Clues to the history of Social Work from transitional justice/Indicios para a historia do Servico Social a partir da Justica de Transicao.

Autorde Souza Backx, Sheila
CargoTexto en portugues

Introducao

O presente trabalho decorre de dados encontrados durante o desenvolvimento da pesquisa, recente e ainda em curso, intitulada Mulheres na linha de frente: o(s) feminino(s) nos depoimentos prestados as Comissoes de Memoria, Verdade e Reparacao no ambito do estado do Rio de Janeiro. A citada pesquisa foi motivada a partir do entrecruzamento de varios interesses, mas, sobretudo, pela necessidade de conhecer o "nao dito" sobre esse periodo da formacao social brasileira.

Essa pesquisa toma a historia como processo, estabelecendo dialogo com as evidencias, de modo a atribuir significados e valores, permitindo entender os sujeitos historicos em determinados contextos e em determinada formacao social; ou como, nas palavras de Thompson (1981, p. 49), um "dialogo entre conceito e evidencia, um dialogo conduzido por hipoteses sucessivas, de um lado, e a pesquisa empirica por outro". Isso significa situar experiencias singulares em um quadro explicativo sobre a estrutura e a dinamica social de um determinado periodo em analise.

Considerando a fase inicial da pesquisa e ajudando a construir seu pano de fundo, sera discutido neste trabalho como os movimentos sociais contribuiram para que, ainda que de modo incipiente, o pais tivesse instaurado o que tradicionalmente se chama de Justica de Transicao--que Mezarobba (2009, p. 111) assim define:

O conceito e comumente entendido como uma estrutura para se confrontar abusos do passado e como componente de uma maior transformacao politica. Isso geralmente envolve uma combinacao de estrategias judiciais e nao-judiciais, complementares, tais como: processar criminosos, estabelecer comissoes de verdade e outras formas de investigacao a respeito do passado; esforcos de reconciliacao em sociedades fraturadas; desenvolvimento de programas de reparacao para aqueles que foram mais afetados pela violencia ou abusos; iniciativas de memoria e lembranca em torno das vitimas; e a reforma de um amplo espectro de instituicoes publicas abusivas (como os servicos de seguranca, policial ou militar) em uma tentativa de se evitar novas violacoes no futuro.

A relevancia e atualidade do campo da Justica de Transicao transcende seu proprio objetivo, ao possibilitar a construcao de narrativas historicas que contribuem para o entendimento de evidencias em outros contextos correlatos--neste artigo em particular, a historia do Servico Social.

Assim, este artigo objetiva contribuir para a compreensao do movimento estudantil no ambito do Servico Social no periodo da Ditadura CivilMilitar brasileira, nocao defendida por Netto (2014, p. 17) a partir da identificacao dos agentes desse processo:

Levado a cabo pelos setores mais reacionarios da sociedade brasileira (a fina flor da burguesia industrial e financeira, os grandes proprietarios de terras e as cupulas militares) e com significativo apoio inicial da alta hierarquia catolica e de largas camadas da pequena burguesia, o golpe [...] contou com a mais ativa colaboracao dos Estados Unidos e das empresas norte-americanas que atuavam no pais [...]. Alem disso, pretendemos apresentar indicios para a recuperacao de outra face da Escola de Servico Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Lutas sociais por memoria, verdade e justica

As lutas por memoria, verdade e justica no Brasil--ainda sem o uso dessa expressao, mas ja traduzindo, sob diversas formas, resistencia a Ditadura Civil-Militar--comecaram muito antes da entrada na pauta politica do pais da tematica dos Direitos Humanos. Assim, serao destacadas nesta secao, ainda que sinteticamente, as principais iniciativas, entre 1970 ate o periodo da Assembleia Nacional Constituinte, promovidas por vitimas, familiares e organizacoes de direitos humanos e por algumas instancias do Estado brasileiro que, apos pressao de movimentos sociais, passaram a reconhecer torturas, assassinatos e desaparecimentos forcados praticados por agentes estatais.

Cabe ressaltar que, considerando a especificidade deste trabalho - contribuicao do tema para o Servico Social--somente serao lembradas as principais acoes das decadas de 1990 a 2010 pautadas pela memoria, verdade e justica: busca por restos mortais em SP (Perus), Rio de Janeiro (Ricardo de Albuquerque, Cacuia e Santa Cruz) e Tocantins; pressao para transferir arquivos da comunidade de informacao para o Arquivo Publico do ERJ e Arquivo Nacional; cassacao dos registros profissionais dos medicos que colaboraram com a Ditadura; pressao para ampliacao do ambito de atuacao das varias comissoes, que buscam recuperar a memoria do periodo; e, mais recentemente, os "escrachos" na porta da residencia de torturadores e colaboradores, dentre outras acoes que visavam romper com a logica da "politica de esquecimento", que resultou da Lei de Anistia.

