A Categoria Trabalho em Lukacs segundo a Dialetica Marxista/Labor Category in Lukacs following the Marxist Dialectic.

AutorGarcia, Ivan Simoes
  1. A Categoria Trabalho para Lukacs

    Lukacs constroi, a partir de Marx, um conceito proprio de trabalho. Segundo Infranca (2014, p.11), se trata de um conceito dominante em toda sua obra mas que recebe uma sintese na Ontologia do ser social, e que precede outros conceitos como reproducao, totalidade, estranhamento e praxis.

    A analise da categoria trabalho para Lukacs nao pode ser feita de forma idealista, na qual as categorias possuem "vida autonoma", separadas e anteriores a sua propria manifestacao na realidade. A categoria decorre da sua manifestacao historica nas relacoes sociais concretas, como formas de ser dessas sociedades. E assim que Lukacs introduz a logica materialista do mundo, pois a sua analise sobre o trabalho--objeto do presente texto--e um desdobramento do capitulo 5, do Livro I, de O Capital, de Karl Marx.

    A atividade humana mais primitiva e primordial e o trabalho. Atraves dele o homem se relaciona com a natureza, transformando-a e transformando a si. Por meio do trabalho o homem interage com outros individuos, em busca de atender as suas necessidades, produzindo coisas uteis.

    Antes de tudo, o trabalho e um processo entre o homem e a Natureza, um processo em que o homem, por sua propria acao, medeia, regula e controla seu metabolismo com a Natureza. (...) Ele poe em movimento as forcas naturais pertencentes a sua corporeidade, bracos e pernas, cabeca e mao, a fim de apropriar-se da materia natural como forma util para a sua propria vida. Ao atuar por meio desse movimento, sobre a Natureza externa a ele e ao modifica-la, ele modifica ao mesmo tempo a sua propria natureza." (MARX, 2002, p. 142). Essa atividade pratica e fundamental para compreender toda e qualquer sociedade inserida na historia, pois no trabalho se encontram os fundamentos materiais da sociedade.

    A sociabilidade humana inaugura-se, nos primordios do paleolitico, com o trabalho, expressao da relacao do homem com a natureza para produzir coisas que satisfacam suas necessidades vitais.

    "(...) para viver, e necessario, antes de mais nada, beber, comer, ter um teto onde se abrigar, vestir-se etc. O primeiro fato historico e, pois, a producao dos meios que permitem satisfazer essas necessidades, a producao da propria vida material;" (MARX, ENGELS, 2007, p. 33). Assim, todos os seres vivos interagem com a natureza e entre si de modo a garantir sua existencia. Porem, o homem nao produz apena para suprir sua necessidade fisica imediata, mas produz inclusive e mais propriamente quando liberado dessa necessidade de sobreviver; diferente do animal, o homem produz conscientemente (atividade autogovernada) e antecipando um fim (teleologicamente).

    "Pressupomos o trabalho numa forma em que pertence exclusivamente ao homem. Uma aranha executa operacoes semelhantes as do tecelao e a abelha envergonha mais de um arquiteto humano com a construcao dos favos de sua colmeia. Mas o que distingue, de antemao, o pior arquiteto da melhor abelha e que ele constitui o favo em sua cabeca, antes de construi-lo em cera. No fim do processo de trabalho obtem-se um resultado que ja no inicio deste existiu na imaginacao do trabalhador, e, portanto, idealmente. Ele nao apenas efetua uma transformacao na forma da materia natural; realiza, ao mesmo tempo, na materia natural seu objetivo, que ele sabe que determina, como lei, a especie e o modo de atividade e ao qual tem subordinada sua vontade." (MARX, 2002, pp.149-150). E o trabalho que distingue o homem dos demais animais, fazendo-o humanizar a si e a natureza, imprimindo nela sua marca e produzindo nela modificacoes.

    A atividade teleologica exprime a liberdade humana que transforma a natureza, inovando a realidade e criando o mundo no qual efetivamente vive. E neste ponto que a critica ontologica e uma critica da logica materialista do mundo e da logica de producao capitalista do trabalho em especial. Segundo Lukacs o trabalho abstrato, por exemplo, somente existe no capitalismo.

    Por outro lado, tal vontade livre e teleologica encontra limites na propria natureza e suas leis causais. Para que se concretize aquilo idealizado e necessario que o conhecimento da natureza tenha atingido um nivel apropriado, v.g. como o sonho de voar, de Icaro a Leonardo da Vinci, somente veio a ser alcancado por Santos Dumont.

    Para produzir, os homens organizam-se socialmente e estabelecem relacoes sociais, que vao, elas mesmas, gerar novas necessidades e novos modos de satisfazer essas necessidades. O trabalho passa, entao, a ser a cooperacao entre pessoas, orientada (teleologicamente) a producao de coisas uteis para suprir as necessidades sociais. O trabalho, assim, e uma forma de praxis social que constitui a propria realidade, relacionando os aspectos subjetivos (vontade e teleologia) com os aspectos objetivos (causalidade, necessidade e natureza) da atividade humana social, e, transforma o proprio sujeito e o objeto.

