Crise, desigualdades sociais e luta de classes: projetos para o Brasil na cena contemporânea.

AutorCesar, Monica de Jesus
CargoEditorial

A edição n. 51 da Revista Em Pauta: teoria social e realidade contemporânea tem como dossiê temático Serviço Social e projetos para o Brasil, cujo objetivo foi o de incentivar a produção de artigos científicos e promover a divulgação de pesquisas e estudos relevantes para pensar os grandes desafios econômicos, políticos e sociais presentes na realidade brasileira. Desafios postos pelo aprofundamento das desigualdades sociais, aumento da concentração de renda, agravamento da pobreza e da extrema pobreza, derivados de mais um estágio da contrarrevolução preventiva, que particulariza a luta de classes no país. As manobras golpistas das classes dominantes, apoiadas em históricos arranjos entre os setores empresarial-militar e as forças políticas que representam o que há de mais arcaico no capitalismo brasileiro, em sua forma periférica e dependente, consolidam uma cultura política na gestão das crises, que restringe e faz regredir conquistas importantes no campo democrático, dos direitos sociais e humanos, assim como na dimensão estratégica assumida pelas políticas públicas.

Apesar da crise atual ter sido correlacionada à pandemia de Coronavirus Disease (Covid-19), principalmente pela mídia e por autoridades, políticos e intelectuais, a rigor, é a crise do capital preexistente que foi aprofundada nestes últimos anos, assim como, o neoliberalismo, adotado como política econômica, estrutura jurídico-política e ideológica, tomada como alternativa de superação das recessões generalizadas da economia capitalista desde os anos 1970/1980. Nessa perspectiva, a pandemia agudizou a atual crise do capitalismo em escala mundial, tendo em vista a permanência dos fundamentos do colapso de 2007-2008, a persistência do neoliberalismo e de sua defesa dos interesses do capital financeiro e, sobretudo, o aprofundamento das desigualdades sociais na geopolítica capitalista, a despeito dos vultuosos investimentos para o controle da disseminação da Covid-19 (MAR-QUES, 2021, p. 14).

As medidas neoliberais avançaram ainda mais contra regulamentações e controles à voracidade do capital, que haviam sido estabelecidos como fruto das lutas dos trabalhadores e trabalhadoras. Esse movimento foi acompanhado da proposição e, em alguns casos, efetivação de uma série de contrarreformas (administrativa, previdenciária, trabalhista, ensino médio e tributária) concomitantes ao desenvolvimento acelerado de modalidades de investimento e especulação, que conduziram à dominância do capital sob as formas fictícias de financeirização. A contrarreforma do Estado, em particular, reconfigurou as relações público-privado e modificou as formas de intervenção do Estado, com a privatização de suas funções, em prol de um suposto Estado mínimo. Nas últimas décadas, a intervenção estatal passou a ser demonizada pelos ultraneoliberais, principalmente no que se refere às ações sociais voltadas para "os de baixo", porém continua servindo como instrumento de dominação burguesa, favorecendo "os de cima". Assim, as ações do Estado acabam, em última instância, atendendo aos interesses do capital, em suas funções de acumulação e legitimação.

O Estado, no desenvolvimento de diferentes formas de enfrentamento das expressões da questão social, atua sobre as relações capitaltrabalho com alterações nas formas jurídicas que regulamentam essas relações em função das necessidades do capital, mas que são apresentadas no discurso dominante como uma necessidade e, até mesmo, como uma suposta vantagem para a própria força de trabalho, escamoteando o aprofundamento das desigualdades sociais. Entretanto, a crise do capital incidiu diretamente sobre o emprego da força de trabalho, com o crescimento acelerado da massa de desempregados, engrossando o exército industrial de reserva ou a superpopulação relativa e aumentando em todo o mundo o contingente de trabalhadores supérfluos à dinâmica capitalista. Houve a intensificação da precarização do trabalho, com a expansão de formas de trabalho supostamente "autônomas", como no fenômeno da uberização, onde os trabalhadores são acionados para a prestação de serviços via plataformas digitais, geridas por megaempresas tecnologicamente avançadas que, ao contrário do ideário empresarial, submetem os "parceiros" à intensa exploração do trabalho, transferindo para eles os custos das operações (FILGUEIRAS; AN-TUNES, 2020). Os impactos da crise sobre o emprego da força de trabalho se somam ao conjunto de determinações que fizeram eclodir e desnudar o acirramento das desigualdades durante a pandemia.

O processo de aprofundamento das desigualdades em diferentes dimensões da vida social foi brutalmente acelerado e despido pela crise sanitária da Covid-19. O relatório da Oxford Committee for Famine Reliefe (OXFAM) aponta que "a pequena elite mundial de 2.755 bilionários viu sua fortuna crescer mais durante a pandemia de Covid-19 do que nos últimos quatorze anos, quatorze anos que foram de bonança para o patrimônio bilionário" (2022, p. 10). Além disso, o relatório da OXFAM mostra que "a desigualdade mata" pois, em razão da Covid-19, a riqueza dos dez homens mais ricos do mundo dobrou, enquanto a renda de 99% da humanidade decaiu e a desigualdade contribui para a morte de pelo menos uma pessoa a cada quatro segundos. Desde 1995, os 1% mais ricos tiveram quase 20 vezes mais da riqueza global do que os 50% mais pobres da humanidade. Hoje, "estima-se que mais de 163 milhões de pessoas vivem na pobreza com menos de US$ 5,50 por dia". (2022, p. 22).

No Brasil, as desigualdades crescem vertiginosamente, para além de seu caráter de classe, adensando...

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