Considerações gerais

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Páginas261-321
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Petição Inicial e Resposta do Réu no Processo do Trabalho
Capítulo I
Considerações Gerais
Dentre as formas legalmente previstas de resposta do réu às pretensões manifestadas
pelo autor, a contestação gura, sem dúvida, como a mais importante. Assim armamos
porque se o réu deixar, por exemplo, de oferecer exceção ou reconvenção, as consequências
danosas para o seu círculo jurídico serão, por certo, muito menos graves do que as derivantes
da falta de contestação, conforme procuraremos demonstrar ao longo das páginas seguintes.
Devemos, aliás, desde logo observar que a falta de contestação caracteriza não só a
revelia, senão que traz consigo, quase sempre, a aceitação tácita da veracidade dos fatos
alegados na petição inicial, segundo o ônus da impugnação especicada, de que se ocupa
o art. 341, do CPC.
A contestação representa, por assim dizer, a forma clássica de resposta do réu, sendo,
por isso, a mais frequente de todas, inclusive, no terreno do processo do trabalho. Mais do
que isso, ela é uma expressão dos regimes democráticos, aos quais repugna a ideia de que
alguém possa ser condenado sem haver recebido oportunidade para defender-se. Lembremo-
-nos de Franz Kaa em O Processo. A história política dos povos demonstra que o direito
de defesa, em sentido amplo — no qual se inclui o processual — tende a ser coarctado ou
cerceado nos regimes de vocação ditatorialesca. Os argumentos dos acusados não convêm
aos tiranos.
Vista, a contestação, sob o prisma estritamente processual, podemos armar que se
traduz na mais alta manifestação do princípio da bilateralidade, segundo o qual o juiz não
deve emitir nenhuma decisão acerca de pedido ou requerimento formulado por uma das
partes sem ouvir, antes, a parte contrária. Só em situações verdadeiramente excepcionais,
expressamente previstas em lei, será lícito ao juiz atender à solicitação de um dos litigantes
sem audiência prévia do outro, como se passa, e. g., nos domínios das tutelas provisórias,
cautelares. Essa concessão inaudita altera parte da medida, contudo, encontra no caráter
“provisório” do provimento de cautela a sua justicativa; anal, a medida liminar pode ser
revogada por despacho ou pela sentença proferida no próprio processo em que foi concedida.
O mesmo se arme quanto à liminar, na ação de segurança.
Nenhum princípio tuitivo do patrimônio jurídico do trabalhador, por mais fortes
e inveteradas que sejam as razões históricas e políticas em que se assente, será capaz de
justificar eventual eliminação do direito de defesa do empregador. Mesmo nos sítios
peculiares do processo do trabalho seria inconcebível a ideia de que a tuteia dos direitos
dos trabalhadores pudesse (ou devesse) ser empreendida, na prática, mediante o sacrifício do
direito de resposta do empregador.
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Ao direito subjetivo público, do trabalhador, de ver apreciada pelo Poder Judiciário
qualquer ameaça ou lesão de direito (Const. Federal, art. 5.º, XXXV), corresponde o do
empregador de responder às pretensões deduzidas pelo adversário (Const. Federal, arts. 5.º,
V e LV, por extensão). Veja-se, porém, que a lei não exige que o réu responda à ação, e, sim,
que lhe seja oferecida a oportunidade para responder, se o desejar. Como anotamos, páginas
atrás, se a exigência legal fosse de que o réu efetivamente respondesse estaríamos diante
de uma norma absurda, não tanto pelo fato de impor que alguém se defendesse contra a
sua vontade, mas, acima de tudo, por propiciar aos maus réus condições de fazer com que
o procedimento não tivesse curso, enquanto não resolvesse demover-se de seu intuito de
não responder.
Tanto no sistema do processo civil, quanto no do processo do trabalho, portanto, o
réu resistirá (estamos cogitando, agora, da contestação) às pretensões formuladas pelo autor
se isso for de sua conveniência. O que importa, reitere-se, é a concessão de oportunidade
para que se defenda.
Quando falamos em autor e réu não estamos a nos referir, necessariamente, a traba-
lhador e empregador, segundo essa ordem nominal. Embora, na ampla maioria dos casos,
no processo do trabalho o autor seja o trabalhador, e o réu, o empregador, há situações em
que essas posições se invertem, passando o empregador a gurar no polo ativo da relação
processual, e o autor, no passivo, como se dá, por exemplo, nos (impropriamente) chamados
“inquéritos” para apuração de falta grave (CLT, art. 494) e na ação de consignação em paga-
mento (CPC, arts. 539/549). Essa ocasional alteração topológica, todavia, em nada altera o
direito de ampla defesa, constitucionalmente assegurado (art. 5.º, LV) — que, na hipótese,
será exercido pelo trabalhador.
