Board of directors structure and performance of publicly listed companies in Brazil/Estruturas dos conselhos de administracao e desempenho das empresas listadas no Brasil.

AutorAldrighi, Dante Mendes
  1. Introducao

    Como instancia de governanca interna das empresas, o conselho de administracao (CA) tem entre suas principais atribuicoes definir estrategias e diretrizes gerais de gestao; indicar, assessorar, monitorar e eventualmente demitir altos executivos, em particular o chief executive officer (CEO); e desenhar incentivos, sobretudo na forma de contratos de remuneracao por desempenho, para reduzir potenciais custos de agencia. Todavia, diversos estudos mostram que os membros dos CAs usualmente nao cumprem suas obrigacoes fiduciarias, sendo submissos aos CEOs ou aos acionistas controladores, ao inves de controla-los. (1)

    Nos paises em que predominam empresas com propriedade dispersa do capital, os membros dos CAs, embora tenham a missao de enfrentar o problema de agencia dos executivos, podem perseguir objetivos que conflitam com os interesses dos acionistas, "os principais" a quem deveriam servir, adicionando uma nova camada no problema de agencia. Por sua vez, em paises cujo ambiente institucional favorece a concentracao da propriedade do capital das empresas, CEOs e membros do CA atuam frequentemente como prepostos dos acionistas controladores, permanecendo nessas ocupacoes se, e enquanto, atenderem a seus interesses privados.

    Estudos sobre os CAs tem se concentrado nos fatores que moldam sua estrutura (tamanho e composicao) e no impacto das acoes de seus membros sobre o desempenho ou o valor das empresas. O tratamento empirico dessas questoes defronta-se, porem, com os desafios de problemas de endogeneidade e da nao observabilidade do comportamento dos conselheiros, inferido geralmente pela estrutura do CA (Adams et al., 2010).

    Parte da literatura teorica modela a endogeneidade dessas relacoes considerando uma disputa entre o CEO e o CA em que o mau desempenho passado da empresa sinaliza habilidade inferior do CEO vis-a-vis potenciais substitutos, debilitando seu poder relativo e elevando a proporcao de membros independentes no CA (Hermalin e Weisbach, 1998). Outros estudos exploram a interacao estrategica entre membros internos e externos do CA em um contexto marcado por problemas de agencia, assimetria informacional, e custos de coordenacao de acoes coletivas e de verificacao da qualidade dos projetos (Raheja, 2005; Harris e Raviv, 2008). Ambas vertentes tem encontrado corroboracao empirica(Coles et al., 2008; Wintoki et al., 2012).

    Esses modelos pressupoem estruturas dos CAs eficientes. Isto e, dadas as caracteristicas das empresas e as restricoes contratuais, o tamanho e a composicao do CA seriam escolhidos de modo a alinhar os incentivos de seus membros aos interesses dos acionistas em maximizar lucros. Contudo, em paises com gaps institucionais que resultam em fraca protecao aos investidores, como no Brasil, o poder desproporcional dos acionistas controladores pode implicar estruturas de CAs sub-otimas, que reforcam sua discricionariedade e facilitam a extracao de beneficios privados das empresas. A despeito dos avancos na protecao dos direitos dos acionistas minoritarios no Brasil nas duas ultimas decadas, os acionistas controladores mantem ainda enorme poder de votos, que lhes assegura o controle dos CAs e, assim, facilita a chancela de decisoes autointeressadas que destroem valor.

    Este artigo investiga as estruturas dos CAs e se estas se relacionam com o desempenho das empresas brasileiras de capital aberto, incorporando na analise um amplo conjunto de variaveis de propriedade do capital e de controle. Os poucos estudos sobre as possiveis conexoes das estruturas dos CAs com caracteristicas da propriedade do capital das empresas no Brasil se ativeram apenas a um tipo de controlador (Coletta e de Souza Lima, 2020) ou a emissao de acoes sem direito a voto (de Andrade et al., 2017).

    A base de dados foi construida a partir de dados extraidos de relatorios que as empresas de capital aberto eram legalmente obrigadas a apresentar a CVM (as "Informacoes Anuais" e, a partir de 2010, o "Formulario de Referencia"). Para cada empresa com acoes negociadas na bolsa brasileira B3 para cada ano do periodo de 2003 a 2013, reconstituiram-se as cadeias de participacoes diretas e indiretas dos maiores acionistas, o que permitiu calcular seus direitos de votos e de fluxos de caixa e, assim, identificar o maior acionista ultimo (MAU), classifica-lo por categoria (familia, acordo de acionistas, governo, fundos de pensao ...) e mensurar a extensao das cadeias de propriedade indireta e piramidal.

    Dados os problemas de endogeneidade envolvendo as relacoes entre estruturas do CAs, caracteristicas e desempenho das empresas e a dificuldade de se obter instrumentos externos validos para as multiplas variaveis endogenas, o procedimento empirico adotado foi estimar modelos dinamicos com o estimador GMM sistemico (system GMM).

