Decisão Monocrática Nº 0007009-41.2009.8.24.0038 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 28-11-2019

Número do processo0007009-41.2009.8.24.0038
Data28 Novembro 2019
Tribunal de OrigemJoinville
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoDecisão Monocrática



ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Apelação Cível n. 0007009-41.2009.8.24.0038 de Joinville

Apelante : Safra Leasing S/A Arrendamento Mercantil
Advogado : Henrique Gineste Schroeder (OAB: 3780/SC)
Apelado : BAS Transportes Ltda ME
Advogado : Nelson Goncalves Gruner Filho (OAB: 10955/SC)

Relator(a) : Desembargador Mariano do Nascimento

DECISÃO MONOCRÁTICA TERMINATIVA

Safra Leasing S/A Arrendamento Mercantil interpôs recurso de apelação da sentença proferida nos autos da ação de revisão contratual n. 0007009-41.2009.8.24.0038, contra si deflagrada por BAS Transportes Ltda ME., na qual o magistrado a quo julgou parcialmente procedentes os pedidos deduzidos na inicial, nos seguintes termos:

"Ex positis, considerando tudo mais que dos autos constam, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos constantes nesta ação de revisão contratual aforada por BAS Transportes Ltda ME contra Safra Leasing S/A Arrendamento Mercantil, extinguindo o feito com resolução do mérito, com fundamento no art. 487, I do Código de Processo Civil, para o fim de, no contrato de arrendamento mercantil n. 75.132.734-4:

I - INDEFERIR a inversão do ônus da prova e a realização de exame pericial;

II - DECLARAR a nulidade da cláusula de eleição de foro;

III - DECLARAR a desnecessidade de depósito dos valores incontroversos para revisão contratual;

IV - DECLARAR a inaplicabilidade da teoria da imprevisibilidade;

V - DECLARAR a inexistência de juros remuneratórios e da respectiva capitalização;

VI - DECLARAR a nulidade parcial da 7ª cláusula (fl. 46), para manter apenas a comissão de permanência, observados os limites da taxa média de mercado da época da assinatura do contrato (março de 2007), calculada e divulgada pelo Banco Central do Brasil, no importe de 1,71% ao mês, bem como VEDAR a incidência dos demais encargos moratórios;

VII - DECLARAR prejudicados os pedidos para revisão da multa contratual e do índice de correção monetária;

VIII - DECLARAR a legalidade da cláusula que dispõe sobre o vencimento antecipado da dívida;

IX - DECLARAR que a cobrança antecipada do valor residual garantido - VRG não descaracterizou o contrato de arrendamento mercantil;

X - DECLARAR a falta de autonomia de eventual nota promissória emitida e vinculada ao contrato objeto da lide;

XI - CONFIRMAR o indeferimento da tutela provisória para exclusão do nome da parte autora dos órgãos de proteção ao crédito e manutenção na posse do bem arrendado;

XII - CONDENAR a instituição financeira à compensação ou à repetição do indébito, na forma simples, dos valores pagos indevidamente de acordo com esta sentença e apurados em sede de cumprimento de sentença em favor da parte autora. Assim, a repetição ou compensação é simples e não em dobro, incidindo correção monetária pelo INPC desde o pagamento indevido e, após a sentença, juros moratórios, nos termos do art. 406 do Código Civil, aplicando-se apenas a SELIC como taxa mensal, sem correção monetária, conforme exposto neste decisum.

Em razão da sucumbência recíproca, CONDENO cada parte ao pagamento de metade das despesas processuais e dos honorários advocatícios, estes que arbitro em 10% sobre o valor da causa (CPC, art. 85, § 2º, e art. 86). Publique-se. Registre-se. Intime-se" (pp. 184/202).

Inconformada a instituição financeira aduziu, em síntese: a) a impossibilidade de revisão do contrato, diante do pacta sunt servanda; b) há de ser reconhecida a validade da cláusula de eleição de foro ajustada entre as partes; c) faz-se necessário o depósito dos valores incontroversos, consoante dispõe o art. 330, §§ 2º e 3º do CPC/15; d) deve ser mantida a cláusula que estabeleceu a cobrança da comissão de permanência; e) a mora resta caracterizada; f) a inviabilidade da repetição do indébito; g) os ônus da sucumbência devem ser redistribuídos de forma proporcional. Ao final, pugnou pelo conhecimento e provimento do recurso (pp. 207/223).

Apresentadas contrarrazões (pp. 231/239), os autos ascenderam a esta Corte de Justiça.

Vieram-me conclusos.

DECIDO

De antemão, ressalta-se que ao relator é possível apreciar monocraticamente a quaestio juris, eis que presente a hipótese legal para tanto.

Cuida-se de ação revisional envolvendo o contrato de arrendamento mercantil n. 75.132.734-2, exteriorizado às pp. 45/51, firmado entre as partes em 30/06/2007, no valor de R$ 168.500,00 (cento e sessenta e oito mil e quinhentos reais).

Passo à análise do recurso.

