Capítulo 2: O reconhecimento da filiação

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Capítulo 2
O RECONHECIMENTO DA FILIAÇÃO
O amor é uma combinação de cuidado,
compromisso, conhecimento, responsabilidade,
respeito e confiança
Bell Hooks
Sumário: 2.1 Reconhecimento voluntário 2.1.1 Características e formas do ato
de reconhecimento 2.1.2 Momento do r econhecimento 2.1.3 Conflito de
paternidade no caso de reconhecimento de filho de mulher casada por terceiro
2.1.4 Con sentimento do filho 2.1.5 A ação de impugn ação do registro e seus
limites 2.1.6 Reconhecimento da filiação socioafetiva 2.2 Averigu ação
oficiosa 2.3 Reconhecimento judicial 2.3.1 Legitimidade ativa e passiva
2.3.2 Casos de investigação de paternidade? 2.3.3 Imprescritibilidade da ação
investigatória 2.3.4 Investigação de paternidade proposta por pessoa cuja
filiação já esteja reconhecida por outrem 2.4 Reconhecimento múltiplo: a
multiparentalidade.
2.1 Reconhecimento voluntário
Nem sempre o estado de filho é adquirido automaticamente,
como nos casos em que há presunção de paternidade. Os filhos que
se aproveitam da presunção pater is est não necessitam de uma
manifestação formal do pai para ter declarado o estado de filiação.
Diversamente, os filhos que não têm presunção de paternidade
precisam de uma declaração para que seu status de filiação seja
reconhecido. Essa declaração pode ser obtida por meio voluntário
ou judicial. Há, ainda, a averiguação oficiosa de paternidade, mas o
reconhecimento que dela se origina será voluntário ou judicial.
Neste ponto, tratar-se-á do reconhecimento voluntário.
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Como a filiação sempre esteve ligada à noção de família,
quando a proteção jurídica era deferida apenas à família
matrimonializada, também eram os filhos pautados na relação
matrimonial que recebiam plena proteção. Mas estes estavam
submetidos à presunção de legitimidade. Eram denominados de
filhos legítimos, dentro de uma discriminatória classificação dos
filhos. Segundo essa classificação, os filhos eram legítimos ou
ilegítimos, conforme fossem havidos ou não no casamento,
respectivamente. Dentre os ilegítimos, havia os espúrios e naturais;
aqueles filhos de pais com impedimentos matrimoniais, estes de
pais sem tais impedimentos. Somente os chamados filhos naturais
podiam ser reconhecidos, mediante a vedação legal ao
reconhecimento dos filhos espúrios constante no art. 358 do Código
Civil de 1916. Legislação posterior derrogou este dispositivo para
permitir o reconhecimento dos filhos adulterinos, categoria de
filhos espúrios318. Todavia, somente com a Constituição de 1988,
que trouxe o princípio da unidade da filiação no § 6º do art. 227, a
todos os filhos foi permitido o reconhecimento. No plano
infraconstitucional, a Lei nº 7.841/89 revogou expressamente o art.
358 do Código Civil de 1916. Desse modo, depois da Constituição
da República de 1988, todos os filhos, qualquer que seja sua
origem, podem ser reconhecidos. Ter estabelecido o sta tus de
filiação passou a ser um direito de todos os filhos.
2.1.1 Características e formas do ato de reconhecimento
Quando vigorava a classificação dos filhos em legítimos e
ilegítimos, costumava-se conceituar o reconhecimento como o ato
declaratório de filiação ilegítima319. O reconhecimento é ato
próprio de declaração da existência de filhos havidos fora do
318 Vide Cap. 1, Parte 1 sobre o percurso legislativo do tratamento da filiação a
partir do CC1916.
319 DAYRELL, Carlos. Da filiação ilegítima no dir eito brasileir o. Rio de
Janeiro: Forense, 1983, p. 70; GOMES, Orlando. Dir eito de família, cit., p. 341.
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casamento. Isto porque se o filho é havido no casamento, há em seu
favor a presunção de paternidade do marido, de maneira que é
desnecessária a declaração paterna. Contudo, não se pode afirmar
que não há reconhecimento de filhos havidos no casamento, apenas
não é necessário para o estabelecimento do vínculo paterno-filial.
Ainda que havido no casamento, o filho pode, e geralmente o é, ser
reconhecido formalmente pelo marido da mãe, quando este declara
a paternidade no registro de nascimento. O ato de reconhecimento é
declara tório, não cria a paternidade, apenas declara uma situação
fática, da qual o Direito tira consequências320.
O reconhecimento voluntário pode ser feito conjuntamente,
por ambos os pais, ou separadamente. Esse reconhecimento é um
ato individual. Por isso, quando feito separadamente, só produz
efeitos em relação àquele que se declarou pai ou mãe. Observa-se
que isto não é absoluto, pois é comum o pai declarar no termo de
nascimento a sua paternidade e, mediante a apresentação da
declaração de maternidade expedida pelo hospital, a maternidade, a
qual só poderá ser desconstituída nos termos do art. 1.608 do
Código Civil. Ademais, é um ato pessoal. Somente os pais, ou
representante com poderes especiais, poderão reconhecer
voluntariamente seus filhos. Desta característica decorre outra: a
intransmissibilidade. Se os pais não reconhecem seus filhos, não
poderão fazê-lo os avós ou qualquer outra pessoa que possa
conhecer a existência da relação biológica.
Como se trata de ato jurídico, discute-se se o
reconhecimento se submete às exigências gerais de capacidade
civil. A doutrina tem entendido que, por se tratar de um ato de
natureza especial, somente não está ao alcance dos absolutamente
incapazes321. Nesse sentido, leciona Orlando Gomes:
320 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, vol. V, cit., p.
206.
321 MIRANDA, Pontes de. Trata do de direito de família, cit., pp. 107-108;
DAYRELL, Carlos. Da filiaçã o ilegítima no direito bra sileiro, cit., p . 74. Zeno
VELOSO afirma que “... a capacidade exigível para o ato jurídico stricto sensu

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