Cédula de crédito rural. Indeniza. Seguro. Cédula de crédito rural pignoratícia. Caso fortuito. Tromba d'água. Falta de cobertura securitária de responsabilidade, no caso concreto, do banco credor. Matéria fática assim julgada pelo tribunal de origem. Incidência da súmula 7/STJ. Recurso especial. Contrarrazões do mutuário

AutorHélio Apoliano Cardoso
Páginas137-157

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EXMO. SR. PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO.....

... por intermédio de seu advogado, ao final assinado, insatisfeito com a decisão que julgou improcedente a Apelação, já objeto de Embargos Declaratórios, vem, nesta oportunidade, guardado o prazo legal e satisfeitas todas as obrigações processuais, apresentar CONTRARRAZÕES AO RECURSO ESPECIAL, na forma das razoes a seguir:

DOS FATOS

O BANCO ajuizou Ação de Execução em desfavor de ..., baseado em Cédula Rural Pignoratícia.

Opostos Embargos de Devedor, o Executado defendeu-se, sob o argumento de que o título não é exigível, ante a ocorrência de caso fortuito (excesso de chuvas), que acabou por frustrar o projeto de piscicultura na qual o empréstimo se destinava. Alegou-se, ainda, excesso de execução (fls.... e-STJ).

Apresentada impugnação (fls..... e-STJ), o MM. Juiz primevo, reconheceu a ocorrência do caso fortuito e julgou Procedente os Embargos, para declarar extinta a obrigação, nos termos do artigo 535, inciso IV, do Código de Processo Civil (fls.... e-STJ), sentença esta mantida em grau de Apelação, em Acórdão assim ementado:

RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL - EMBARGOS À EXECUÇÃO - DÉBITO ORIUNDO DE FINANCIAMENTO DE RECURSO DE ...... - REALIZAÇÃO DE

PROJETO PARA EXPLORAÇÃO DE PSICULTURA - CHUVAS ABUNDANTES (TROMBA D’AGUA) - DANIFICAÇÃO DA REPRESA - PERDA DA PRODUÇÃO PRONTA PARA O ABATE - INVIABILIZAÇÃO DO CUMPRIMENTO DA AVENÇA

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- AÇÃO EXTINTA - CASO FORTUITO - ARTIGOS 393 (ANTIGO 1.058) DO CÓDIGO CIVIL E 741, IV DO C.P.C - APÓLICE DE SEGURO QUE NÃO PREVÊ A COBERTURA DAS BENFEITORIAS DESTINADAS À REALIZAÇÃO DO PROJETO

IRRELEVÂNCIA - NEGLIGÊNCIA DO BANCO FINANCIADOR - RECURSO IMPROVIDO.

Comprovada a ocorrência de Caso Fortuito, por forças ocultas da natureza, cabe a exoneração do devedor da obrigação assumida em contrato de financiamento oriundo de recursos F.C.O, firmado com o objetivo de exploração de piscicultura, em face da sua impossibilidade de cumpri-la. Inteligência do artigo 393 (antigo 1.058) do Código Civil e 741, IV do C.P.C.

A alegada falta de cobertura da Apólice de Seguro para benfeitorias realizadas com o fito de explorar a atividade de piscicultura, não altera a exclusão da obrigação assumida pelo devedor no contrato de financiamento (F.C.O) destinado a este fim, ao contrário, espelha a Negligência do Órgão Financiador que não incluiu no seguro a cobertura do crédito concedido, em caso de insucesso do projeto." (fl. 332 e-STJ).

Opostos Embargos de Declaração, eles foram rejeitados (fls. 350/353 e-STJ).

Contra esses julgados o Banco interpôs seu PRIMEIRO Recurso Especial, alegando-se, preliminarmente, violação do artigo 1.022 do Código de Processo Civil (fls.... e-STJ), no qual fora dado Provimento pelo saudoso Ministro Carlos Alberto Menezes Direito (fls. e-STJ).

Retornado os autos ao e. Tribunal de Justiça do Estado, novamente rejeitou-se os Embargos de Declaração (fls. e-STJ).

Em NOVO Recurso Especial, fundamentado no artigo 105, inciso III, alínea "a", da Constituição Federal, o Banco alegou violação dos artigos 1.022, inciso II, e 535, inciso IV, do Código de Processo Civil; 393 do Código Civil de 2.002; 928, 1.058, 1.256, 1.257, 1.458 e 1.460 do Código Civil de 1.916; 9º e 10 do Decreto-lei 167/69 e 9º-A, § 10-I, da Lei n. 7.827/89.

Sustentou o Recorrente, em síntese, negativa de prestação jurisdicional. Aduziu, também, que no contrato de mútuo o devedor assumiu a obrigação de devolver o dinheiro mutuado no prazo e condições estabelecidas, sendo indiferente ao credor o risco do negócio assumido pelo mutuário (fls.... e-STJ).

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MÉRITO

A responsabilidade pela falta de cobertura, no caso, milita decisivamente em desfavor do estipulante, ou mandatário, isto é, do Banco ora Recorrente.

Cinge-se a lide a determinar se a ocorrência de caso fortuito constitui causa suficiente para liberar o devedor do pagamento de dívida representada por cédula de crédito rural, presentes as peculiaridades de que os recursos do empréstimo são oriundos do ....... e o seguro vinculado ao negócio não continha

cobertura para o evento que vitimou o devedor.