1. Da possibilidade de revisão do contrato

Aduz a recorrente, inicialmente, a impossibilidade de revisão do contrato.

Sem razão, adianto.

Encontra-se sumulado o entendimento de que "o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras" (Súmula n. 297 do STJ), sendo um direito básico do consumidor "a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas" (art. 6º, V, Lei n. 8.078/1990).

Logo, há de ser mitigado o princípio do pacta sunt servanda, mormente porque os contratos bancários apresentam nítido caráter de adesão, conforme disciplina o art. 54, caput e § 1º, do CDC:

Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.

§ 1° A inserção de cláusula no formulário não desfigura a natureza de adesão do contrato.

Inclusive, prevalece o entendimento de que mesmo contratos findos estão sujeitos à revisão judicial. Veja-se:

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RAZÕES DA APELAÇÃO. CONGRUÊNCIA COM A SENTENÇA TERMINATIVA. DECISÃO ULTRA PETITA. INEXISTÊNCIA. JULGAMENTO DIRETO DO MÉRITO. CAUSA MADURA. POSSIBILIDADE. REVISÃO DE CONTRATOS FINDOS. VIABILIDADE. REVISÃO DE OFÍCIO. SÚMULA 381/STJ. JUROS REMUNERATÓRIOS. LIMITAÇÃO. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. COBRANÇA. CARACTERIZAÇÃO DA MORA. NORMALIDADE CONTRATUAL. REPETIÇÃO DE INDÉBITO NA FORMA SIMPLES.

1. O recurso de apelação deve ser conhecido quando, em suas razões, encontram-se infirmados os fundamentos exarados na sentença. Ausência de ofensa ao art. 514 do CPC.

2. Nos termos do art. 515, § 3º, do CPC, ainda que a demanda seja extinta por carência de ação, poderá o Tribunal julgar desde logo seu mérito, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento. Inexistência de julgamento extra petita.

3. Inviável a alegação, pela recorrente, de ilegitimidade passiva de terceiros (Banco Itaú S/A).

4. É possível revisar os contratos firmados com a instituição financeira, desde a origem, para afastar eventuais ilegalidades, independentemente de quitação ou novação [...] (STJ, REsp n. 615012 / RS, rel. Min. Luis Felipe Salomão. J. em: 1-6-2010) (grifei)

In casu, o requisito da hipossuficiência mostra-se transparente, não cabendo outra solução que não seja a improcedência da insurgência.

2. Da cláusula de eleição de foro

Insurge-se a recorrente sustentando a validade da cláusula de eleição de foro, porquanto "não restou comprovado nos autos a hipossuficiência da empresa apelada", o que não pode ser confundido com "instabilidade financeira" (p. 212).

Sobre o tema, a sentença discorreu: "A parte autora requer a nulidade da cláusula 40ª, que elege o Foro da Comarca de Poá/SP para dirimir qualquer dúvida oriunda do contrato firmado entre as partes, pois tem sede nesta Comarca de Joinville/SC. Razão assiste à parte autora, pois do pacto havido entre os litigantes, infere-se perfeitamente que é típico contrato de adesão, pré impresso, em que a parte contraente não tem a menor possibilidade de discutir as cláusulas contratuais. Registre-se, ainda, que a cláusula de eleição do foro na Comarca de Poá/SP é absolutamente nula, porque afronta o Código de Defesa do Consumidor ao impor condição onerosa e frontalmente contrária aos interesses de ampla defesa do consumidor [..] Nas relações contratuais subsumidas à disciplina do Código de Defesa do Consumidor, mormente em sendo de adesão o contrato celebrado, a nulidade da cláusula de eleição do foro em detrimento à do domicílio da parte economicamente menos privilegiada é questão de ordem pública, tornando absoluta a competência do juízo da comarca do domicílio da devedora, competência essa que pode e deve ser reconhecida de ofício." (TJSC, AI n. 2002.007968-0, de Araranguá, rel. Des. Trindade dos Santos, 4ª C.Civ., j. 27.6.02). Desta forma, com vistas a preservar a igualdade entre os litigantes, à luz do art. 51, IV, do CDC, declaro nula de pleno direito toda e qualquer cláusula contratual que estabeleça foro diverso desta comarca de Joinville/SC, pois a sede da empresa fica aqui localizada (fls. 40)" (pp. 187/188).

Pois bem.

Como cediço, o atual entendimento acerca da matéria firmou-se no sentido de reconhecer a validade da cláusula de eleição de foro, salvo se reconhecida a hipossuficiência do aderente, situação em que fica autorizado o seu afastamento.

No caso focado, como bem observou o magistrado singular, as partes celebraram contrato de arrendamento mercantil, que se caracteriza, em primeiro lugar, como de adesão, sendo assente a profundada discrepância no poderio econômico entre as partes, assimetria essa que, analisado o caso concreto, resultou na imposição unilateral de cláusulas contratuais, inclusive a de eleição de foro.

Sobre contratos de adesão, merece destaque a lição de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho:

"Na hipótese de as partes estarem em iguais...

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