Decisão Monocrática Nº 0021850-87.2002.8.24.0005 do Terceira Vice-Presidência, 20-08-2020

Número do processo0021850-87.2002.8.24.0005
Data20 Agosto 2020
Tribunal de OrigemBalneário Camboriú
ÓrgãoTerceira Vice-Presidênci
Classe processualRecurso Especial
Tipo de documentoDecisão Monocrática


Recurso Especial n. 0021850-87.2002.8.24.0005/50001, Balneário Camboriú

Rectes. : Narbal Andrade de Souza e outro
Advogados : Antonio Marcos Gavazzoni (OAB: 13240/SC) e outros
Recorridos : Maria Thereza Fontella Goulart e outros
Advogada : Vanessa Evelize Mann Biolo (OAB: 19412/SC)
Recorrido : Oziel Barbosa de Figueiredo
Advogado : Mara Santana (OAB: 8543/PR)
Recorrido : FG Procave Empreendimentos Ltda
Advogados : Linesio Laus (OAB: 2604/SC) e outros
Recorrido : Lelo's Restaurante Ltda ME
Advogado : Jaime de Mello (OAB: 5284/SC)

DECISÃO MONOCRÁTICA

Clarice Margarida Busato de Souza e Narbal Andrade de Souza, com base no artigo 105, inciso III, alíneas "a" e "c", da Constituição Federal, interpuseram o presente recurso especial alegando violação aos artigos 408, 411, 412, 415, inciso III, 489, 493 e 1.022 do Código de Processo Civil de 2015; 485, 487, 492, 497, 520, 522, 530, 550, 552 e 589, todos do Código Civil de 1916 (CC/2002, arts. 1.196, 1.198, 1.203, 1.208, 1.223, 1.224, 1.238, 1.243, 1.275); além de divergência jurisprudencial no que diz respeito ao rompimento do vínculo de subordinação como causa de conversão da detenção em posse para fins de usucapião.

Cumprida a fase do artigo 1.030, caput, do Código de Processo Civil.

Presentes os requisitos extrínsecos, passo à admissibilidade recursal.

O recurso especial não prospera no que tange à alegada contrariedade aos artigos 489 e 1.022 do Código de Processo Civil de 2015, pois não há omissão desta Corte acerca de questão sobre a qual deveria ter emitido juízo de valor, tampouco ausência de fundamentação, tendo sido devidamente explicitados os motivos que redundaram na decisão recorrida, embora contrária aos interesses dos recorrentes, uma vez que manteve a sentença que rejeitou a pretendida aquisição da propriedade pela usucapião, por considerar ausente demonstração da modificação do caráter da primitiva posse transmitida pelo titular do domínio.

Com efeito, "a motivação contrária ao interesse da parte não se traduz em maltrato ao artigo 1.022 do CPC/2015" (STJ - Segunda Turma, EDcl no AgRg no REsp 1316890/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, j. 01/09/2016, DJe 14/09/2016).

Vale ressaltar que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica ao reconhecer, também à luz do novo Código de Processo Civil, que "o Tribunal a quo não fica obrigado a examinar todos os artigos de lei invocados no recurso, desde que decida a matéria questionada sob fundamento suficiente para sustentar a manifestação jurisdicional, sendo dispensável a análise dos dispositivos que pareçam para a parte significativos, mas que, para o julgador, se não irrelevantes, constituem questões superadas pelas razões de julgar" (AgInt no AREsp 754.852/MG, Rel. Ministro Sérgio Kukina, j. 19/03/2019, DJe 22/03/2019 - grifou-se).

A propósito, tem orientado o Superior Tribunal de Justiça:

Não há ofensa aos arts. 489 e 1.022 do CPC/2015 se o tribunal de origem se pronuncia fundamentadamente a respeito das questões postas a exame, dando suficiente solução à lide, sem incorrer em nenhum vício capaz de maculá-lo (STJ - Terceira Turma, AgInt nos EDcl no AREsp 1094857/SC, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 12/12/2017, DJe 02/02/2018 - grifou-se).

A fundamentação adotada no acórdão é suficiente para respaldar a conclusão alcançada, pelo que ausente pressuposto a ensejar a oposição de embargos de declaração, nos termos do art. 1.022 do CPC/2015 (STJ - Primeira Turma, EDcl no AgInt no AREsp 680.900/RJ, Relª. Ministra Regina Helena Costa, j. 15/09/2016, DJe 23/09/2016 - grifou-se).

Os embargos de declaração têm como objetivo sanar eventual existência de obscuridade, contradição ou omissão (CPC/2015, art. 1.022), sendo inadmissível a sua oposição para rediscutir questões tratadas e devidamente fundamentadas na decisão embargada, já que não são cabíveis para provocar novo julgamento da lide (STJ - Quarta Turma, EDcl nos EDcl no AREsp 456.723/SP, Rel. Ministro Raul Araújo, j. 01/09/2016, DJe 14/09/2016 - grifou-se).