Inicialmente, no que tange à preliminar de violação do art. 1.022 do CPC, acompanho o entendimento contido nos votos que me precederam, no sentido de considerar ausente qualquer negativa de prestação jurisdicional, visto que, no novo julgamento dos embargos de declaração, o TJ/MT examinou, fundamentadamente, todas as questões relevantes ao deslinde da controvérsia, dentro dos limites que lhe são impostos por lei, tanto que integram o objeto do próprio Recurso Especial e serão enfrentados adiante.

O não acolhimento das teses contidas no recurso não implica obscuridade, contradição ou omissão, pois ao julgador cabe apreciar a questão conforme o que ele entender relevante à lide. Não está o Tribunal obrigado a julgar os temas postos a seu exame nos termos pleiteados pelas partes, mas, sim, com o seu livre convencimento, consoante dispõe o art. 371 do CPC.

Em relação ao mérito, antes de mais nada parabenizo o e. Min. Massami Uyeda pelo extenso trabalho de pesquisa, cujo resultado evidenciou de forma inconteste o tratamento excepcional que a legislação pátria confere ao produtor rural.

Com efeito, não há como ignorar a condição especial de que desfruta a atividade agrícola, tendo em vista a importância econômica, social e estratégica que assume no desenvolvimento do país.

Evidentemente, esse trato diferenciado alcança os recursos necessários ao próprio financiamento da atividade rural; afinal, como bem destacado pelo e. Min. Massami Uyeda, não se faz política agrícola sem crédito.

Nesse sentido, uma exegese sistemática da legislação que regulamenta o setor indica, claramente, a intenção do legislador de salvaguardar o produtor

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rural das intempéries a que está invariavelmente sujeita a sua atividade, por mais que possa - e deva - estar preparado para enfrentar os extremos das condições climáticas.

Entre esses mecanismos de proteção está a mitigação da teoria do risco do negócio, já que sua incidência sobre o produtor rural da mesma forma que se aplica aos demais ramos empresariais inviabilizaria, em muitas situações, o próprio negócio, obrigando (ou ao menos incentivando) a procura de outros meios de sustento, fomentando o êxodo rural e indo na contramão da própria política agrícola.

Ciente desse problema, a Lei nº 5.969/73, que instituiu o PROAGRO - Programa de Garantia da Atividade Agropecuária, atualmente regido pela Lei nº 8.171/91, dispondo sobre a política agrária, ambas regulamentadas pelo Decreto nº 175/91, oferece ao produtor rural proteção contra a ocorrência de fenômenos naturais, pragas e doenças que possam dificultar a liquidação de obrigações financeiras derivadas de operações de crédito.

O art. 59, I, da Lei nº 8.171/91 dispõe que o PROAGRO garantirá ao produtor rural "a exoneração de obrigações financeiras relativas à operação de crédito rural de custeio cuja liquidação seja dificultada pela ocorrência de fenômenos naturais, pragas e doenças que atinjam rebanhos e plantações".

No caso específico do empréstimo tomado pelo recorrido, proveniente do FCO, instituído pela Lei nº 7.827/89, denota-se clara conformidade com a política agrícola nacional. Além da principal fonte de recursos ter advindo da arrecadação de impostos federais (art. 6º), as instituições financeiras responsáveis pelo gerenciamento da verba não assumiram o risco do crédito (art. 9º-A, § 10, I).

Em outras palavras, o capital utilizado nessa linha de crédito não teve custo financeiro para os Bancos, que sequer responderam pelos prejuízos decorrentes de inadimplência. Tratou-se, na verdade, de um ônus social, assumido exclusivamente pelo Estado em prol da soberania nacional e do desenvolvimento do país.

No particular, o TJ/MT destaca que a região foi assolada por "uma grande e jamais vista quantidade de chuvas que perdurou por mais de três dias, tendo ocorrido, inclusive, o fenômeno denominado ‘tromba d’água’, o que culminou com o transbordamento da represa principal, fazendo com que os peixes ali cultivados e prontos para o abate, se perdessem quase em sua totalidade" (fl...).

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Vale frisar, por oportuno, que esse evento foi qualificado pelas Instâncias ordinárias como caso fortuito, sem que houvesse impugnação por parte do Recorrente, de sorte que o presente Recurso não comporta discussão acerca da natureza jurídica do referido evento.

Dessarte, fixada a premissa de que o evento que vitimou o recorrido foi um caso fortuito, torna-se indisputável sua sujeição ao direito de exoneração previsto no PROAGRO.

Note-se, por derradeiro, que a legitimidade - e até mesmo o dever - do Banco na gestão e recuperação de créditos dessa natureza, reconhecida pelo STJ por ocasião do julgamento do REsp 970.953/MA, 3ª Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe de 02.09.2010, não influencia nem limita eventual direito dos produtores rurais à exoneração da obrigação financeira, cujo custo, repise-se, é suportado unicamente pelo Estado, como um ônus inerente à política de estímulo à agricultura.

Acrescente-se, outrossim, que o seguro celebrado para garantia da operação - típico contrato de adesão, cujas cláusulas foram unilateralmente fixadas por instituição pertencente ao grupo econômico do Banco recorrente - não previa cobertura para o mencionado evento, exsurgindo claramente o descumprimento do dever de informação contido no art. 6º, III, do CDC.

O referido dispositivo legal é reflexo do princípio da transparência, que alcança o negócio em sua essência, na medida em que a informação repassada ao consumidor integra o próprio conteúdo do contrato. Trata-se, pois, de dever intrínseco ao negócio, que deve estar presente inclusive na fase de formação da avença.

O direito à informação visa a assegurar ao consumidor uma escolha consciente, permitindo que suas expectativas em relação ao produto ou serviço sejam de fato atingidas, manifestando o que vem sendo denominado de consentimento informado ou...

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