A ação coletiva passiva inglesa e Norte-Americana: Requisitos e estrutura

AutorGustavo Viegas Marcondes
Ocupação do AutorBacharel em Direito pela Universidade Estadual Paulista (UNESP)
Páginas38-46

A análise mais atenta da estrutura, e consequentemente, dos pré-requisitos da ação coletiva passiva inglesa e norte-americana se justifica no âmbito desse estudo, em primeiro lugar, por ter sido preponderantemente nesses sistemas jurídicos onde se deu o surgimento e as primeiras fases de desenvolvimento do Processo Civil coletivo, tal como o concebemos e empregamos atualmente.

Além disso, tais sistemas jurídicos, sobretudo em termos de tutela jurisdicional coletiva, de certo modo conferiram uma releitura à garantia do due process of law, especificamente para essa modalidade de prestação jurisdicional, passando de uma garantia à efetiva participação direta no processo à efetiva participação no processo, por meio de representantes adequados.

Abordando a origem histórica da defendant class action, Rafael Caselli Pereira destaca que, muito em função do sistema de determinação da legitimidade nas ações coletivas ativas inglesas, também utilizado para as ações coletivas passivas, o polo passivo da demanda era efetivamente integrado pela coletividade, representada por um membro.

Um dos primeiros relatos de ação coletiva passiva de que se tem notícia ocorreu no ano de 1199, onde o Pároco (Rector) Martin, de Barkway, ajuizou ação na Corte Eclesiástica de Canterbury em face dos paroquianos (parishioners) de Nuthampstead. O objeto da demanda se demonstra obscuro, tendo em vista que o único documento que sobreviveu aos efeitos do tempo foi o termo do depoimento das testemunhas indicadas pelas partes. Pode-se concluir, ainda assim, que a ação versava sobre os direitos a certas oferendas religiosas e a necessidade de se colocar diariamente um pastor para celebrar missas, casamentos, batismos, etc. na capela Nuthampestead, recém-adjudicada a paróquia Barkway.

No século seguinte, três aldeões, em nome próprio e de toda comunidade de Helpingham, ajuizaram ação em face das comunidades de Donington e Bykere, identificando no pólo passivo como “representantes” da coletividade, apenas alguns habitantes das respectivas comunidades. A ação versava sobre a omissão dos aldeões de Bykere em auxiliar os habitantes de Helpingham na reparação de diques locais.

Ambos os casos possuem semelhanças interessantes, uma vez que as ações coletivas não foram ajuizadas em razão dos indivíduos pertencentes a coletividade, mas sim em face do grupo, na situação em que alguns representavam a coletividade em nome dos demais. Já naquela época observarmos a existência da representatividade da coletividade por determinados indivíduos, tais como na atualidade representam o MST – Movimento Sem Terra.

No final do século XVII começa a emergir a questão da representação na esfera judicial coletiva.1

No mesmo sentido, Nelson Rodrigues Netto, também arrimado em literatura estrangeira acerca da jurisprudência constitucional norte-americana relacionada à cláusula do devido processo legal em sede de Processo Civil coletivo, aponta para a fundamental importância assumida pelo requisito da representatividade adequada, exatamente para se fazer presente, em tutela coletiva, a garantia fundamental do devido processo legal.

A representação adequada é o requisito mais complexo e revela o fundamento do processo coletivo, e. g., uma ou mais pessoas litigando em nome de uma multidão.

De acordo, ele é consistente com a cláusula do devido processo legal, pela qual um indivíduo não pode sujeitar-se a um julgamento no qual ele não foi parte, ou, não tenha tido oportunidade de intervir.

No âmbito da ação coletiva ativa, a Suprema Corte estabeleceu que o devido processo legal é observado quando os interesses da classe são, devidamente, representados pelas partes nomeadas:

“[...] na medida em que possa ser dito os membros da classe que estão presentes são, por normas jurídicas genericamente admitidas, representantes no julgamento daqueles que não estão, supomos para os propósitos presentes, que tal procedimento outorga proteção às partes que são representadas, apesar de ausentes, o que satisfaz os requisitos do devido processo legal e da plena fé e crédito”2

Com isso, na matriz inglesa e, sobretudo, norte-americana, o Processo Civil coletivo foi construído sobre alicerces comuns, tanto à tutela em prol quanto em desfavor da coletividade.

Adotando, portanto, um sistema de “mão dupla” para a veiculação de interesses coletivos em juízo, o Processo Civil coletivo norte-americano confere à ação coletiva passiva, ou defendant class action, uma formatação equivalente àquela atribuída às ações coletivas ativas. Ambas, em suma, obedecem aos mesmos regramentos estabelecidos para a propositura, processamento e julgamento, seguindo as mesmas espécies de classificação e requisitos estabelecidos de modo genérico pela Rule 23 das Federal Rules of Civil Procedure. As diferenças de tratamento jurídico que podem ser observadas decorrem muito mais de razões eminentemente práticas, do que de...

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