsto nesse artigo, fica restrito às funções não ocupadas por esses agentes, mas em decorrência de mandato administrativo20.

5 Repressão indevida das opções político-administrativas

Estamos vivendo hoje um verdadeiro caos nas funções político-administrativas. Esse caos vem sendo fomentado pelo Ministério Público. Os membros do Ministério Público vêm propugnando pela aplicação da LIA indistintamente para todos os tipos de ilegalidade e imoralidade. Os membros do Poder Judiciário, por desconhecer, na maioria das vezes, o conceito de corrupção, vêm corroborando essas interpretações equivocadas. Em razão desse fato, nos manifestamos em nossa obra Improbidade Administrativa – Teoria e Prática:

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Não podemos conceber que o agente político se sinta reprimido ao tomar uma conduta ou outra em prol da sociedade. Isso o tornaria um agente político omisso, pelo temor de se ver responsabilizado por atos emitidos de boa-fé em proveito da coletividade. Também implicaria, em última análise, na extinção da figura do governante (que passaria a ser governado), bem como a necessidade de os Ministérios Públicos se converterem em órgãos de consulta. Não é possível uma coisa, nem outra. Necessário é compreender a posição institucional do agente político.21Lei de Improbidade Administrativa Comentada art. 2º

6 Posição dos Tribunais Superiores

O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento da Rcl. nº 591/SP, afirmou a competência da Justiça de primeiro grau para julgar os magistrados e membros dos Tribunais Superiores: Presidente da República, Governadores, Prefeitos, Ministros do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou Desembargadores, p.ex. Já no julgamento do REsp. nº 456.649/MG firmou o entendimento de que os fatos tipificadores dos atos de improbidade administrativa não podem ser imputados aos agentes políticos, salvo mediante a propositura da respectiva ação por crime de responsabilidade. Logo depois, no julgamento do REsp. nº 1.147.329/SC, o referido tribunal assentou que prefeitos e vereadores também se submetem aos ditames da Lei nº 8.429/92, sem prejuízo da responsabilização política e criminal estabelecida no Decreto-Lei nº 201/67. A matéria foi levada ao Supremo Tribunal Federal por meio da Rcl. nº 2.138/DF, entendendo a maioria dos ministros pela inaplicabilidade da Lei de Improbidade Administrativa aos agentes políticos, tendo em vista que a ação de improbidade é uma ação por crime de responsabilidade. Logo após, no julgamento da Pet. nº 3.923/SP, já em nova composição, entendeu o tribunal que os agentes políticos se submetem ao regime da LIA, só não podendo ser aplicada a sanção de perda do cargo político.

7 Síntese sobre os agentes políticos

Com relação à aplicação da LIA aos agentes políticos, temos três correntes. São elas: Inaplicabilidade. Essa corrente fundamenta-se no fato de esses agentes exercerem atribuições peculiares, distintas da dos demais agentes públicos, possuindo normas específicas para sua escolha, investidura, conduta e processo por...

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