Decisão Monocrática Nº 0000306-69.2019.8.24.0030 do Segunda Vice-Presidência, 07-05-2020

Número do processo0000306-69.2019.8.24.0030
Data07 Maio 2020
Tribunal de OrigemImbituba
ÓrgãoSegunda Vice-Presidência
Classe processualRecurso Especial
Tipo de documentoDecisão Monocrática



ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Recurso Especial n. 0000306-69.2019.8.24.0030/50001, de Imbituba

Recorrente : Paulo Odilon Xisto Filho
Advogados : Aury Celso Lima Lopes Junior (OAB: 31549/RS) e outros
Recorrido : Ministério Público do Estado de Santa Catarina
Procs.
de Just. : Abel Antunes de Mello (Procurador de Justiça) e outro
Interessado : Assistente de Acusação
Advogada : Daniela Felix Teixeira (OAB: 19094/SC)

DECISÃO MONOCRÁTICA

Paulo Odilon Xisto Filho, com fulcro no art. 105, III, "a" e "c", da Constituição da República, interpôs Recurso Especial contra os acórdãos proferidos pela Segunda Câmara Criminal que, por ocasião do julgamento do Recurso em Sentido Estrito n. 0000306-69.2019.8.24.0030 (fls. 281- 327 dos autos principais) e dos seus respectivos Embargos de Declaração (fls. 9 - 13 do incidente n. 50000), o pronunciou "como incurso nas sanções do art. 121, § 2º, II, IV e VI c/c §2º-A, I, do Código Penal, do art. 347, parágrafo único, do mesmo diploma legal, e do artigo 16, caput, da Lei n. 10.826/03, em concurso material (art. 69 do Estatuto Repressivo)".

Em síntese, alegou violação e dissídio jurisprudencial em relação aos arts. 413, caput, 414 e 415, III, do Código de Processo Penal, porque reconhecida a materialidade delitiva com fundamento no princípio do in dubio pro societate e ignoradas as provas que demonstram a inexistência do crime de homicídio.

Sustentou afronta e dissídio jurisprudencial, igualmente, em relação aos arts. 413, § 1º e 619, ambos do Código de Processo Penal, diante da manutenção das qualificadoras do feminicídio e do recurso que impossibilitou a defesa da vítima.

Por fim, alegou violação aos arts. 78, I, 381, III, e 413, caput, do Código de Processo Penal, pois falta justa causa para o julgamento do recorrente pela prática do crime conexo de fraude processual e a decisão de pronúncia não está imune à regra da fundamentação das decisões (fls. 1 - 23).

Apresentadas as contrarrazões (fls. 77 - 94), vieram os autos conclusos à 2ª Vice-Presidência.

É o relatório.

De plano, adianta-se que o Recurso Especial não reúne as condições de ascender à Corte de destino.

1. Alínea "a" do art. 105, III, da Constituição da República

1.1 Da violação aos arts. 413, caput, 414 e 415, III, do Código de Processo Penal

Sob a tese de violação aos dispositivos em referência, a defesa sustentou, inicialmente, que não há elementos suficientes para comprovar a ocorrência do crime de homicídio pelo qual o recorrente foi acusado, seja porque é inaplicável o princípio do in dubio pro societate, ou porque, a seu ver, a materialidade delitiva não ficou comprovada nos autos.

A pronúncia do recorrente foi mantida nos seguintes termos do acórdão recorrido:

Expostas as premissas iniciais, o que cabe aqui averiguar é se existe nos autos grupo de provas que ateste a existência de um homicídio e que aponte o réu como o seu autor. Em caso de resposta afirmativa a tal indagação, a manutenção da pronúncia é medida de rigor.

Passa-se, portanto, ao exame da prova existente nos autos.

O laudo cadavérico juntado à p. 23 dos autos principais atesta que a morte da vítima foi ocasionada por trauma abdominal, produzido por energia de ordem mecânica. Na descrição da análise realizada, consta:

[...]

Em seguida, o delegado de polícia responsável pelas investigações oficiou o Perito Médico Legista Angelo Ferreira Júnior, solicitando esclarecimentos a fim de complementar as investigações (p. 43 dos autos principais). Colhem-se as respostas do experto (p. 44):

[...]

Após requerimentos formulados pela defesa do apelante (p. 205/206 dos autos originais) e pelo órgão acusatório (p. 213/214), o magistrado singular novamente oficiou o perito responsável pela necropsia no corpo da vítima, formulando novos questionamentos, cujas respostas aportam à p. 253 daqueles autos, in verbis:

[...]

Foi juntado pelo mencionado expert, ainda, ilustrações indicando, externamente, os locais das lesões internas encontradas no corpo de I. (p. 254/257).

Posteriormente, respondendo aos questionamentos elaborados pelo réu em defesa prévia (p. 393, autos principais), o médico legista consignou:

[...]

Às p. 512/513 dos autos originais foi acostado Laudo Pericial Toxicológico elaborado pelos Peritos Criminais Bioquímicos do Instituto Geral de Perícias, onde foi constatado que, na vítima, havia uma concentração superior a 50 (cinquenta) microgramas de cocaína por mililitro de sangue. Em virtude disto, o Ministério Público solicitou outros esclarecimentos ao médico legista, Ângelo] Ferreira (p. 650/651), pedido deferido às p. 656/657. Destacam-se os seguintes excertos do parecer médico legal:

[...]

