Aspectos registrais

AutorChristiano Cassettari, Marcos Costa Salomão
Páginas223-311
Capítulo 8
AspeCtos reGistrAis
8.1 SISTEMAS DE REGISTRO DE IMÓVEIS
Antes de aprofundarmos o estudo do sistema de registro de imóveis brasileiro, é
importante destacar que existem diversos sistemas registrais imobiliários no mundo.
O direito de propriedade e os outros direitos reais precisam ser inscritos em algum
lugar público, para que todos saibam quem são seus titulares. Após o registro, surgem
os efeitos que a lei prevê, variando de acordo com a cultura de cada país. Antes de es-
tudarmos o sistema de registro de imóveis brasileiro, é preciso compreender que pelo
menos três sistemas se destacam, com variantes, ao redor do mundo. São eles o sistema
consensual ou privatista, o sistema publicista e o sistema eclético.
Ensina Afrânio de Carvalho1 que o sistema consensual ou privatista é assim
chamado porque o título que representa o negócio jurídico é decisivo e a publicidade
alcançada por meio do registro serve apenas de aviso a terceiros. Não é o registro que
transfere o direito, mas, sim, o título. O registro serve para dar publicidade ao título
e avisar aos terceiros que não levaram seus direitos para o registro que agora o direito
inscrito é oponível a todos2. Este é o sistema francês. Marcelo Augusto Santana de
Melo3 alerta que, apesar de o sistema francês transmitir o direito de propriedade pelo
consenso, não signif‌ica dizer que não existe um sistema de transcrição. Ele existe,
mas não é de direitos, e sim de documentos, pois a publicidade alcançada não é cons-
titutiva nem declarativa.
Já no sistema publicista, a publicidade é o elemento essencial, pois é a partir do
registro que se constitui o direito4. Após o registro ele se desprende do título, por isso
se diz que há uma abstração5 do negócio realizado, com uma garantia quase absoluta
1. CARVALHO, Afrânio de. Registro de Imóveis: comentários ao sistema de registro em face da lei 6015/73. Rio
de Janeiro: Forense, 2001, pág.15.
2. MAGALHÃES, Vilobaldo Bastos de. Compra e Venda e sistemas de transmissão de propriedade. Rio de Janeiro:
Editora Forense, 1981, pág.22.
3. MELO, Marcelo Augusto Santana de. Teoria Geral do registro de imóveis: estrutura e função. Porto Alegre:
Sérgio Antonio Fabis Editor, 2016, pág.94.
4. CARVALHO, Afrânio de. Registro de Imóveis: comentários ao sistema de registro em face da lei 6015/73. Rio
de Janeiro: Forense, 2001, pág.15.
5. MAGALHÃES, Vilobaldo Bastos de. Compra e Venda e sistemas de transmissão de propriedade. Rio de Janeiro:
Editora Forense, 1981, pág.27.
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para o adquirente6. Aplica-se integralmente o princípio da fé pública7. Esse é o sistema
alemão. Uma das variantes deste sistema é o espanhol, onde, apesar de o registro ser
declarativo e a propriedade se transferir pelo contrato, o adquirente de boa-fé a título
oneroso é protegido após o registro, pela fé pública registrária8.
Por f‌im, Afrânio de Carvalho cita um terceiro sistema, denominado de eclético9,
o qual combina o título com o modo de adquirir, a exemplo do sistema publicista, po-
rém não ocorre a abstração do registro em relação ao título, permanecendo o vínculo
causal. O registro poderá ser anulado, desde que comprovada a invalidade. A doutrina
sempre discutiu essa questão tentando atribuir mais força ao registro de imóveis, mas
sempre prevaleceu que o registro possuía presunção relativa. Desde a publicação da Lei
13.097/15 o debate foi reaquecido10, pois o sistema passou a repudiar o que não está
inscrito na matrícula do imóvel, benef‌iciando o terceiro de boa-fé.
