Decisão Monocrática Nº 0010274-80.2006.8.24.0030 do Quarta Câmara de Direito Público, 06-04-2020

Número do processo0010274-80.2006.8.24.0030
Data06 Abril 2020
Tribunal de OrigemImbituba
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoDecisão Monocrática




Apelação Cível n. 0010274-80.2006.8.24.0030, de Imbituba

Apelante : Município de Imbituba
Advogado : Euclides de Oliveira Porto (OAB: 28613/SC)
Apelado : Dorvalino Sergio João

Relator: Desembargador Odson Cardoso Filho

DECISÃO MONOCRÁTICA TERMINATIVA

1. Na comarca de Imbituba, a municipalidade ajuizou execução fiscal em face de Dorvalino Sérgio João, mediante apresentação da Certidão de Dívida Ativa (CDA) n. 8228, expedida em 11-11-2005, no valor de R$ 3.950,10 (três mil novecentos e cinquenta reais e dez centavos), referente ao Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) do exercício de 2001.

Não foi possível localizar o executado (fl. 12).

O credor requereu a citação editalícia do devedor (fls. 14-16 e 20-22), o que foi indeferido (fls. 24-25).

O exequente reiterou então o pleito de citação pessoal (fls 36-38), o que foi acolhido (fl. 40), mas o Oficial de Justiça certificou não ser o endereço fornecido suficiente ao cumprimento da diligência (fl. 67).

Ato subsequente, a magistrada a quo, considerando que a CDA tinha sua fundamentação legal na Lei Complementar n. 2220/2001, cuja "vigência deu-se no ano de 2002, isto é após o lançamento do crédito tributário", reconheceu, de ofício, a inexigibilidade dos créditos tributários, por afronta ao art. 150, I e III, a, da Constituição Federal, e julgou extinta a execução, com fulcro no art. 803, I, do CPC (fls. 43-52).

Inconformado, o município aforou recurso de apelação, visando à reforma da sentença e continuidade do feito. Em suas razões, sustenta, em síntese, [a] a violação aos direitos fundamentais da inafastabilidade da jurisdição e do efetivo contraditório; [b] a inobservância do princípio da cooperação, do dever do juiz de zelar pelo efetivo contraditório e das regras de intimação prévia e proibição de decisão surpresa e [c] a possibilidade de correção de vício na fundamentação legal da CDA, com a substituição desta por título executivo que indique a lei vigente ao tempo do fato gerador. Requer a apreciação do art. 5º, XXXV e LV, bem como do art. 150, III, a, ambos da CF; dos arts. , e 10, todos do CPC/2015 e do art. 2º, § 8º, da Lei n. 6830/1980, para fins de prequestionamento (fls. 68-79).

Sem contrarrazões, os autos ascenderam a este Tribunal de Justiça.

A Procuradoria-Geral de Justiça manifestou ausência de interesse na causa (fl. 90).

É o relatório.

Decido.

2. Tendo a sentença combatida sido publicada em 9-10-2019 (fl. 64), isto é, quando já em vigência o Código de Processo Civil de 2015, o caso será analisado sob o regramento desse Diploma.

O recurso apresenta-se tempestivo e preenche os demais requisitos de admissibilidade, razão pela qual merece ser conhecido; recebo-o também em seus efeitos legais (arts. 1012, caput, e 1013, caput, do CPC).

De saída, assinalo que, nos termos do art. 932, VIII, do CPC c/c o art. 132, XV, do Regimento Interno deste Sodalício, incumbe ao relator "negar provimento a recurso nos casos previstos no inciso IV do art. 932 do Código de Processo Civil ou quando esteja em confronto com enunciado ou jurisprudência dominante do Tribunal de Justiça".

Assim, forte nos princípios da eficiência, da economia processual e da razoável duração do processo, possível o julgamento monocrático do recurso, haja vista o entendimento hoje uníssono das Câmaras de Direito Público deste Sodalício acerca da extinção do feito executivo quando constatado vício insanável na fundamentação legal da CDA, com ofensa à irretroatividade e à legalidade tributárias, especialmente em casos oriundos da comarca de Imbituba, conforme se demonstrará a seguir.

2.1. Da nulidade da CDA e da possibilidade de extinção do processo de ofício e sem prévia intimação da Fazenda Pública

Sustenta o apelante que a juíza a quo, ao proferir a sentença (fls. 43-52), surpreendeu a parte com a extinção da execução fiscal e, assim, violou os direitos fundamentais da inafastabilidade da jurisdição e do contraditório (art. 5º, XXXV e LV, CF), bem como desrespeitou o princípio da cooperação, o dever do juiz de zelar pelo efetivo contraditório e as regras de intimação prévia e vedação de decisão surpresa (arts. , , e 10, todos do CPC).

Pleiteia, com fulcro no alegado error in procedendo, a reforma da decisão, para que possa corrigir o vício existente na fundamentação legal do título e assim dar continuidade ao feito.

Sem razão!

