Combate ao Trabalho Infantil no Brasil: do Início da Proteção aos Desafios Atuais

AutorSandra Regina Cavalcante; Gabriela Marcassa Thomaz de Aquino; Maria Victória Machado Nogueira
Páginas68-83
68
Guilherme Guimarães Feliciano; olívia de Quintana FiGueiredo PasQualeto (orGanizadores)


(1)
(2)
(3)
Introdução
O trabalho infantil se encontra entre as dimensões do mundo laboral que subsistem à margem
do sistema legal, seja por razões econômicas, culturais ou jurídicas. Apesar de sua origem repor-
tar à chegada dos portugueses por estas terras, o combate efetivo por meio de políticas públicas
e atuação interinstitucional é assunto recente e os desaos continuam atuais: ao lado das novas
formas de exploração do trabalho infantil que o século XXI apresenta, informações estatísticas re-
velam que a luta por sua erradicação atingiu um núcleo duro que exige novas formas de combate.
Considerando essas diculdades no combate ao trabalho precoce, o presente artigo busca
traçar um breve panorama sobre o trabalho infantil no país, por meio da análise da legislação de
proteção aplicável à criança e ao adolescente, das estatísticas acerca do trabalho infantil no país e
das consequências desse labor. Para tal, o artigo foi dividido em seis partes trazendo as diferenças
terminológicas existentes quando se trata do trabalho infantil no aspecto nacional e internacional,
seguidas de reexões sobre aspectos histórico-culturais, as consequências do labor precoce na vida
da criança, do adolescente e da família, as normas jurídicas que tratam da temática, as estatísticas
do trabalho infantil no Brasil e as causas e motivações desse trabalho precoce.

Na literatura médica, a criança é a pessoa humana que se encontra em estágio de desenvol-
vimento, no período compreendido entre o nascimento e a chegada da puberdade. O adolescente,
por sua vez, é a pessoa que está em estágio de amadurecimento e aprendizado, sob os aspectos
(1)  Doutora e Mestre em Ciências (Faculdade de Saúde Pública e de Direito da Universidade de São Paulo). Especia-
lista em Direito do Trabalho (Escola Superior de Advocacia — OAB/SP) e em Direito Ambiental (FSR/SP). Advogada
e professora de Direito do Trabalho e Direito Previdenciário na FICS (Faculdades Integradas Campos Salles). 
sandracavalcante@uol.com.br.
(2)  Mestranda em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Bacharel em
Direto pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulista (UNESP).  gabriela-
quino01@hotmail.com.
(3)  Graduada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).  mariavictoriamn@
gmail.com.
6219.1 O Trabalho Além do Direito do Trabalho.indd 68 13/08/2019 16:35:33
 69
psíquicos e siológicos, a partir da puberdade (PALMEIRA SOBRINHO, 2010). Assim, enquanto
a puberdade designa simplesmente o momento (por volta dos 11 anos para as meninas e dos 14
para os meninos) em que, graças aos hormônios, se atinge a capacidade reprodutiva, o termo
‘adolescência’ se refere ao período que começa na puberdade e vai até a idade adulta (HERCU-
LANO-HOUZEL, 2005).
As palavras “criança”, “infância” e “adolescência” podem alcançar diferentes signicados
em abordagens diversas, por isso é preciso fazer algumas considerações para evitar confusões
terminológicas. De acordo com a legislação brasileira, criança é “a pessoa até doze anos de idade
incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade” (art. 2º do Estatuto da
Criança e do Adolescente — ECA). Como se pode observar, a norma levou em consideração os
limites fronteiriços da puberdade para distinguir infância da adolescência.
Porém, leis internacionais que delimitam de forma diferente a abrangência do termo
“criança”. É o caso da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, da ONU (Organização das
Nações Unidas), que em 1989 estabeleceu no art. 1º que “crianças são indivíduos de 0 a 18 anos,
a não ser que, conforme a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes”. Também a
Convenção n. 182 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), de 1999, sobre as piores formas
de trabalho infantil, aplica o termo criança para toda pessoa menor de 18 anos (art. 2º).
Já os termos “juventude” e “jovem” vêm sendo usados no ECA e doutrina brasileira para
referir-se ao adolescente. Contudo o Estatuto da Juventude (Lei n. 12.852/2013) dene como jovem
as pessoas entre 15 e 29 anos (art. 1º, §1º). Por sua vez, nos termos da Diretiva n. 33/94 da União
Europeia, jovem é qualquer pessoa menor de dezoito anos; criança, qualquer jovem que ainda
não completou quinze anos de idade e adolescente o jovem na faixa de quinze anos completos e
dezoito anos incompletos (MINHARRO, 2003).
Assim, a expressão “criança” e, por conseguinte, “infantil” e “infância”, acaba sendo utilizada
com diferentes abrangências; dependendo do contexto, poderá se referir a pessoas de até 12 anos de
idade incompletos (lei brasileira), ir até os 15 anos incompletos (diretiva europeia) ou incluir todos
com menos de 18 anos (ONU e OIT). Importante destacar, pois, que embora o senso comum rela-
cione a palavra “infantil” à criança, na acepção jurídico-trabalhista a expressão “trabalho infantil”
não pode sofrer tal restrição, pois não assinala simplesmente o período que vai até a puberdade.
Não há uma forma simples e mundialmente aceita para denir trabalho infantil. O conceito
varia e é construído por diferentes atores, em diferentes contextos históricos. Segundo a Orga-
nização Internacional do Trabalho (OIT), o trabalho infantil é aquele realizado por crianças e
adolescentes abaixo da idade mínima para a entrada no mercado de trabalho, segundo a legislação
em vigor no país (OIT, 2001). O recorte é móvel, varia de uma sociedade para outra e depende de
como se compreende o que seja infância e adolescência naquele contexto socioeconômico-cultural.
Portanto, é atividade proibida e sua abrangência deve ser adequada à realidade jurídica do país.
O trabalho infantil se caracteriza pela condição de exploração e prejuízo à saúde e ao de-
senvolvimento da criança ou adolescente que realiza a atividade, bem como o impedimento ou
o comprometimento do exercício do direito à educação e ao brincar. Presentes tais elementos,
mesmo que o explorador seja o próprio responsável pela criança, ou que os envolvidos sejam de
uma classe econômica abastada, ainda assim cará caracterizado trabalho infantil.

No Brasil, a exploração do trabalho precoce remonta à colonização. As caravelas portuguesas
já traziam crianças trabalhadoras no século XVI. Segundo Cristina Porto et al. (2004):
6219.1 O Trabalho Além do Direito do Trabalho.indd 69 13/08/2019 16:35:33

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT