Decisão Monocrática Nº 0004068-47.2014.8.24.0005 do Quinta Câmara de Direito Público, 05-04-2019

Número do processo0004068-47.2014.8.24.0005
Data05 Abril 2019
Tribunal de OrigemBalneário Camboriú
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoDecisão Monocrática



ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Apelação Cível n. 0004068-47.2014.8.24.0005 de Balneário Camboriú

Apelante: Empresa Municipal de Água e Saneamento de Balneário Camboriú - EMASA
Apelado: Condomínio Terraços da Rainha Apart Hotel
Relator: Desembargador Hélio do Valle Pereira

DECISÃO MONOCRÁTICA TERMINATIVA

1. Empresa Municipal de Água e Saneamento de Balneário Camboriú - EMASA apela de sentença proferida pelo Juízo da Vara da Fazenda Pública da Comarca de Balneário Camboriú que lhe condenou ao pagamento de R$ 46.415,00 ao Condomínio Terraços da Rainha Apart Hotel por danos materiais.

O dever de ressarcir foi embasado no prejuízo suportado pelo acionante na aquisição de água durante o fim de 2013 e início de 2014 por conta de falhas no abastecimento pela autarquia (prestadora local do serviço público correspondente).

O recurso aqui empolgado se destina a questionar dois aspectos bem delimitados.

Pretende que da quantia a ser restituída ao condomínio pelo abastecimento de água seja descontado o montante que, considerado o volume contratado à parte, naturalmente já seria debitado da referida unidade consumidora se proveniente da concessionária.

Busca, outrossim, que os encargos financeiros a reajustar o montante devido sejam aqueles da Lei 11.960/2009 - já que ostenta a natureza jurídica de autarquia.

O apelado apresentou contrarrazões, defendendo a manutenção de sentença questionada.

2. Antes de adentrar no objeto recursal em si, analiso a viabilidade da condenação da entidade pública nos moldes em que foi promovida.

É que o feito está submetido ao reexame necessário. A acionada é autarquia, como previsto na Lei n. 2498/2005 do Município de Balneário Camboriú, do que se deduz sua personalidade jurídica de direito público. Além disso, o valor da condenação (R$ 46.415,00, acrescido dos encargos financeiros e demais verbas sucumbenciais) supera a alçada prevista no art. 475, §2º, do CPC/73.

Parto da afirmação de que a falha no fornecimento de água ocorrida no Município de Balneário Camboriú, entre os dias 27 de dezembro de 2013 e 5 de janeiro de 2014, além da interrupção no período do carnaval, é incontroversa. Não bastasse a anuência velada quanto à veracidade do evento na contestação da ré ("Na realidade, a EMASA regularizou o quantitativo de água tanto na captação, tratamento e distribuição, mas devido ao alto consumo naquele momento a pressão da água dentro das tubulações não foi suficiente para levá-la a locais mais altos ou finais de linha."), o relatório final da sindicância instaurada no âmbito da EMASA atesta essa versão (fls. 105-111):

O problema de desabastecimento começou a ocorrer a partir do dia 27/12/13 e estendeu-se até o dia 4 e 5 de janeiro de 2014, quando então as reclamações diminuíram consideravelmente e o sistema começou a normalizar.

O feriado prolongado de Natal e Ano Novo, fez com que um grande número de turistas permanecesse mais tempo na cidade, número este consideravelmente maior do que os anos anteriores, fato que sem dúvida contribuiu para a despressurização do sistema e na perda da reservação.

(...)

Houve aumento expressivo da temperatura em toda a região sul brasileira. Ademais, conforme "Relatório de Temperatura Extrema em Santa Catarina" emitido pelo CIRAM/EPAGRI (Centro de Informações de Recursos Ambientais de Hidrometereologia de Santa Catarina), os valores extremos de temperatura na região climática que serve de parâmetro para a cidade de Balneário Camboriú, tem seus limiares máximos, para dez/fev, entre 34,0 graus e 37,3 graus. Sendo que dados metereológicos nesse período, demonstraram temperatura atingindo 40 graus, com sensação de calor de aproximadamente 50 graus. Portanto, é notório, e isto não demanda mais investigação, de que o calor atingiu pelo menos 3 graus acima da média dos anos anteriores. Sem dúvida esse calor excessivo fez com que os usuários consumissem muito mais água.

Além disso, foi relatado pela Engenharia Química (responsável pela operação) que a perda de água da ETA, nesse período, se eleva, pois "há também um consumo muito alto de água de retrocesso, utilizada na limpeza de filtros".

Ficou evidenciado que nesta temporada a demanda de água foi maior que a capacidade do sistema, pois o sistema operou com sua capacidade máxima. Nos anos anteirores, o sistema operou com a mesma capacidade e os problemas de falta de água foram ocasionados por motivos de falta de energia elétrica, e não por consumo acima da capacidade do sistema.

(...)

Podemos então afirmar que não houve falhas operacionais que pudessem ter causado o desabastecimento de água na cidade, e sim, que a capacidade atua do sistema de abastecimento de água de Balneário Camboriú não foi suficiente para atender a demanda registrada no período.

As faturas consignadas indicam o gasto expressivo realizado pelo condomínio na obtenção da água de distribuidores privados (fls. 71-78), do que se extrai o ônus sentido pelo acionante pela superveniência desse evento que pode ser imputado à ré - é a concessionária do serviço público no município e possui o encargo de manter o fornecimento do insumo, mormente tomando em conta que o acionante não deu motivos para o corte (como ocorre nas hipóteses de inadimplência).

