Da Liquidação no Processo do Trabalho

AutorMauro Schiavi
Páginas234-258

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Do conceito de liquidação de sentença e sua natureza jurídica

Segundo os ensinamentos obtidos da melhor doutrina, a liquidação tem lugar quando a sentença ou acórdão não fixam o valor da condenação ou não individualizam o objeto da execução. A decisão contém a certeza da obrigação e das partes que são credora e devedora dessa obrigação (an debeatur), mas não fixa o montante devido (quantum debeatur).

A liquidação constitui, assim, uma fase preparatória, de natureza cognitiva1, em que a sentença ilíquida passará a ter um valor determinado ou em que será individualizada a prestação ou objeto a ser executado, por um procedimento previsto em lei, conforme a natureza da obrigação prevista no título executivo.

A Consolidação das Leis do Trabalho, por opção legislativa e tendo à vista a simplicidade do processo do trabalho, inseriu a liquidação no Capítulo da Execução, uma vez que o art. 879 da CLT, que regulamenta a liquidação trabalhista, está inserido no Capítulo V, que trata da Execução. Dispõe o referido dispositivo consolidado:

Sendo ilíquida a sentença exequenda, ordenar-se-á, previamente, a sua liquidação, que poderá ser feita por cálculo, por arbitramento ou por artigos. § 1º Na liquidação, não se poderá modificar, ou inovar, a sentença liquidanda nem discutir matéria pertinente à causa principal. (Parágrafo único transformado em § 1º pela Lei n. 8.432, de 11.6.1992, DOU 12.6.1992) § 1º-A. A liquidação abrangerá, também, o cálculo das contribuições previdenciárias devidas. (Acrescentado pela Lei n. 10.035, de 25.10.2000, DOU 26.10.2000) § 1º-B. As partes deverão ser previamente intimadas para a apresentação do cálculo de liquidação, inclusive da contribuição previdenciária incidente. (Acrescentado pela Lei n. 10.035, de 25.10.2000, DOU 26.10.2000) § 2º Elaborada a conta e tornada líquida, o Juiz deverá abrir às partes prazo comum de 08 dias para impugnação fundamentada com a indicação dos itens e valores objeto da discordância, sob

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pena de preclusão. § 3º Elaborada a conta pela parte ou pelos órgãos auxiliares da Justiça do Trabalho, o juiz procederá à intimação da União para manifestação, no prazo de 10 (dez) dias, sob pena de preclusão. (Parágrafo alterado pela Lei n. 11.457, de 16.3.2007, DOU 19.3.2007) (Nova redação com vigência a partir do primeiro dia útil do segundo mês subsequente à data de publicação da Lei n. 11.457/2007) § 4o A atualização do crédito devido à Previdência Social observará os critérios estabelecidos na legislação previdenciária. § 5º O Ministro de Estado da Fazenda poderá, mediante ato fundamentado, dispensar a manifestação da União quando o valor total das verbas que integram o salário de contribuição, na forma do art. 28 da Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991, ocasionar perda de escala decorrente da atuação do órgão jurídico. (Parágrafo acrescentado pela Lei n. 11.457, de 16.3.2007, DOU 19.3.2007 com vigência a partir do primeiro dia útil do segundo mês subsequente à data de publicação da Lei n. 11.457/2007) § 6º Tratando-se de cálculos de liquidação complexos, o juiz poderá nomear perito para a elaboração e fixará, depois da conclusão do trabalho, o valor dos respectivos honorários com observância, enre outros, dos critérios de razoabilidade e proporcionalidade. § 7º A atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial será feita pela Taxa Referencial (TR), divulgada pelo Banco Central do Brasil, conforme a Lei no 8.177, de 1º de março de 1991.

Com a liquidação, o título executivo judicial está apto para ser executado, pois, se o título não for líquido, certo e exigível, o procedimento de execução é nulo.

Como destaca Pedro Paulo Teixeira Manus2:

(...) entende-se por liquidação de sentença o conjunto de atos processuais necessários para aparelhar o título executivo, que possui certeza, mas não liquidez, à execução que se seguirá. Com efeito, tratando-se de condenação do reconhecimento de obrigação de dar quantia certa, quase sempre a decisão que se executa, embora certa quanto ao seu objeto, não traz os valores devidos de forma líquida3.

Para Manoel Antonio Teixeira Filho4, a liquidação constitui: a) fase preparatória à execução; b) em que um ou mais atos são praticados; c) por uma ou por ambas as partes;

  1. com a finalidade de determinar o valor da condenação; e) ou de individuar o seu objeto; f) mediante a utilização, quando necessário, dos meios de prova admitidos em lei.

    A doutrina ainda não chegou a um consenso sobre a natureza jurídica da sentença de liquidação. Para alguns, a natureza é declaratória; para outros, constitutiva.

