ARTS. 11 A 25

AutorLuiz Cláudio Carvalho de Almeida
Páginas43-82
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CAPÍTULO III
Dos Alimentos
Luiz Cláudio Carvalho de Almeida
Promotor de Justiça titular da Promotoria de Justiça de Proteção ao Idoso e à Pessoa
com Deciência do Núcleo Campos dos Goytacazes. Ex-Coordenador do Centro de
Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção ao Idoso e à Pessoa com
Deciência do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (2013-2018). Integrante
da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Idosos
e Pessoas com Deciência (AMPID). Mestre em Direito. Doutorando do Programa
de Cognição e Linguagem da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy
Ribeiro (UENF). Membro do Grupo Internacional Tríplice Aliança pela Cultura da
Não Contenção da Pessoa Idosa.
Art. 11. Os alimentos serão prestados ao idoso na forma da lei civil.
Aplica-se aos alimentos devidos à pessoa idosa a legislação civil ordinária,
de modo que não se criou no Estatuto do Idoso nenhuma modalidade especial do
instituto em comento. Há, no entanto, uma característica específ‌ica, qual seja, a
solidariedade da obrigação em relação aos devedores, que empresta à análise ora
em curso algumas peculiaridades que merecem atenção, sobretudo em função de
polêmicas já extensamente analisadas pela doutrina e jurisprudência pátrias.
Contudo, antes de se adentrar na apresentação das divergências e pontos con-
troversos atrelados à análise da extensão hermenêutica dada ao preceito previsto pelo
art. 12 do Estatuto do Idoso, o que será visto no momento oportuno, cumpre serem
abordadas as questões clássicas sobre o tema alimentos e eventuais repercussões
específ‌icas que surgem em função da condição de pessoa idosa do credor alimentício.
Em primeiro plano, o direito aos alimentos está profundamente ligado não só
à sobrevivência do credor como ao seu direito à obtenção de supedâneo f‌inanceiro
para o desenvolvimento de uma vida digna. Nesse sentido, os valores pagos a tal
título não se atêm meramente a despesas com alimentação, como também envolvem
gastos outros como saúde, moradia, educação etc.
O caráter personalíssimo da obrigação tem como consequência a impossibilida-
de de cessão,1 consoante previsão do art. 1.707 do Código Civil. O mesmo artigo prevê
a impossibilidade de compensação e penhora incidentes sobre o crédito alimentício.
1. Silmara Juny Chinelato vislumbra a possibilidade de cessão do crédito alimentar vencido no caso de boa-
-fé do cessionário, com base no que dispõe o art. 286, do Código Civil. Vide CHINELATO, Silmara Juny.
Comentários ao Código Civil: parte especial: do direito de família, vol. 18 (arts. 1.591 a 1.710)/Silmara Juny
Chinelato; Coord. Antônio Junqueira de Azevedo. São Paulo: Saraiva. 2004, p. 502/503.
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ESTATUTO DO IDOSO: COMENTÁRIOS À LEI 10.741/2003
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No que tange à sua irrenunciabilidade, também prevista no acima citado artigo
1.707 do Código Civil, observa-se que a jurisprudência tem reconhecido tal carac-
terística em caráter absoluto apenas em relação a pessoas consideradas civilmente
incapazes. A razão da interpretação restritiva incide na questão dos alimentos devidos
entre ex-cônjuges ou ex-companheiros.
Não é incomum, por ocasião da dissolução do vínculo, as partes renunciarem
reciprocamente aos alimentos devidos e para que não se instale uma condição de
insegurança jurídica, sedimentou-se o entendimento da validade de tal cláusula,
mesmo sob a égide do preceito hoje insculpido no art. 1.707 do Código Civil.
Não por outra razão foi aprovado o enunciado 263, da III Jornada de Direito Civil,
cujo texto é o seguinte: “O art. 1.707 do Código Civil não impede seja reconhecida
válida e ef‌icaz a renúncia manifestada por ocasião do divórcio (direto ou indireto)
ou da dissolução da “união estável”. A irrenunciabilidade do direito a alimentos
somente é admitida enquanto subsistir vínculo de Direito de Família”.
Contudo, tal entendimento, mesmo que majoritário, ainda enfrenta divergência
na doutrina pátria.2
Considerando as peculiaridades inerentes ao envelhecimento, novos elementos
entram na equação.
Ainda que se ref‌ira à separação judicial3 e ao vetusto argumento da culpa, o art.