    As estimacoes das variaveis do CA nao apontaram uma associacao robusta com as variaveis de propriedade, exceto extensao da cadeia de propriedade indireta, relacionada positivamente com a parcela de membros indicados pelo acionista controlador, e proporcao de acoes sem direito a voto, que covaria negativamente com o numero de membros do CA. Cabe ressaltar, tambem, a robusta associacao negativa da parcela de membros externos com a dummy referente a se o CEO ocupou a presidencia do CA no ano anterior. Quanto ao desempenho das empresas, nao se identificou relacao sistematica com quaisquer caracteristicas do CA e da propriedade do capital, mas apenas com o tempo de existencia das empresas (positiva), Q de Tobin (positiva) e alavancagem financeira (negativa).

    Alem desta introducao, o artigo compoe-se de outras cinco secoes: a segunda fornece uma breve revisao da literatura; a terceira formula as hipoteses; a quarta descreve a base de dados e apresenta estatisticas descritivas e correlacoes parciais das variaveis relevantes para as estimacoes do modelo empirico; a quinta expoe a estrategia empirica e discute os resultados das estimacoes dos modelos; e a ultima sumaria as principais conclusoes.

  2. Revisao da literatura

    A literatura teorica e empirica mais recente sobre as relacoes entre estrutura dos CAs, outros aspectos da governanca, caracteristicas e desempenho das empresas tem se concentrado nos problemas de endogeneidade. (2) Uma referencia importante e o modelo teorico de Hermalin e Weisbach (1998), em que o poder relativo do CEO na disputa em torno do grau de independencia do CA deriva de sua habilidade face a potenciais substitutos. Por nao observar diretamente a capacidade do CEO, o CA o avalia pelo desempenho passado da empresa, que assim afeta a proporcao de membros independentes no CA. De fato, diversos estudos empiricos observam uma relacao negativa entre independencia do CA e desempenho das empresas (Yermack, 1996; Bhagat e Black, 2002).

    Raheja (2005) e Harris e Raviv (2008) assumem o mesmo tradeoff para explorar as interacoes estrategicas entre membros internos e externos como fonte de endogeneidade: membros internos dispoem de informacao privada sobre a decisao otima para a empresa mas podem optar por um projeto ineficiente que lhes proporciona beneficio privado, enquanto membros externos, embora independentes do CEO e nao ensejarem custos de agencia, sao pouco informados sobre a qualidade das decisoes do CEO, tendo que incorrer em custos para adquirir informacao ou expertise especifica a empresa ou, devido ao problema de free-rider, para coordenar suas acoes, pois cada um percebe sua contribuicao individual como inocua. (3)

    Porque a submissao ao CEO pode lhes assegurar beneficios privados, membros internos tem incentivos para sonegar informacoes privadas, comprometendo a qualidade das decisoes do CA e a lucratividade das empresas. Por outro lado, se o CA escolhe o sucessor do CEO, cada membro interno pode revelar informacao privada aos membros externos para elevar a chance de ser escolhido na disputa sucessoria.

    Nesse contexto, esses autores argumentam que a estrutura otima do CA resulta de incentivos de seus membros, moldados sobretudo por seus proprios atributos e por caracteristicas das empresas. Em empresas com elevada assimetria de informacoes entre os membros dos CAs e em que os membros internos detem informacoes privadas estrategicas (como empresas com elevados gastos em P&D e muitos ativos especializados intangiveis), os membros externos enfrentam maiores custos de verificacao dos projetos, tornando o CA mais dependente de informacoes de membros internos. Como o beneficio a empresa da vantagem informacional dos membros internos excede seus custos de agencia, a parcela de membros externos e o tamanho otimos dos CAs sao menores.

    A medida em que a empresa se torna mais conhecida, a assimetria de informacao e o custo de verificacao diminuiriam, elevando a proporcao otima de membros externos. Por sua vez, em empresas com alto potencial de extracao de beneficios privados de projetos ineficientes, o numero e a proporcao otimos de membros externos sao maiores, pois, a despeito da desvantagem de informacao e dos custos de coordenacao, protegem os interesses dos acionistas. Esse potencial e menor em setores mais competitivos e em empresas com baixo fluxo de caixa livre ou cujos membros internos do CA detem uma parcela maior do capital, que os incentiva a revelar informacao privada.

    Assim, de acordo com esses modelos teoricos, o tamanho e a composicao do CA, por dependerem de um conjunto de fatores exogenos--como caracteristicas das empresas e setores, custo de oportunidade dos membros externos, custo de agencia dos membros internos, e importancia relativa das informacoes dos membros internos e externos--podem apresentar covariacao nula ou em qualquer direcao com o desempenho das empresas.

    Tal argumentacao coloca em suspeicao estudos empiricos que estimam o impacto das estruturas dos CAs sobre o desempenho das empresas tomandoas como exogenas, interpretando os resultados como evidencia de causalidade, utilizada ademais para fundamentar recomendacoes de politicas sobre tamanho e...

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