Criticism of value and social domination in Moishe Postone: prolegomena to rethink Karl Marx's critique of political economy/Critica do valor e dominacao social em Moishe Postone: prolegomenos para repensar a critica da economia politica de Karl Marx.

AutorSilva, Gerson dos Santos
CargoTexto en portugues

Introducao

Diante da atual encruzilhada historica que vivemos, entendemos ser fundamental o esforco critico de se pensar o nosso tempo e deixar contributos que venham nutrir e direcionar acoes concretas comprometidas com a transformacao radical dessa sociedade. Nesse sentido, nosso trabalho objetiva construir alguns elementos para se repensar a critica da economia politica de Marx frente a atual formatacao do capitalismo. Deixamos aqui apenas algumas hipoteses de trabalho, algumas contribuicoes destituidas de qualquer traco de originalidade por parte deste autor que vos escreve.

A obra de Moishe Postone se inscreve no contexto da "crise do marxismo tradicional e da emergencia do que parece ser uma nova fase do desenvolvimento do capitalismo industrial avancado" (POSTONE, 2014, p. 21). Sua abordagem se insere na corrente teorica chamada "critica do valor" (wertkritik), que busca na critica radical das categorias fundamentais da critica de Marx as chaves para a apreensao das transformacoes societarias docapitalismo contemporaneo.

Na obra Tempo, trabalho e dominacao social, Postone (2014) realiza uma reinterpretacao da critica da economia politica de Marx buscando construir uma reconceituacao da natureza da sociedade burguesa. Essa reinterpretacao das categorias fundamentais da critica imanente de Marx torna-se extremamente necessaria, a medida que, a partir da reconceituacao categorial, torna-se possivel identificar a atualidade imprescindivel da critica da economia politica frente a atual formatacao do capitalismo e sua urgente necessidade de supressao historica.

No percurso expositivo da obra, o autor apresenta criticas as debilidades das analises postuladas pelo chamado "marxismo tradicional"; essas limitacoes interpretativas se assentam na forma como as categorias basicas da critica madura de Marx sao analisadas. Dessa forma, o autor constroi uma serie de argumentos criticos a luz dos escritos maduros de Marx, demonstrando um conjunto de problemas e lacunas dessas interpretacoes e as dificuldades de se pensar a superacao do capitalismo a partir do "marxismo tradicional". Portanto, torna-se imprescindivel explicitar a caracterizacao geral do que Postone (2014, p. 21-22) considera ser o "marxismo tradicional":

A expressao 'marxismo tradicional' nao se refere a uma tendencia historica especifica no marxismo, mas, de modo geral, a todas as abordagens teoricas que analisam o capitalismo do ponto de vista do trabalho e que caracterizam tal sociedade essencialmente em termos de relacoes de classe estruturadas pela propriedade privada dos meios de producao e uma economia regulada pelo mercado. As relacoes de dominacao sao entendidas primariamente em termos de dominacao e exploracao de classe. Como e sabido, Marx argumentou que no curso do desenvolvimento do capitalismo emerge uma tensao estrutural, ou contradicao, entre as relacoes sociais que caracterizam o capitalismo e as forcas produtivas. Em geral essa contradicao tem sido interpretada como uma oposicao entre, de um lado, propriedade privada e mercado e, de outro, o modo de producao industrial, pela qual a propriedade privada e o mercado sao tratados como as marcas distintivas do capitalismo, e a producao industrial e postulada como a base de uma futura sociedade socialista. O ponto nevralgico que sera tensionado por Postone (2014) relaciona-se a categoria trabalho e a perspectiva ontologica e trans-historica abordada pelas analises tradicionais. Para o autor, o procedimento analitico do "marxismo tradicional", fundamentado na concepcao de centralidade do trabalho, ancora-se em uma critica que se reduz ao modo de distribuicao e nao ao modo de producao como tal, a medida que a possibilidade de uma nova forma historica (socialismo) viria a se desenvolver na base do modo de producao industrial, pela mediacao social do trabalho sobre uma estrutura igualitaria de socializacao de riquezas sociais. Esta concepcao implica a supressao do capitalismo a partir do fim da propriedade privada dos meios de producao e do mercado como instancia autorreguladora. Nesse sentido, esta critica apresenta fragilidades que serao tensionadas a frente, pois, segundo a reinterpretacao da critica de Marx realizada por Postone, nao se trata de realizar uma critica a sociedade burguesa pelo ponto de vista do trabalho, mas sim partir do trabalho como ponto fundamental da critica.