Foram acostados aos autos, ainda, dois ofícios assinados pelos peritos criminais bioquímicos do Instituto Geral de Perícias, respondendo] quesitos elaborados pela defesa do acusado. Destacam-se, das considerações:

[...]

Paralelamente aos laudos e manifestações oficiais, a defesa do apelante, no decorrer de toda a instrução criminal, juntou pareceres médicos elaborados por assistentes técnicos, todos com o intento de rechaçar a tese acusatória de homicídio.

Inicialmente, foi anexado às p. 659/663 daqueles autos parecer subscrito pelo médico Nicolau Fernandes Kruel, atestando que "a manobra cardiorrespiratória pode ocasionar trauma hepático" e que "a causa mortis da I. foi overdose, constatada pela dosagem elevadíssima de cocaína, acima de 50 micrograma por ml, que levou a complicação cardiovascular e parada cardíaca".

Às p. 664/673, foi juntado parecer toxicológico elaborado pelos profissionais Carlos Eduardo Becker e Marco Antônio Dexheimer declarando que a quantidade de cocaína encontrada no sangue da vítima era cerca de cem vezes superior aos valores médios observados em quadros de overdose.

Referida conclusão foi ratificada pelo parecer médico assinado por Zulmar Vieira Coutinho (p. 674/678 e anexos).

Consta naqueles autos, ainda, parecer médico legal de lavra de Fortunato Antonio Badan Palhares (p. 804/850 e anexos). Neste, há apontamentos quanto a supostas falhas metodológicas no exame necroscópico realizado na vítima, mormente quanto à ausência de estudos histológicos ou exames anatomopatológico nos órgãos e lesões encontrados no corpo. Da conclusão do referido parecer, colhe-se:

[...]

Em cotejo às provas técnicas amealhadas, verifica-se evidente a divergência entre as conclusões expostas pelo perito do Instituto Geral de Perícias e aquelas apresentadas pelos assistentes técnicos da defesa. Aquele afirma que as lesões traumáticas encontradas na vítima não podem ter sido ocasionadas por intoxicação exógena ou por oportunidade da realização das manobras de reanimação cardiovascular, mas geradas por ações mecânicas de alto impacto, a exemplo de chutes, joelhadas e socos, descartando a necessidade de realização de exames distintos àqueles elaborados. Estes, por sua vez, contrapõem as conclusões apresentadas pelo perito oficial e os procedimentos adotados a tanto, apontando inconsistências e apresentando argumentos científicos à legitimação da tese de suicídio.

Não há como, nesta fase processual, conforme alhures exposto, atribuir a alguma das conclusões técnicas apresentadas a condição de prova irrefutável. Os próprios assistentes técnicos de defesa apontam a ausência de exames indispensáveis à verificação da real causa da morte de I., donde se conclui que, caso verídica referida constatação, também não se encontram devidamente amparados à certificação e à certeza quanto à tese de suicídio proposta. Destaca-se, no ponto, que, ao contrário do perito oficial, os experts auxiliares não tiveram qualquer contato direto com o corpo da vítima. Insta salientar, outrossim, que a versão do legista Ângelo Ferreira Júnior não se encontra isolada nos autos. O médico responsável] pelo atendimento de I. no hospital, Samuel Júnior da Veiga, quando ouvido sob o crivo do contraditório, afirmou que havia suspeitado que a morte não ocorreu por overdose, já que a presença de sangramento nas cavidades nasal e oral não é condizente com ela. Alegou que, assim que finalizados os trabalhos de tentativa de reanimação da vítima e confirmado o óbito, manteve contato com a polícia informando a suspeita de que havia outro motivo para a morte. Aduziu, ainda, que overdose por cocaína não é capaz de ocasionar as lesões traumáticasencontradas no corpo de I. (mídia de p. 736 dos autos principais).

Observa-se, conforme exposto, que o perito médico do Instituto Geral de Perícias não se furtou, mediante de sucessivos ofícios, a responder os questionamentos e ponderações realizadas pelos assistentes técnicos de defesa.

Além de ter afastado a hipótese de morte e de provocação das lesões pela combinação de overdose/realização de massagem cardiorrespiratória, esclareceu a razão pela qual a quantidade de cocaína apontada no laudo toxicológico não pode ser considerada a título de quantificação.

No que se refere à ausência de hematomas no abdômen da vítima, o perito afirmou que "lesões externas são evidentes quando o instrumento utilizado diretamente é irregular e possuem alteração de relevo na superfície. As lesões sem deixar marcas externas podem sem provocadas com o uso de mãos e pés com proteção, como luvas, espumas, tecidos e outros" (p. 253). Destaca-se, no ponto, que foram encontrados equipamentos para treino de arte marciais, a exemplo de caneleiras de muay thai, na sala de estar íntima do apartamento (laudo pericial p. 152). Importa destacar, ainda, que o médico Zulmar Vieira, quando ouvido em juízo (mídia de p. 1060), não descartou por completo a hipótese de uma agressão externa não ocasionar hematomas, mesmo que inusitada.

Verifica-se, portanto, que a versão apresentada pelo réu, de ocorrência de suicídio, embora encontre respaldo em um grupo probatório, não é a única, pois igualmente relevante a perícia médica oficial.

Dito...

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