A autarquia ressaltou em sua resposta que a emissão das notas fiscais ocorreram posteriormente às datas indicadas da escassez. A esse respeito, porém, o autor menciona se tratar apenas da emissão do demonstrativo, mas que o fato gerador (fornecimento de água) ocorreu naquele interregno apontado. É uma linha plausível, mormente quando ponderado o fundamento adicional que traz no sentido de que o atraso se deu em função alta demanda dos fornecedores.

Por outro lado, a acionada não rebate especificamente essas considerações, abordando em seu recurso aspecto menor (tão somente pretendendo a mitigação do montante da condenação). Aliás, quando instada a manifestar sua intenção na instrução da causa - momento em que essas questões todas poderiam ser esclarecidas - se manteve silente (fls. 139). É uma inércia que pesa em seu desfavor.

Sob outro ângulo, é preciso sopesar a presumível boa-fé do condomínio. Todos os elementos arregimentados no feito vão ao encontro de sua tese e não se poderia, evidentemente, cogitar de um propósito espúrio que reservasse sem indícios mínimos que comprometam sua narrativa. Até porque é ilógico pensar que tensionaria adquirir água naquela proporção na hipótese de o abastecimento ter sido retomado - sobretudo considerando a representativa soma envolvida na compra e as incertezas sobre futuro ressarcimento.

Tenho, então, que foi mesmo acertada a condenação da autarquia.

3. Só que as ressalvas trazidas no apelo têm de fato consistência: pretende, em um primeiro momento, o abatimento do quantum indenizatório pelo preço que o autor já arcaria com idêntica proporção de água se a EMASA mantivesse com o fornecimento normalmente.

Duas são as premissas que justificam o acolhimento desse argumento. Se por um lado é possível vislumbrar que o acionante teve prejuízo ao arcar com a distribuição de água por meios externos que não aquele suprido pelo Estado (tal compra no varejo seguramente é muito mais onerosa ao particular), por outro é igualmente natural supor que se não houvesse nenhuma intercorrência como a noticiada o abastecimento do condomínio não seria gratuito.

Na verdade, dispensar o autor de qualquer ônus seria o mesmo que chancelar seu enriquecimento sem causa. Até porque o propósito da obrigação de indenizar é devolver as partes ao status quo ante; mas não que do ilícito se possa extrair uma situação proveitosa. Isso tudo pra dizer que o dano ao autor consiste justamente nessa diferença havida: entre o valor que ordinariamente já desembolsaria pela água e aquele efetivamente gasto ao adquirir no livre mercado.

Essa linha de raciocínio, aliás, encontra respaldo na jurisprudência que se formou nesta Corte de Justiça - em casos envolvendo o mesmo episódio que o retratado neste feito, ocorrido no Município de Balneário Camboriú:

A) RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MATERIAIS. DEMANDA AJUIZADA CONTRA AUTARQUIA MUNICIPAL PRESTADORA DO SERVIÇO DE ÁGUA E SANEAMENTO BÁSICO NO MUNICÍPIO DE BALNEÁRIO CAMBORIÚ (EMASA). PARTE NÃO CONHECIDA DO RECURSO. PEDIDO DE RESSARCIMENTO DO SERVIÇO DE ESGOTO PRESTADO. TESE DE DEFESA NÃO SUSCITADA NA CONTESTAÇÃO. PRECLUSÃO TEMPORAL. CONSTATADA INOVAÇÃO RECURSAL.

(...)

PARTE CONHECIDA DO RECURSO. FALTA DE ÁGUA DURANTE TEMPORADA DE VERÃO. DEFEITO NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. NECESSIDADE DE AQUISIÇÃO DE ÁGUA POTÁVEL PARA ABASTECIMENTO DAS UNIDADES. REQUISITOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DEMONSTRADOS. EVIDENTE DANO MATERIAL. VALOR INDENIZATÓRIO. DESCONTO DO MONTANTE QUE O CONDOMÍNIO AUTOR PAGARIA A TÍTULO DE FORNECIMENTO DE ÁGUA CASO O SERVIÇO TIVESSE SIDO REGULARMENTE PRESTADO. APURAÇÃO DO VALOR EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA.

(...)

RECURSO, EM PARTE, CONHECIDO E, NESTA EXTENSÃO, PARCIALMENTE PROVIDO, PARA AJUSTAR O VALOR CONDENATÓRIO E ALTERAR OS ÍNDICES APLICÁVEIS AOS JUROS E À CORREÇÃO MONETÁRIA. (AC n. 0009265-80.2014.8.24.0005, de Balneário Camboriú, rel. Des. Francisco Oliveira Neto)

B) Apelação cível. Indenização por danos materiais. Desabastecimento de água pela concessionária de serviço público. Responsabilidade objetiva. Contratação de particular para o fornecimento do produto. Juros moratórios e correção monetária. Incidência da Lei n. 9.494/97, com a redação atribuída pela Lei n. 11.960/09. Recurso provido.

A responsabilidade civil das prestadoras de serviço é de natureza objetiva. Ao ocorrer a suspensão do abastecimento de água, demonstrado o defeito na prestação do serviço público e inexistentes as hipóteses de excludentes, impõe-se o dever de indenizar os prejuízos dela decorrentes.(TJSC, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros).

Quando o consumidor se vê obrigado a...

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