A culpa exclusiva da vítima e de terceiros

AutorSilvia Fernandes Chaves
Páginas52-63

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Muitas vezes, os empregados se submetem aos mais diversos riscos no ambiente de trabalho em razão do medo do desemprego. Ulrich Beck assevera que

O outro lado da provisoriedade da qual se reveste o desemprego é a metamorfose da causalidade externa em culpa própria, de problemas sistêmicos em fracasso pessoal. A precariedade que ao longo de contínuas tentativas se converte em desemprego duradouro é a via crucis da autoconfiança. Na contínua exclusão do possível, o desemprego, algo externo, portanto, penetra passo a passo na pessoa, convertendo-se num atributo seu. A nova pobreza é, sobretudo, mas não apenas, um problema material. É também essa autodestruição que, aceita em silêncio, consumada no discurso ritual das vãs tentativas de evitá-la, prolifera nos subterrâneos de um destino coletivo.45

Esse medo do desemprego se traduz, evidentemente, como diz Beck, em fracasso pessoal, fracasso esse que faz com que a pessoa se submeta a qualquer situação para evitar essa sensação.

Almejando evitar esse fracasso, os empregados passam a se submeter a inúmeros riscos no meio ambiente de trabalho, realizando atividades que não se coadunam com a dignidade da pessoa humana, e se expondo a riscos que podem, até mesmo, causar-lhes a morte. Conforme leciona Cirlene Luiza Zimmermann,

O trabalho está associado diretamente com a possibilidade de sobrevivência. Assim, quando uma pessoa busca se inserir no mercado de trabalho, está tentando satisfazer sua necessidade de continuar a viver, de poder, com o resultado econômico da sua atividade, ter acesso aos bens de consumo e manter a si e a sua família, motivo pelo qual não há como ignorar o impacto direto e perigoso do trabalho no processo vital do ser humano, que, muitas vezes, premido pela necessidade de sobrevivência, aceita submeter-se às piores e mais degradantes condições de trabalho, de modo algum aceitáveis como ensejadoras de uma vida digna.46>

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Ao se submeterem aos mais diversos riscos, os empregados muitas vezes dão causa aos acidentes do trabalho, tornando-se responsáveis pelo infortúnio.

Os motivos da ocorrência desses acidentes por culpa exclusiva do empregado são diversos e devem ser minuciosamente apurados. A culpa exclusiva da vítima é uma excludente de ilicitude, razão pela qual, sempre que for comprovada a culpa exclusiva do empregado, o empregador não terá o dever de indenizar na ação regressiva, uma vez que não agiu com negligência na adoção de medidas de saúde e segurança no meio ambiente do trabalho.

Existem, ainda, os danos causados por terceiros, colegas de trabalho, funcionários de outras empresas prestadoras de serviço, prestadores de serviço, clientes etc. Todas essas pessoas, consideradas como terceiros no vínculo entre empregado e empregador, também podem submeter o trabalhador a riscos, e a culpa, nesse caso, não será atribuída à empresa, já que o risco foi causado por alguém externo a ela.

Considerando, outrossim, que o artigo 120 da Lei n. 8.213/91 dispõe que, nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis.

De acordo com o artigo 157 da Consolidação das Leis do Trabalho, cabe às empresas cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho, instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais, adotar as medidas que lhe sejam determinadas pelo órgão competente e facilitar o exercício da fiscalização pelas autoridades competentes. Por conseguinte, terceiros não são responsáveis pelo cumprimento de tais normas, e, assim, não agirão de forma negligente no seu cumprimento, restando evidente a impossibilidade de ajuiza-mento de ação regressiva em seu desfavor, e tão somente do empregador. Em recente julgado do Tribunal Regional Federal da 4a Região, foi condenada em ação regressiva, nos autos da Apelação Cível n. 5008832-43.2014.4.04.7001/PR, a tomadora dona da obra, sob o argumento de que o artigo 120 da Lei n. 8.213/91 dispõe sobre o dever de propor ação regressiva contra os responsáveis.

Embora o artigo 120 da Lei n. 8.213/91 disponha que a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis, evidentemente, por força do artigo 157 da Consolidação das Leis do Trabalho, os responsáveis só podem ser os empregadores:

Art. 157. Cabe às empresas:

I - cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho;

II - instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais;

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III - adotar as medidas que lhes sejam determinadas pelo órgão regional competente;

IV - facilitar o exercício da fiscalização pela autoridade competente.

Por conseguinte, como a Consolidação das Leis do Trabalho não é omissa quanto à fixação do responsável pelo cumprimento das normas de segurança e medicina do trabalho, o responsável será sempre a empresa empregadora, ainda que o artigo 120 da Lei n. 8.213/91 não o descreva. Por outro lado, entendemos pela inaplicabilidade da Súmula n. 331 do TST, que dispõe:

Súmula n. 331 do TST - CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011

I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei n. 6.019, de 03.01.1974).

II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).

III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei n. 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.

V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n. 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

VI - A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.

Súmula não é lei, e, por isso, deve ser aplicada tão somente nos casos em que seja cabível, no âmbito dos Tribunais do Trabalho, que não são competentes para o julgamento das ações regressivas, razão pela qual, ainda que referida Súmula traga a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços, não se aplica às ações regressivas.

Responsabilizar terceiro não é cumprir o dever de ajuizar ação regressiva imposto pelo artigo 120 da Lei n. 8.213/91 por força do artigo 157 da Consolidação das Leis do Trabalho e por força da existência da Súmula 331 do TST, que deve ser aplicada somente no âmbito dos Tribunais do Trabalho.

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Seguro de Acidentes do Trabalho (SAT) e suas implicações para o empregador e o empregado

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