Com relacao ao regime, Netto (2014) defende que o golpe de abril "nao pode ser compreendido fora do contexto da guerra fria", pois, "sob o hegemonismo norte-americano e numa conjuntura em que se modificava profundamente a divisao internacional do trabalho", "os nucleos imperialistas patrocinaram a contrarrevolucao preventiva em escala mundial". Chama ainda a atencao para o fato de que o golpe significou mais que "a deposicao de um presidente no legitimo exercicio do seu mandato--significou a epoca a liquidacao da possibilidade de reverter a dependencia e a vinculacao da economia brasileira aos interesses imperialistas e de democratizar substantivamente a sociedade brasileira". Neste sentido, ergueu-se, pois, como um Estado antinacional e antipopular, que conduziu o capitalismo no Brasil a um estagio avancado do capitalismo mono polista com vigorosa intervencao estatal. Assim, ao mesmo tempo em que dominava o que parecia escapar (e, de fato, estava escapando mesmo) ao controle das classes dominantes, o golpe deflagrou uma dinamica nova, economica e politica, que, a medio prazo, forcaria a ultrapassagem de seus proprios marcos. (NETTO, 2014, p. 74-79).

Ja em meados da decada de 1970, familiares de atingidos se mobilizaram para denunciar os crimes praticados pelo governo, com o apoio de diferentes atores sociais. Missas em homenagem a militantes mortos, cartas enderecadas as autoridades e campanhas internacionais (1) foram algumas das formas de resistencia exercidas para tornar publicas as atrocidades cometidas nos centros de prisao e tortura. A dificil via judicial tambem foi tentada com o intuito de responsabilizar o Estado brasileiro e obter informacoes sobre os desaparecimentos (2). Ainda nesse periodo, foi estruturada a Comissao de Familiares de Mortos e Desaparecidos Politicos (CFMDP).

Em 1975 (ja sob a egide da "distensao politica" do Governo Geisel) teve inicio, em Sao Paulo, o Movimento Feminino pela Anistia (MFA). De inicio organizado por mulheres, o movimento pela anistia ganhou forca em diversos setores da sociedade brasileira e passou a mobilizar grupos como movimento estudantil, Movimento Democratico Brasileiro (partido de oposicao consentida ao governo militar), setores progressistas da Igreja Catolica e de profissionais liberais.

A partir de 1977 sao retomadas as manifestacoes publicas em defesa das liberdades democraticas nas principais capitais do pais, nas quais a demanda pela soltura dos presos politicos tornava-se imperiosa, dando origem a criacao dos Comites Primeiro de Maio pela Anistia. Assim, em fevereiro de 1978, foi criado, no Rio de Janeiro, o Comite Brasileiro pela Anistia (CBA), integrado por advogados, familiares, amigos de presos, exilados politicos e ex-presos politicos recem-libertos, contando com representacao em diversos estados e em outros paises.

Demandando uma anistia ampla, geral e irrestrita, os CBAs procuraram reorganizar os movimentos sociais pela redemocratizacao e buscaram popularizar a bandeira de luta, sobretudo, em torno do esclarecimento das torturas, mortes e desaparecimentos, da libertacao dos presos politicos, da devolucao dos restos mortais das vitimas desaparecidas, da revogacao da Lei de Seguranca Nacional e da responsabilizacao dos agentes estatais envolvidos em violacoes de direitos humanos. Luta a qual aderiram os presos politicos (3), que manifestaram repudio a proposta de anistia apresentada pelo governo.

Em outubro de 1978, como resultado dessa pressao, o Ato Institucional n. 5 (AI-5) foi revogado, restituindo-se o direito ao habeas corpus; em dezembro, a Lei de Seguranca Nacional foi reformada, extinguindo as penas de morte e de prisao perpetua, diminuindo algumas penas e determinando recolhimento dos presos politicos em local diverso do destinado aos presos comuns--assumindo-se, assim, a existencia de presos politicos no Brasil. Ainda em dezembro desse mesmo ano, foi revogado o decreto de banimento de 126 exilados, mas sem contemplar os considerados "indesejados" pelo Estado (como Brizola, Arraes e Prestes).

Nao se pode esquecer que, no Brasil, o...

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