    Eis o carater ontologico, essencial do trabalho na constituicao do ser humano e da sociedade. Assim como o ser humano nao pensa, porque quer, mas por uma condicao racional que lhe e inerente, tambem o trabalho se da por uma exigencia indeclinavel de seu ser social que e um ser voltado para a relacao com o outro. Trabalho e cultura sao entao regidos por uma essencial complementaridade.

    O trabalho constitui o principio do processo de humanizacao do homem, permitindo sua passagem do estagio meramente animal para um estagio no qual emergem as caracteristicas peculiares do ser humano, e, dentre elas, a teleologia como ato consciente e criativo (INFRANCA, 2014, p.30).

    Lukacs compreende que nao e possivel descrever todos os momentos de transformacao do trabalho desde o homem animalesco ate o atual. Recorre a categoria do "salto", pois se somos capazes de descrever o estagio anterior e o sucessor, e impossivel reconstituir o exato momento da passagem de um ao outro, senao idealmente.

    "(...) encontra-se 'a priori' descartado qualquer experimento que possa nos fazer regressar ao momento de passagem da prevalencia da vida organica para a sociedade. E precisamente a irreversibilidade ligada ao carater historico do ser social que nos impede de reconstituir por meio de experimentos o 'hic et nunc' desse estagio intermediario (...). O salto, porem, continua a ser um salto, e em ultima analise pode ser conceitualmente esclarecido apenas por meio do experimento ideal de que falamos." (LUKACS, 2010, pp. 203-4) Destacam-se, dentre essas transformacoes, releva compreender as novas formas (morfologias) do trabalho, da classe trabalhadora e a afirmacao de que tais categorias permanecem centrais na analise da realidade social e sua organizacao.

    Em cada periodo historico para ter-se em conta como se reproduz a vida (individual e, sobretudo, social) e preciso verificar, antes de tudo, as formas estabelecidas de distribuicao dos meios de producao e o tipo de divisao do trabalho numa dada sociedade.

    A cada epoca, um determinado modo de producao esta ligado a um modo de organizacao das relacoes sociais (religiosas, politicas, administrativas, financeiras, etc). Assim, a distribuicao dos produtos numa sociedade somente pode ser compreendida quando se anteve como se distribuem os instrumentos de producao e como se distribuem os membros da sociedade pelos distintos generos de producao. Essa divisao do trabalho corresponde, em cada momento historico, a formas de organizar as relacoes sociais.

    Assim, a distribuicao dos produtos numa sociedade somente pode ser compreendida quando se anteve como se distribuem os instrumentos de producao e como se distribuem os membros da sociedade pelos distintos generos de producao. Essa divisao do trabalho corresponde, em cada momento historico, a formas de organizar as relacoes sociais.

    Sendo um ser social, o homem converte todo trabalho humano em fato coletivo e desenvolve tanto a cooperacao quanto a divisao social do trabalho (isto e, especializacao de funcoes), o que ocorre ainda em tempos primitivos, com a verificacao de um excedente produtivo que vem a ser ampliado, tornando possivel a troca.

    Lukacs compreende que o sujeito historico principal passa a ser o trabalhador. Porem essa compreensao se afasta da maneira idealista, feitichizada, porque se da no contexto da praxis historica. A historicidade em Lukacs, assim como em Marx, torna-se o principio, o fundamento do ser. Em ambos se supera o fundamento estatico e transcendental parmenideo, para se tornar num fundamento imanente, centrado na transformacao continua (INFRANCA, 2014, p. 27)

    A [ontologia de Marx] vai alem da dinamica abstrata de um 'tudo flui' no sentido de uma dinamica heraclitiana abstrata, e mostra que a nova ontologia pode e deve reduzir a antiquissima oposicao de principios, insoluvel do ponto de vista logico ou da teoria do conhecimento, de Heraclito ou dos eleatas, a uma cooperacao contraditoria e desigual dos dois momentos do processo irreversivel do ser" (LUKACS, 2010, p. 328) A partir de entao o trabalho e fundamento da sociedade humana e produz valor de uso. Lukacs ve a inter-relacao entre homem-objeto e natureza e demostra a diferenca entre o comportamento do trabalho com o do animal. Aparece a figura da produtividade do trabalho, com a jornada de trabalho e apropriacao do tempo pelo capitalismo. Essa relacao de trabalho-capital e tempo apropriado e central na visao de Lukacs. Pois quanto mais um trabalhador produz, no sistema capitalista, maior e seu valor de uso, com a mesma intensidade (produtividade nao se confunde com intensidade).

    Num primeiro momento, producao e troca tem como finalidade apenas o uso, a manutencao do produtor de sua comunidade. Posteriormente, com a sofisticacao das relacoes de producao e de especializacao, as trocas sao redimensionadas com o dinheiro, permitindo a producao de mercadorias e a acumulacao de capital.

    O desenvolvimento das forcas produtivas possibilita novas e sucessivas divisoes do trabalho ate permitir que nao produtores (pessoas, empresas, classes ou o Estado, por exemplo) passem...

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