Observo que a sentença encontra-se fundamentada na afronta, pelo título executivo, à garantia da irretroatividade tributária, nos termos do art. 150, III, a, da Constituição Federal:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

[...]

III - cobrar tributos:

a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;

Na hipótese, a CDA n. 8228 apresenta débito oriundo de Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) do exercício de 2001, mas indica como origem e fundamento legal a Lei Complementar Municipal n. 2220/2001, de 14 de dezembro de 2001.

Daí exsurge a nulidade do título por ofensa à garantia da irretroatividade, pois, em atenção à segurança jurídica do contribuinte e como reforço da garantia da legalidade (art. 150, I, da CF), o lançamento tributário não pode estar fundamentado em lei cuja vigência tem início depois da ocorrência do fato gerador.

Nos termos do art. 485, § 3º, do CPC, tendo em vista que a higidez do título é matéria de ordem pública, não resta dúvida acerca da permissão ao julgador para conhecimento do ponto e atuação de ofício, de acordo com entendimento consolidado neste Sodalício e no âmbito do Superior Tribunal de Justiça:

TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. ISS. NULIDADE DA CDA. TÍTULO QUE NÃO PREENCHE OS PRESSUPOSTOS DE VALIDADE DA AÇÃO EXECUTIVA. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. "O juízo acerca da higidez da Certidão de Dívida Ativa constitui matéria de ordem pública, pois a nulidade do título fulmina pressuposto de validade da correspondente execução fiscal, motivo pelo qual sobre tal questão não se opera a preclusão, devendo, inclusive, ser conhecida de ofício pelas instâncias ordinárias, nos termos do art. 267, § 3º, do CPC. Precedentes: AgRg no REsp 766.478/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 24/6/2010; REsp 873.267/RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 4/2/2009; AgRg no REsp 968.707/RS, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJe 23/9/2008; REsp 827.325/RS, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira Turma, DJ 1º/6/2006; EAg 724.888/MG, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe 22/6/2009. [...]" (STJ, AgRg no REsp n. 1209061/SC, rel. Min. Benedito Gonçalvez, Primeira Turma, j. 28.2.12). [...] SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA, POR OUTROS FUNDAMENTOS, PARA RECONHECER, DE OFÍCIO, A NULIDADE DA CDA. RECURSO PREJUDICADO. (TJSC, Apelação Cível n. 2014.066800-1, de Criciúma, rel. Des. Francisco Oliveira Neto, Segunda Câmara de Direito Público, j. 25-11-2014).

É cediço, contudo, que o conhecimento de determinada matéria de ofício não equivale à observação do contraditório prévio: "Uma circunstância é o órgão julgador poder conhecer de ofício, poder agir de ofício, sem provocação da parte. Outra circunstância, bem diferente, é poder o órgão jurisdicional agir sem ouvir previamente as partes. Poder agir de ofício é poder agir sem provocação" (DIDIER JR., Fredie. In: CABRAL, Antonio Passo, CRAMER, Ronaldo (orgs.). Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 2. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 36).

Tanto é assim que o art. 10 do CPC estabelece que "o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício" (grifei).

No caso, porém, não há que se falar em afronta do decisório a quo aos arts. , , e 10, todos do CPC.

Depreende-se do próprio diploma processual civil e da interpretação que a doutrina e os tribunais vêm construindo desde a vigência do NCPC que as regras da intimação prévia e da vedação de decisão surpresa podem ser, em dadas situações, excepcionadas ou mitigadas.

É o que se conclui da análise do art. 9º do CPC; juntamente com o art. 10, trata-se de dispositivo que visa à concretização do contraditório efetivo, ao prever a intimação da parte antes de qualquer decisão que lhe seja desfavorável, mas que, em seu parágrafo único, estabelece exceções à regra da prévia intimação. Embora a doutrina advirta que o magistrado só poderia se valer desse expediente em se tratando de decisão provisória, também compreende que o rol previsto no referido parágrafo não é exaustivo.

Em direção semelhante, quando discorre sobre o teor do art. 10 do CPC, que veda ao juiz proferir decisão calcada em fundamento sobre o qual as partes não foram intimadas a se manifestar, esclarece Fredie Didier Júnior, aqui já citado:

A violação da regra pode levar à invalidação da decisão - pode, não deve, pois, para invalidar, é preciso que tenha havido prejuízo: se ao réu não foi dada a chance de manifestar-se sobre a questão, mas a decisão lhe foi favorável, não há razão para invalidar. A regra deve ser interpretada de acordo com o sistema das invalidades processuais (arts. 276 a 283, CPC).

A proibição de decisão surpresa e a atribuição do dever de consulta ao órgão julgador são concretizações do princípio do contraditório. O princípio do contraditório garante às partes o direito de poder influenciar o convencimento do julgador. Se a decisão baseia-se em questão a respeito da qual não houve debate, significa que a parte não pode influenciar o convencimento do juiz a respeito dessa mesma questão (DIDIER JR., Fredie. In: CABRAL, Antonio Passo, CRAMER, Ronaldo (orgs.). Comentários ao Novo...

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