Os dados das políticas e a voz das pessoas privadas de liberdade: potencializando a intervenção com evidências e sensibilidade

AutorMaria Gabriela Peixoto
Páginas109-127
109
2.
OS DADOS DAS POLÍTICAS
E A VOZ DAS PESSOAS
PRIVADAS DE LIBERDADE:
POTENCIALIZANDO A
INTERVENÇÃO COM
EVIDÊNCIAS E SENSIBILIDADE
Maria Gabriela Peixoto31
INTRODUÇÃO
Há tempos, estudos e dados atuais denotam que a atuação do sis-
tema de justiça criminal brasileiro resulta num sistema penitenciário
caracterizado pela superpopulação e superlotação, o qual favorece o
cumprimento de penas em condições desumanas e em desrespeito aos
direitos humanos. O contexto de vulnerabilidade, anterior e pós cár-
cere, submete essas pessoas a um ciclo ininterrupto de violências e, na
maioria das vezes, a uma trajetória de vida marcada pela criminalidade.
31 Doutora em Direito Penal pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ,
graduada e mestre em Direito pela Universidade de Brasília - UnB. Foi Ouvidora
Nacional dos Serviços Penais do Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN
(2015 a 2019). Ex conselheira do Conselho Nacional de Política Criminal e
Penitenciária – CNPCP (2016 a 2018). Pesquisadora e professora universitária com
experiência em Criminologia, Política Criminal, Direito Penal e Direito da Execução
Penal. Integrante do Laboratório de Gestão de Políticas Penais – LabGEPEN. Email:
mariavpeixoto@gmail.com
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As últimas informações oficiais publicadas pelo Departamento
Penitenciário Nacional Brasileiro (Depen) revelam que a população
prisional brasileira supera 726.354 pessoas, sendo que a taxa de ocu-
pação do sistema, estimada em 171,62%, tende a cada vez aumentar
visto que permanece em constante crescimento (o índice de aprisio-
namento32 estava em 349,78, conforme dados o Infopen/junho 2017
(INFOPEN, 2019). Importa destacar, igualmente, que o perf‌il dessa po-
pulação denota estarmos tratando de um sistema seletivo, marcado por
profundas desigualdades de classe e raça. Af‌inal, a maior parte dessa
população é composta por jovens, onde 29% possuem 18 a 24 anos,
seguindo de 24,1% entre 25 a 29 anos. Em sua maioria, são pessoas
pretas e pardas, as quais totalizam 63,6%.
Outra informação relevante que compõe o contexto sobre o qual es-
tamos tratando refere-se ao perf‌il de escolaridade desse grupo: 51,3%
destas pessoas possuem o ensino fundamental incompleto, seguido de
14,9% com ensino médio incompleto e 13,1% com ensino fundamen-
tal completo. O percentual de presos que possuem ensino superior
completo é de 0,5%. No entanto, temos que apenas 10,58% da popula-
ção prisional no Brasil está envolvida em algum tipo de atividade edu-
cacional, entre aquelas de ensino escolar e atividades complementares.
Os dados do referido Informativo do Depen apontam que no primeiro
semestre de 2017, apenas 17,5% da população prisional estava envolvi-
da em atividades laborais, internas e externas às unidades penais, o que
representa um total de apenas 127.514 pessoas trabalhando. Essas infor-
mações denotam que estamos tratando de pessoas que já tiveram sua tra-
jetória de vida marcadas por violações e precariedades e, como sabemos, a
vivência prisional tende a perpetuar esse cenário de vulnerabilidade.
Ainda que estabeleça em seu 1º artigo que a pena deve proporcionar
condições para a harmônica integração social do condenado e do inter-
nado”, e que “a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, ob-
jetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em socieda-
de”(art. 10 da Lei de Execução Penal - LEP), temos que o cumprimento
de penas no sistema penitenciário brasileiro é marcado por condições
precárias de custódia e por graves violações de direitos. O ideário rea-
bilitador e ressocializador proposto pela própria LEP brasileira não se
32 A taxa de aprisionamento é calculada pela razão entre o número total de pessoas
privadas de liberdade e a quantidade populacional do país, a razão obtida é multi-
plicada por 100 mil.

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