Combate à violência doméstica em tempos de pandemia: o papel do Direito

Em tempos de Covid-19, têm surgido demandas de maior atuação do Estado em diversos domínios, como na economia e na saúde pública. Ao mesmo tempo, discute-se a realocação de verbas governamentais de diversas áreas para a garantia de padrões mínimos de vida para milhões de brasileiros que perderão empregos e renda por conta do confinamento que a pandemia impõe. Nesse contexto, é imprescindível que operadores jurídicos e formuladores de políticas públicas tenham em mente que a garantia de padrões mínimos de vida em confinamento passa, necessariamente, por garantir que a população esteja livre de qualquer forma de violência.

Uma forma de violência que merece especial atenção é a violência doméstica. Este tipo de agressão ocorre muitas vezes de forma invisível e insidiosa, principalmente por se dar na esfera privada e doméstica.

1. Pandemia e violência doméstica

A violência doméstica é um tema notadamente relevante em tempos de pandemia, em primeiro lugar, porque a conjuntura socioeconômica atual tende a exacerbá-la. A perda de empregos decorrente da crise afeta especialmente mulheres, que se concentram no setor de serviços1, o mais afetado pela crise. No Brasil, mulheres são mais sujeitas à informalidade do que homens2. Mais de 90% dos trabalhadores domésticos, mais vulneráveis economicamente na crise, são mulheres, e mais de 70% são negros3, indicando a maior precariedade do emprego da mulher negra.

A sobrecarga de trabalho doméstico e de funções de cuidado também pode atrapalhar o desempenho de mulheres que conseguiram adotar modalidades remotas de trabalho. Por esse motivo, a conjuntura resultante da pandemia provavelmente penalizará de forma desproporcional muitas trabalhadoras, que podem ser mais mal avaliadas e mesmo demitidas. Estudos indicam que, em outras crises econômicas, como a ocorrida em 2010 no Brasil, mulheres foram mais demitidas do que homens4.

Delineia-se, assim, um quadro no qual mulheres tornam-se mais dependentes financeiramente de seus companheiros. E, nesse momento de quarentena, famílias passam o dia todo no mesmo ambiente, em uma convivência forçada que pode exacerbar tensões. A ONU Mulheres, no documento COVID-19 na América Latina e no Caribe: como incorporar mulheres e igualdade de gênero na gestão da resposta à crise, sinalizou que isso é um fator que contribui para a violência doméstica.

A fuga da situação de violência torna-se ainda mais difícil, por conta da restrição de serviços e de movimentação na quarentena, pela possível diminuição de renda, e pela própria convivência diária e ininterrupta com o agressor. Tal cenário reflete-se em estatísticas ao redor do mundo: na China, denúncias de violência doméstica subiram três vezes no período da pandemia5, e na França, queixas subiram 32%6. Outros países, como o Reino Unido, já esperam verificar um aumento de agressões7.

No Brasil, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos constatou alta de quase 9% nas denúncias realizadas no Disque 180, destinado a denúncias de violência doméstica8. A Justiça Estadual do Rio de Janeiro divulgou que foram registrados 50% mais casos de violência doméstica a partir do momento em que o confinamento passou a ser adotado9.

2. Combate à violência doméstica no contexto internacional da pandemia

Internacionalmente, o problema provocou a criação de medidas de combate à violência doméstica muitas vezes criativas. Na França, denúncias do tipo podem ser feitas pela internet. Vítimas têm um chat para conversarem diretamente com policiais, e o site tem um botão de emergência que fecha a página e apaga da tela da vítima as mensagens trocadas se ela se encontrar em perigo.

Além disso, o Ministério...

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