Para Postone (2014), a finalidade da critica da economia politica de Marx e propor uma exposicao categorial que apreenda a especificidade da sociedade burguesa e, a partir disto, que oriente alternativas reais de sua negacao historica. Partindo desta compreensao de uma forma especifica de dominacao social presente na critica de Marx, a negacao historica do capitalismo nao se realizara no momento em que a classe trabalhadora tomar o poder, justamente pela compreensao de que a sociedade burguesa nao se estrutura apenas em uma forma de dominacao e exploracao entre as classes. Sabemos que, de fato, as relacoes antagonicas entre as classes existem e se expressam via exploracao; entretanto, essa caracteristica constitui a sociabilidade imediata que of usca a propria estrutura logicohistorica do capitalismo, pois, na essencia desta sociedade, a dominacao e realizada como dominacao social formal pela mediacao do trabalho, constituindo relacoes nas quais os individuos sao dominados pela producao, e nao o contrario.

Para abordar as analises de Moishe Postone percorremos sua obra Tempo trabalho e dominacao social, publicada originalmente em 1993 e traduzida para o portugues em 2014. No curso dessas analises, fundamentamos nossas leituras nos escritos maduros de Marx, recorrendo ao livro I de O capital (2013), ao Grundrisse (2011) e ao Contribuicao a critica da economia politica (2008).

A partir de Postone (2014) podemos repensar a critica de Marx ao capitalismo, apreendendo o carater essencial da formacao social capitalista, bem como seu desenvolvimento historico, sua formatacao especificamente reificada e suas formas particulares de dominacao social abstrata. Essa compreensao implica pensar a sociedade burguesa para alem das formas de aparencia que a caracterizam. Por isso, Postone (2014, p. 18) nao conceitua o capitalismo primariamente em termos de distribuicao na esfera funcional do mercado e da propriedade privada dos meios de producao:

Conceituo o capitalismo em termos de uma forma historicamente especifica de interdependencia social com um carater impessoal e aparentemente objetivo. Essa forma de interdependencia se realiza por in-termedio de relacoes sociais constituidas por formas determinadas de pratica social que, nao obstante, se tornam quase independentes das pessoas en-gajadas nessas praticas. Como veremos, esta caracteristica do capitalismo de "interdependencia social" implica o desenvolvimento de relacoes sociais que adquirem um carater especifico, pois sao marcadas por uma "forma nova e crescentemente abstrata de dominacao" (POSTONE, 2014, p. 18). A medida que essa forma de dominacao social se externaliza e se autonomiza pela mediacao social do trabalho na sociedade capitalista, seus imperativos e coercoes impessoais passam a determinar transformacoes substantivas no conjunto da vida social, inviabilizando, assim, a possibilidade de relacoes sociais abertas entre os individuos e constituindo uma forma de relacao ancorada na "dependencia coisal". Nas palavras de Marx (2011, p. 112):

Essas relacoes externas tampouco sao uma supressao das 'relacoes de dependencia', dado que sao apenas a sua resolucao em uma forma universal; sao, ao contrario, a elaboracao do fundamento universal das relacoes pessoais de dependencia. Tambem aqui os individuos so entram em relacao entre si como individuos determinados. Essas relacoes de dependencia coisal, por oposicao as relacoes de dependencia pessoal (a relacao de dependencia coisal nada mais e do que as relacoes sociais autonomas contrapostas a individuos aparentemente independentes, i.e., suas relacoes de producao reciprocas deles proprios autonomizadas), aparecem de maneira tal que os individuos sao agora dominados por abstracoes, ao passo que antes dependiam uns dos outros. A forma de dominacao abstrata da sociedade burguesa exige que as relacoes sociais ocorram como relacoes (reificadas) entre coisas; o produto final do trabalho tornou-se um bem externo, um corpo de valor que enfrenta seu proprio criador. Essa forma de "interdependencia social" esta diretamente ligada a especificidade historica do trabalho na sociedade burguesa. O trabalho "constitui uma forma de mediacao social historicamente especifica, quase objetivo que, no ambito da analise de Marx, serve como o fundamento social central das caracteristicas essenciais da sociedade" (POSTONE, 2014, p. 19). Na forma como as relacoes sociais se estruturam no capitalismo, nenhum individuo consome diretamente o valor de uso que produz, mas e apenas pela mediacao de seu proprio trabalho que ele consegue ter acesso aos produtos de que necessita. Ao inserir o trabalho e a mercadoria como mediacoes sociais unicas, o proprio trabalho e a mercadoria se relacionam, impedindo relacoes abertas entre os individuos. Trabalho, mercadoria e mercadoria-dinheiro tornam-se automediados, determinando que as relacoes sociais capitalistas ocorram impreterivelmente como relacoes entre coisas. Como veremos mais a frente, esta forma abstrata de dominacao implica pensar a natureza da sociedade burguesa para alem do conflito entre as classes sociais.

A natureza da sociedade burguesa e fundamentalmente marcada pelo trabalho em seu duplo carater. Essa forma de mediacao social constituida por um duplo carater (abstrato-concreto) e historica e particular da sociedade burguesa; desse modo, as formas de interacao entre homem e natureza que precederam o capitalismo conservam particularidades que as difere da sociedade da mercadoria.

No curso expositivo de nossa analise, veremos que Postone (2014) realiza uma diferenciacao entre o trabalho...

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