Conceito de ação
Autor | Manoel Antonio Teixeira Filho |
Páginas | 50-57 |
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Conforme assinalamos em Capítulo anterior, a história do direito dos povos registra a existência de fase remota e obscura em que era permitido aos indivíduos em conflito satisfazer as suas pretensões mediante a utilização dos meios pessoais coercitivos de que dispusessem. Nesse período de autotutela de direitos os homens se digladiavam livremente sendo, cada qual, árbitro dos próprios atos vez que ausentes quaisquer normas procedimentais traçadas pelo Estado.
Nem havia, colocado entre os contendores e acima deles, um órgão imparcial, incumbido de solucionar-lhes os conflitos de interesses em que, com frequência, se envolviam.
É fácil constatar que nesse quadro de fazimento de justiça pelas próprias mãos a prevalência, em regra, acabava sendo não do direito, como seria desejável, e sim da astúcia, da prepotência, da força, da classe dominantes, enfim.
Conscientizando-se, tempos depois, de que o sistema de autodefesa estava a acarretar sérias perturbações na harmonia das relações sociais e também na ordem jurídica , o Estado demoveu-se da sua atitude marcada pela indiferença, para tornar proibido o exercício arbitrário das próprias razões veto que ainda hoje se encontra gravado nos textos legais (Código Penal, art. 345). Em decorrência da intervenção estatal nos conflitos de interesses ocorrentes entre os indivíduos, instituiu-se a Justiça Pública ou Oficial, que passou a constituir, em quase todos os países, monopólio estatal. Desse fato de extraordinária importância para o direito e para os homens, advieram a jurisdição, a ação e o processo tríade em que se apoia a estrutura da ciência processual.
A jurisdição tem, portanto, nítido caráter de substituição, dado que por intermédio dela o Estado toma o lugar do indivíduo no ato de fazer valer o direito; mais do que um poder, conseguintemente, a jurisdição se afirma como irrecusável dever estatal.
O processo representa a técnica (ou o método) de que se vale o Estado no desempenho do poder-dever de compor os conflitos intersubjetivos de interesses
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submetidos à sua cognição jurisdicional. As normas procedimentais, sendo vinculativas de todos os sujeitos do processo (juiz, partes, advogados, Ministério Público, funcionários do Juízo e outros), se destinam a evitar a instauração da arbitrariedade e do tumulto processuais. Modernamente, aliás, o processo tem sido visto como instrumento de preservação do próprio interesse público.
Quanto à ação, consagrou-se como o direito de o indivíduo provocar o exercício da função jurisdicional do Estado, a fim de que se manifeste acerca de um interesse juridicamente tutelável. Trata-se de um direito subjetivo público, hoje alteado à categoria de direito constitucional, nos sistemas normativos de diversos países, como é o caso do Brasil (Const. Fed., art. 5º, XXXV). A outorga desse direito público aos seres sociais pode ser sublinhada como um dos mais expressivos traços dos modernos Estados de Direito.
O direito de agir em juízo corresponde, sob certo aspecto, à contrapartida do Estado ao indivíduo, proveniente do fato de haver-lhe tornado defesa a autos-satisfação dos interesses. Exatamente por não se permitir ao indivíduo buscar a realização da justiça por mãos próprias, é que o nosso texto constitucional inibe a lei ordinária de excluir do Poder Judiciário a apreciação de qualquer ameaça ou lesão de direito, embora a Constituição Federal de 1697, com a Emenda n. 2/69 (art. 153, § 4º), consentisse que o ingresso em juízo pudesse ser condicionado à prévia exaustão das vias administrativas, contanto que "não exigida garantia de instância, nem ultrapassado o prazo de cento e oitenta dias para a decisão sobre o pedido". A Constituição de 1988 não contém norma semelhante, conquanto disponha, no art. 217, §1º, que "O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei".
Como resquícios atuais do período da autotutela de direitos, podem ser indigitados o esforço físico do possuidor turbado ou esbulhado, na proteção da posse (Cód. Civil, art. 1.210, § 1º) e a legítima defesa (Cód. Penal, art. 21, caput), a despeito de exigir-se, em ambos os casos, moderação por parte do defendente.
O Estado Moderno, todavia, reserva aos indivíduos a possibilidade de auto-composição do litígio (que não se confunde com a autotutela ou autodefesa), que se concretiza sob as conhecidas modalidades de: a) desistência (renúncia à pretensão); b) submissão (renúncia da resistência à pretensão); e c) transação (estabelecimento de concessões recíprocas).
a) Processualmente, a renúncia à pretensão se exterioriza não sob a forma de desistência da ação (CPC, art. 485, VIII), como seja de imaginar-se, porquanto, nesta hipótese, a extinção do processo ocorre sem pronunciamento...
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