Leonardo Brandelli11 explica que o sistema de registros brasileiro assemelha-se ao
alemão e espanhol, onde a proteção decorre da tutela da aparência jurídica em relação
ao terceiro que conf‌iou nas informações do registro de imóveis. Brandelli cita também
o Sistema Torrens, ou australiano, como outro exemplo de registro de direitos, mas
lembra que neste caso a proteção decorre da publicidade registral, que tem característica
sanante e produz ef‌icácia absoluta. No Brasil o sistema Torrens foi adotado para imóveis
rurais, mas é pouco utilizado12.
8.2 NATUREZA JURÍDICA DA ATIVIDADE REGISTRAL NO BRASIL
O registrador de imóveis é o responsável pela manutenção, conservação e proteção
dos direitos reais. Em alguns países ele é chamado de conservador da propriedade. O
termo “of‌icial13” é genérico, servindo tanto para notários14 como para registradores.
6. MELO, Marcelo Augusto Santana de. Teoria Geral do registro de imóveis: estrutura e função. Porto Alegre:
Sérgio Antonio Fabis Editor, 2016, pág.86.
7. SARMENTO FILHO. Eduardo Sócrates Castanheira. Direito registral imobiliário: teoria geral. Vol. I Curitiba:
Juruá, 2017, pág.50.
8. MELO, Marcelo Augusto Santana de. Teoria Geral do registro de imóveis: estrutura e função. Porto Alegre:
Sérgio Antonio Fabis Editor, 2016, pág.88.
9. CARVALHO, Afrânio de. Registro de Imóveis: comentários ao sistema de registro em face da lei 6015/73. Rio
de Janeiro: Forense, 2001, pág.15.
10. SARMENTO FILHO. Eduardo Sócrates Castanheira. Direito registral imobiliário: teoria geral. Vol. I Curitiba:
Juruá, 2017, pág.54.
11. BRANDELLI, Leonardo. Registro de Imóveis: ef‌icácia material. Rio de Janeiro: Forense, 2016, pág.54.
12. Lei 6015/73, artigos 277 e 278.
13. Apesar de ser largamente utilizado para referir-se ao of‌icial de registro, o Código Civil ainda se refere ao tabelião
como “of‌icial” no artigo 1.864, inciso I, e no artigo 1.873 quando trata de testamentos. A designação mais técnica
e moderna é “registrador imobiliário” ou “registrador de imóveis”, apesar de muito se utilizar a consagrada
expressão “of‌icial do registro de imóveis”. Algumas pessoas tentam unif‌icar as designações chamando de “of‌icial
registrador de imóveis” ou “of‌icial registrador imobiliário”. A Lei nº 8.935/94 trata disso no artigo 3º.
14. Notários e Tabeliães são expressões sinônimas no Brasil. O ofício de tabelião data em Portugal e outros países
da Europa, da introdução do Direito Romano no regime do país. A Europa feudal não os conhecia, porquanto
os contratos eram celebrados na presença do Castellão, e assinados por três ou mais testemunhas, segundo a
importância do negócio. Muitas vezes era perante o Bispo que se faziam estes atos e, posteriormente, perante
o juiz territorial, regulando quase sempre a boa-fé e equidade. Os romanos conheciam o Tabularius, o Notário
propriamente dito, e o tabellio que veio substituir aquele no tempo do Império e que exercia outras funções
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CAPítulo 8 • ASPECtoS rEGIStrAIS
O registrador presta um serviço público e, portanto, a expressão “cartório” muitas
vezes é substituída pela expressão “serviço de registro15”. Para compreender o serviço
de registro de imóveis no Brasil, é necessário localizar a atividade na CF/88. É o artigo
236 que ilumina o caminho, determinando que “os serviços notariais e de registros são
exercidos em caráter privado, por delegação do poder público16”.