1. Etimologia e conceito
O substantivo contestação é originário da forma latina contestatio, de contestari. Para
Antenor Nascentes, todavia, o termo provém de contestare, cujo signicado é o de contender
com alguém por meio de testemunhas (testis) e de provas, embora tenha adquirido o sentido
antonímico de refutar.(33)
Desde há muito os estudiosos se preocupam em enunciar um conceito de contestação;
assim, colhem-se, na seara doutrinal, dentre outros, os seguintes: “É a direta contradição do
réu à ação do autor” (João Monteiro); “É a negação dos fatos em que se apoia o direito em ação
ou a adução de outros que importem o seu desaparecimento”(Aonso Fraga). Os conceitos
reproduzidos, no entanto, são, data venia, insucientes para reetir o verdadeiro alcance
da contestação. O de João Monteiro, v. g., peca por aludir, apenas, à direta contradição do
réu, como se não fosse possível a ocorrência da denominada “defesa indireta”; o de Aonso
Fraga, conquanto tenha o mérito de insinuar a possibilidade de haver defesa indireta, não
refere a viabilidade de a contestação ter um objeto meramente processual.
(33) Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa. 1.ª ed., 2.ª tir. Rio de Janeiro 1955. p. 133.
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Para nós, a contestação consiste no instrumento pelo qual o réu se opõe, direta ou
indiretamente, às pretensões formuladas pelo autor. Justiquemos o conceito.
Em regra, a contestação se dirige ao direito material alegado pelo autor, aos pedidos
por este formulados (res In iudicio deducta), seja para negar a existência da situação jurídica
em que se baseia a pretensão, seja para contrapor um fato que faça eliminar tal situação. Em
vários casos, entretanto, o réu, antes de resistir, propriamente dito, às pretensões de direito
material do autor, apresenta objeções de ordem puramente processual, como é o caso das
preliminares, a que alude o art. 337, do CPC e de alguns dos incisos do art. 485, do mesmo
Código. É o que a doutrina tem denominado de defesa processual.
Sendo assim, qualquer conceito de contestação, para ser completo, deve considerar,
também, a defesa processual ou indireta. Em suma: a contestação pode ser como objeto
não somente a pretensão deduzida pelo autor, de direito material (defesa direta), como o
próprio processo (defesa indireta). Na defesa direta, como cou dito, o réu visa a obter um
provimento jurisdicional que rejeite os pedidos apresentados pelo autor; na indireta, ele se
dirige ao processo como instrumento pelo qual o autor impetra a tutela da jurisdicional,
seja para obter a extinção do processo sem julgamento do mérito, seja para sanar eventuais
irregularidades processuais.
Na contestação, o réu, de ordinário, não formula pedidos, não deduz nenhuma
pretensão, senão que resiste a ela. Sob este aspecto, pode-se asseverar que a contestação não
altera as dimensões da lide não modica, enm, os lindes objetivos da entrega da prestação
jurisdicional, embora deva ser reconhecido que ela amplia o campo de cognição do juiz,
pelo trazimento de fatos capazes de modicar, de impedir ou de extinguir o direito em que
o autor funda a ação. Os limites da lide são estabelecidos pelo autor, na petição inicial. Em
caráter excepcional, o réu formulará pedido de direito material na contestação, como são os
casos da retenção e da compensação (CLT, art. 767). Somente na reconvenção é que o réu
deduz, naturalmente, pretensões de direito material, oportunidade em que se transforma
em autor, para os efeitos dessa modalidade reversiva de resposta.
2. Escorço histórico
Não há uma uniformidade doutrinária quanto ao momento em que a contestação
surgiu no direito romano. Para alguns, ela já era encontrada no período das legis actiones;
para outros, contudo, só apareceu na época do processo formulário.
Uma coisa é certa: a contestação já era conhecida na fase do processo por fórmulas,
onde aparecia com as denominações de lis ordmata, iuatctum acceptum, constitutum, etc.
Este processo se caracterizava pelo fato de determinadas fórmulas de ações e de defesas
serem elaboradas por jurisconsultos, cabendo aos litigantes pronunciá-las em juízo, na pre-
sença do pretor. O rigorismo dessas fórmulas fazia com que se a parte deixasse de mencionar
uma única sílaba ou palavra não lhe fosse concedida a ação. Se o fosse, o pretor autorizava
o uso da ação, cabendo ao autor formular as suas alegações, e ao réu, responder. Tanto as
alegações do autor quanto as do réu deveriam ser comprovadas por meio de testemunhas,
derivando daí a denominação de litiscontestação (litis et cum testatio).
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