1.704, parágrafo único, do Código Civil, prevê que “se o cônjuge declarado culpado
vier a necessitar de alimentos, e não tiver parentes em condições de prestá-los, nem
aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-los, f‌ixando o juiz
o valor indispensável à sobrevivência”. Extrai-se do preceito algumas condições que
são aptas a reativar o direito aos alimentos, antes neutralizado. O princípio da soli-
dariedade que ilumina a relação do ex-casal permanece vigente mesmo em favor do
ex-cônjuge que deu causa à separação, desde que esteja em risco sua sobrevivência
em razão da penúria e da falta de condições de reverter, por seu próprio esforço, tal
condição.
2. Nesse sentido vide TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin. Código
Civil Interpretado Conforme a Constituição da República. Vol. IV. Rio de Janeiro: Renovar. 2014, p. 398.
3. O STJ já se manifestou no sentido de que não é possível ao divorciado pleitear alimentos em relação aos
quais tenha renunciado. Transcreve-se a ementa:
Civil. Família. Separação consensual. Conversão. Divórcio. Alimentos. Dispensa mútua. Postulação pos-
terior. Ex-cônjuge. Impossibilidade.
1 – Se há dispensa mútua entre os cônjuges quanto à prestação alimentícia e na conversão da separação
consensual em divórcio não se faz nenhuma ressalva quanto a essa parcela, não pode um dos ex-cônjuges,
posteriormente, postular alimentos, dado que já def‌initivamente dissolvido qualquer vínculo existente
entre eles. Precedentes iterativos desta Corte.
2 – Recurso especial não conhecido.
(REsp 199.427/SP, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, Quarta Turma, julgado em 09.03.2004, DJ 29.03.2004,
p. 244).
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LUIZ CLÁUDIO CARVALHO DE ALMEIDA
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Em muitos casos, o f‌inal da vida de idosos apresenta tamanha vulnerabilidade
que o referido quadro de miserabilidade pode fazer-se presente e a única alternativa
à morte são os alimentos reivindicados do ex-cônjuge ou companheiro(a).4
Muito embora não se ref‌ira especif‌icamente à situação do idoso, ilustra o tema
a lição de Silmara Juny Chinelato:5
“Embora seja irretratável, se o ex-cônjuge ou o ex-companheiro que renunciou a alimentos deles
precisar, por comprovada necessidade, a ser examinada em cada caso concreto, deve pedi-los
ao outro consorte, por diferente fundamento, sem discutir a inaceitabilidade da renúncia ou a
respectiva retratabilidade.
Nesse caso, os alimentos se alicerçam na solidariedade, seu fundamento primordial, que não
desaparece in totum com o desfazimento da sociedade conjugal. O vínculo moral é fortemente
ligado aos alimentos, considerados, antes, ofcium pietatis”.
Se o Código Civil prevê essa possibilidade para o ex-cônjuge que deu causa à
separação judicial, com muito mais propriedade, calcado num princípio de isonomia,
tal direito há que ser reconhecido para o ex-cônjuge inocente. Contudo, algumas
premissas necessitam ser f‌ixadas.
Em primeiro plano, tal responsabilidade é subsidiária, só podendo ser invocada
na ausência de parentes na linha descendente e irmãos. É o que se extrai da dicção
do parágrafo único do art. 1.704 do Código Civil. Da mesma forma o artigo em re-
ferência vincula o direito à incapacidade laboral do credor de alimentos.
Nesse ponto, é preciso lembrar que o fato de o idoso perceber benefício previ-
denciário ou assistencial também, ao nosso sentir, exclui a possibilidade de demandar
o ex-cônjuge. Isto porque, a toda evidência, o que o preceito procura garantir é o
mínimo existencial do credor de alimentos.
É preciso lembrar que se trata, no caso sob exame, de uma hipótese excepcional
de alimentos e que como tal deve ser utilizada como última medida para a sobrevi-
vência do alimentando.
Nesse sentido, diferentemente da regra geral utilizada na f‌ixação de alimentos
calcada no binômio necessidade-possibilidade (art. 1.694, § 1º, do Código Civil),
nessa espécie de alimentos, famélicos por natureza, independentemente das posses
do alimentante, o juiz deverá f‌ixá-los “em valor indispensável à sobrevivência” (art.
1.704, parágrafo único, do Código Civil).
Assim, se o idoso receber, por exemplo, o Benefício de Prestação Continuada
(BPC), que será analisado com mais vagar na sequência, já estaria desqualif‌icado para
exigir de seu ex-cônjuge alimentos com fulcro em sua condição de miserabilidade.
4. Nada impede a extensão do mesmo o raciocínio para os casos que envolvam união estável.
5. Op. cit., p. 509.
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