Aqui o destaque é para a confusão que algumas pessoas fazem quando dizem que
os of‌iciais (notários e registradores) são funcionários públicos. Não são. Eles recebem
uma delegação (instrumento administrativo pelo qual o Estado descentraliza suas
funções) para exercer de forma privada um serviço público. Quando a CF/88 fala em
caráter privado, signif‌ica que os of‌iciais devem contratar seus funcionários17 pelo regime
celetista, vinculando o seu contrato de trabalho à pessoa do titular, delegatário, pois é ele
o responsável. Vale lembrar que os cartórios não são pessoas jurídicas18, mas possuem
um Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) para f‌ins de prestar informações a
órgãos do governo, como a Receita Federal do Brasil (RFB) mediante a Declaração de
Operações Imobiliárias (DOI)19.
anexas ao Notariado. Era também Escrivão. O Tabularius derivava o seu nome de tabula, isto é, a tabua coberta
de cera, em que outrora em Roma se escreviam os contratos e testamentos. O Tabelião provinha de tabela,
pequena tábua em que os juízes lavraram as suas sentenças e se lançava qualquer ato público. O tabelião de notas
corresponde ao Tabularius Romano e o Judicial ao Tabelião. E por isso entre nós não há simplesmente notário,
mas há cumulativamente o escrivão. O Notário Romano tinha por missão lavrar os contratos privados, visto que os
romanos da primitiva república não sabiam ler, mas tais atos não tinham caráter algum público, não mereciam fé,
como posteriormente aconteceu com a criação do Tabellio. E por isso o Tabulario era considerado vil, porquanto
aqueles atos eram feitura de escravos que sabiam ler e escrever e bem posteriormente fossem tais ofícios ocupados
por homens livres, eram não bastante chamados de servos públicos. Pelo contrário, os tabeliães criados mais
tarde para aceitarem e aprovarem testamentos, e lavrarem quaisquer atos, diferiam dos primeiros, não só quanto à
condição, porque era homens livres, mas quanto à natureza das funções, visto que eram verdadeiros empregados
públicos. Os Tabeliães romanos constituíram uma corporação com um chefe denominado- Primicerius, que
nomeava os novos tabeliães de acordo com os colegas e nenhum era admitido sem aprovação de probidade,
prática de escrever e falar além do conhecimento da legislação. (ORDENAÇÕES FILIPINAS. Livro I. Nota de
apresentação de Mário Júlio de Almeida Costa. Rio de Janeiro: Fundação Calouste Gulbenkian, 1870, p. 179).
15. Lei nº 8.935/94. “Artigo 4º. Os serviços notariais e de registro serão prestados, de modo ef‌iciente e adequado, em
dias e horários estabelecidos pelo juízo competente, atendidas as peculiaridades locais, em local de fácil acesso
ao público e que ofereça segurança para o arquivamento de livros e documentos”.
16. BRASIL. [Constituição (1988)
17. Provimento nº 69 do CNJ regula a modalidade de teletrabalho nas serventias extrajudiciais. (BRASIL. Conselho
Nacional de Justiça. Provimento nº 69 de 12 de junho de 2018. Dispõe sobre o teletrabalho no âmbito dos
serviços notariais e de registro do Brasil. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/2606 Acesso em:
15 nov. 2021).
18. Jurisprudência em Teses nº 80 – STJ: Os serviços de registros públicos, cartorários e notariais, não detêm
personalidade jurídica, de modo que o titular do cartório à época dos fatos é o responsável pelos atos decorrentes da
atividade desempenhada. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (2. Seção). AgInt nos EDv nos EAREsp 846180/
GO, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 08/02/2017, DJe 13/02/2017. Disponível em: https://www.stj.
jus.br/internet_docs/jurisprudencia/jurisprudenciaemteses/Jurisprud%C3%AAncia%20em%20teses%2080%20
-%20Registros%20P%C3%BAblicos.pdf Acesso em: 15 nov. 2021). (vide informativo de jurisprudência nº 448).
19. Sobre Declarações de Operações Imobiliárias vide a Instrução Normativa nº 1.112 de 28 de dezembro de 2010 da
Secretaria da RFB. (BRASIL. Instrução Normativa RFB nº 1112, de 28 de dezembro de 2010. Aprova o programa
e as instruções para preenchimento da Declaração sobre Operações Imobiliárias, versão 6.1, def‌ine regras para
a sua apresentação e dá outras providências. Diário Of‌icial da União, 30/12/2010, p. 95. Disponível em: http://
normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idAto=16084 Acesso em: 15 nov.
2021).
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