    Para Liebman, a natureza jurídica da liquidação é declaratória, uma vez que traz a lume aquilo que se encontra implicitamente na sentença anterior. Para outros, como

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    Pontes de Miranda, a natureza jurídica é constitutivo-integrativa, uma vez que não se limita à mera declaração, mas também dá uma certeza àquilo que até então era incerto.

    No nosso sentir, a liquidação é uma fase integrativa5 da sentença, de natureza constitutiva6, fazendo parte da fase de conhecimento, que visa a apurar o quantum debeatur ou individualizar o objeto da execução. Nesse sentido, destacamos a posição de Antonio Carlos Matteis de Arruda7:

    A liquidação da sentença condenatória genérica, em nossa legislação processual civil, se faz por meio da propositura de uma ação de conhecimento especial, processualmente diversa e autônoma, em relação à anterior ação de natureza condenatória, sendo certo que essa ação de liquidação é de natureza constitutivo-integrativa.

    Discute-se na doutrina e na jurisprudência se o Juiz do Trabalho pode iniciar a liquidação, de ofício, determinando que a Secretaria ou um perito contador realize a conta de liquidação, sem oportunizar às partes a elaboração dos cálculos ou dos artigos de liquidação.

    Argumentam os defensores da liquidação de ofício pelo juiz que ela propicia maior celeridade processual e maior qualidade na elaboração do cálculo. Sustentam ainda que a liquidação por iniciativa do juiz encontra suporte no impulso oficial da execução, na própria redação do caput do art. 879, da CLT e, na interpretação teleológica do § 3º do art. 879 da CLT, possibilita ao Juiz do Trabalho determinar a realização dos cálculos de liquidação.

    Nesse sentido a visão de Wolney de Cordeiro Macedo8:

    “(...) O procedimento executivo de liquidação tem início por iniciativa do próprio Juiz do Trabalho, não sendo necessária a provocação por parte dos litigantes (CLT, art. 879, caput). Essa atipicidade já é suficiente para revelar a inviabilidade de se reconhecer a autonomia procedimental à liquidação e a respaldar a inequívoca conclusão do seu caráter estritamente incidental. Nesse caso, tratando-se de proceidmento de liquidação, não incide na hipótese o dispostos no art. 878. O desencadeamento da liquidação não se confunde com o início da liquidação que se submete à regência do art. 879, caput.”

    De nossa parte, entendemos que o Juiz do Trabalho somente deve tomar a postura de liquidar a sentença de ofício em casos excepcionais, na hipóteses em que o trabalhador

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    estiver sem advogado9, valendo-se do jus postulandi, ou quando o reclamante tiver advogado, mas este justificadamente, não puder realizá-la. Em outras situações, deve o Juiz do Trabalho ponderar as circunstâncias do caso concreto.

    Em Varas nas quais observamos a liquidação por iniciativa do juiz não constatamos resultados satisfatórios. Além disso, houve grande dissenso das partes e inúmeros incidentes de impugnação.

    Por outro lado, como bem ressaltou o jurista Wolney de Cordeiro Macedo, o Juiz do Trabalho poderá provocar a parte para que dê início à liquidação (art. 879, caput, da CLT e art. 6º do CPC).

    A CLT disciplina as três espécies de liquidação no art. 879. Diz o caput do referido dispositivo que:

    (...) sendo ilíquida a sentença exequenda, ordenar-se-á, previamente, a sua liquidação, que poderá ser feita por cálculo, arbitramento ou por artigos.

    No nosso sentir, ainda que determinado no título executivo com trânsito em julgado que a liquidação se processe por cálculos, poderá o Juiz do Trabalho se valer das três modalidades de liquidação, se necessário, para se chegar ao quantum devido, pois não há vedação na legislação processual e tal conduta se coaduna com os princípios do fiel cumprimento da obrigação consagrada no título executivo e também da máxima efetividade da jurisdição.

    Nesse sentido é a Súmula n. 344 do STJ, in verbis:

    Liquidação — forma diversa na sentença — não ofensa à coisa julgada. A liquidação por forma diversa da estabelecida na sentença não ofende a coisa julgada.

    Nesse sentido, vale transcrever a seguinte ementa:

    Desde que não implique prejuízo aos legítimos interesses das partes, o juiz pode, em situações especiais, variar a forma de liquidação, convertendo para cálculos a liquidação a princípio fixada por artigos, sempre que os autos contiverem elementos bastantes para possibilitar a realização da conta. (TRT – 12a R. – 3a T. – Ac. n. 001838/95 – rela. Juíza Lília L. Abreu – DJSC 20.04.95 – p. 77)

    O termo “sentença” deve ser interpretado em sentido amplo para abranger a sentença de primeiro grau e também os acórdãos, tanto dos TRTs como do TST. No processo do trabalho, assim como no processo civil, há três modalidades de liquidação:

  2. por cálculos; b) por arbitramento; e c) por artigos.

    A liquidação não pode ir aquém ou além do que foi...

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