Outrossim, não se abre a via especial à insurgência pelas alíneas "a" e "c" do inciso III do artigo 105 da Constituição Federal, no que diz respeito aos artigos 408, 411, 412, 415, inciso III, 493 do Código de Processo Civil de 2015; 485, 487, 492, 497, 520, 522, 530, 550, 552, 589, todos do Código Civil de 1916 (CC/2002, arts. 1.196, 1.198, 1.203, 1.208, 1.223, 1.224, 1.238, 1.243, 1.275) e ao invocado dissenso pretoriano, por óbice da Súmula nº 7 do Superior Tribunal de Justiça, uma vez que, a pretexto da ofensa aos mencionados dispositivos de lei federal e do relatado dissenso pretoriano, pretendem os recorrentes rediscutir matéria de prova analisada pelo Colegiado julgador.

De fato, denota-se que as conclusões da Segunda Câmara de Direito Civil, no que se refere à improcedência da pretensão de usucapir o bem objeto da demanda, dada a natureza precária posse adquirida e transmitida, foram obtidas pela análise do substrato fático-probatório produzido no caderno processual, consoante demonstra o seguinte excerto do acórdão recorrido, sem os grifos no original:

No caso em foco, prova produzida durante o transcorrer da marcha processual não deixa qualquer dúvida de que Bruno Ewers passou a residir no imóvel litigioso em decorrência do contrato de trabalho, ainda que essa relação laboral tenha se implementado de modo informal, fato roborado pelas testemunhas ouvidas no transcorrer da instrução processual.

O termo de entrega do imóvel e dos bens que o guarneciam, lavrado em 05.06.1964 pela Delegacia de Polícia local, de igual ratifica a condição de Bruno de caseiro da propriedade, visto que assina o mencionado termo exatamente nessa condição (fl. 30/32).

Deste modo, a posse inicialmente exercida pelo caseiro Bruno, sem sombra para outra interpretação, não se revestia de animus domini, requisito este que, como timbrei acima, é imprescindível para o deferimento do pleito ora requerido.

O dissenso surge com a suposta rescisão do contrato de trabalho, que teria se operado, obrigatoriamente, se não com o exílio do ex-presidente, a partir de 1964, ao menos com a sua morte, em 1976, o que, sugerem os recorrentes, transmudou a natureza da posse até então exercida, adquirida, ademais, de alegada boa-fé.

Não penso que seja assim.

De fato, para perquirir a natureza da posse mantida após a rescisão do contrato de trabalho, imprescindível se faz a aplicação do art. 1.203 do Código Civil, o qual preceitua que "Salvo prova em contrário, entende-se manter a posse o mesmo caráter com que foi adquirida".

[...]

Pontuo, outrossim, que os apelados sequer residem no município em que o imóvel se encontra localizado, não havendo como admitir fossem sabedores da intenção do caseiro de tomar para si a coisa, quanto mais na circunstância dos autos, em que o proprietário restou deposto do cargo político até então ocupado face ao Golpe Militar de 64, exilando-se, com a família, em país vizinho.

Deste modo, ainda que se admita que tenha permanecido no local por considerável período de tempo, de 1964 até 1978, quando alegadamente cedida a posse a Getúlio Serrão (lembrando que escrituração desse negócio ocorreu somente em 1983), o início da posse de Bruno Ewers se deu por mera permissão dos proprietários, sem que se tenha notícias de ter havido por parte dele, Bruno, a exteriorização de sua possível intenção de transmudar o status da posse precária que exercia para a posse com animus domini, capaz de induzir a usucapião.

Nessa ordem de ideias, tanto em 1983, quando lavrada a primeira escritura pública de cessão da posse de Bruno para Getúlio, quanto em 1984, quando Getúlio transmitiu a posse à Narbal e, mesmo, depois, quando alegadamente assumida a posse por Manoel Emerenciano (Lelo), estavam eles a transacionar não a posse revestida do ânimo de dono, capaz de induzir a usucapião, mas a mera detenção da coisa, ocupando, todos, tal como Bruno, a condição de possuidores precários.

Evidentemente, deve-se perquirir, na linha da fundamentação supra, se, a despeito da detenção de Bruno, os próprios adquirentes Getúlio, Narbal e Manoel Emerenciano/Lelo's, conquanto sub-rogados nos direitos de uma posse precária, não agiram de modo a transmudar a natureza dessa posse, dando azo à intervessio possessionis. E esse, a meu a sentir, é o ponto nodal da controvérsia em questão.

Getúlio Serrão, antecipo, à toda evidência não o fez e a posse que adquiriu de Bruno (com escancarada má-fé, diga-se) manteve a precariedade que lhe era inerente.

Da própria escritura pública correlata à transmissão da posse de Bruno a Getúlio, colhe-se que o cessionário estaria se sub-rogando "em todos os direitos oriundos do exercício da mesma posse" do cedente (fls. 36/37).

Outrossim, são espantosas as contradições que revela em seu depoimento em juízo, assim como manifesto o reconhecimento que tinha à propriedade alheia da coisa. Tanto isso é verdade que, em 1983, apôs sua assinatura - cuja autenticidade foi reconhecida em...

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