Decisão Monocrática Nº 0034901-36.2012.8.24.0064 do Primeira Câmara de Direito Público, 29-03-2019

Número do processo0034901-36.2012.8.24.0064
Data29 Março 2019
Tribunal de OrigemSão José
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação / Remessa Necessária
Tipo de documentoDecisão Monocrática



Apelação / Remessa Necessária n. 0034901-36.2012.8.24.0064


Apelação / Remessa Necessária n. 0034901-36.2012.8.24.0064, de São José

Apelante: Município de São José

Apelado: Lucelena da Silva Pacheco e outro

Relator: Des. Paulo Henrique Moritz Martins da Silva

DECISÃO MONOCRÁTICA TERMINATIVA

Lucelena da Silva Pacheco ajuizou "ação de obrigação de fazer/dar" em face do Município de São José e do Estado de Santa Catarina.

Alegou ser portadora de colite ulcerativa, e postulou o fornecimento do medicamento "infliximabe".

Os entes públicos ofertaram contestação (f. 158/172 e 181/192).

Foi proferida sentença cuja conclusão é a seguinte:

Diante do exposto, com resolução do mérito (CPC, art. 269, I), JULGO PROCEDENTE o pedido formulado por LUCELENA DA SILVA PACHECO contra o ESTADO DE SANTA CATARINA e o MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ e, em consequência:

A) MANTENHO a antecipação de tutela (fls. 66-67);

B) CONDENO os RÉUS ao fornecimento do medicamento Infliximabe 10 mg/ml (ampolas injetáveis), enquanto necessário ao tratamento da doença que acomete a autora, sob pena da adoção de providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento (art. 509, § 1º, CPC).

Ainda, DETERMINO que a AUTORA apresente declaração médica atualizada, a cada 180 (cento e oitenta dias), referente ao medicamento de uso contínuo, sob pena de cancelamento do seu fornecimento. Condeno os réus, pro rata, ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo em R$ 1.000,00 (mil reais) (CPC, art. 85, § 8º).

Sem custas (RCE, art. 33).

Sentença sujeita ao duplo grau de jurisdição (CPC, art. 496, I). (f. 284/291)

O Município de São José, em apelação, sustenta que: 1) a decisão beneficia um cidadão em detrimento dos demais; 2) a farmácia básica não dispõe desse fármaco, que também não está na lista do Rename ou Renume; 3) apenas o Estado e a União são responsáveis pelo fornecimento de medicamentos dessa natureza; 4) a reserva do possível deve ser observada e 5) o valor dos honorários advocatícios é excessivo e deve ser minorado (f. 297/310).

Com as contrarrazões (f. 316/320), os autos ascenderam, e a d. Procuradoria-Geral de Justiça se manifestou pelo desprovimento do recurso e do reexame necessário, em parecer da lavra do Dr. Murilo Casemiro Mattos (f. 394/400).

DECIDO

De início, salienta-se que serão examinadas todas as questões abordadas na sentença em razão do reexame necessário.

Ao final, se fará a conclusão quanto ao resultado do reexame e do julgamento da apelação.

1. Direito à saúde

É fato notório a imensa quantidade de demandas propostas contra o Poder Público objetivando o fornecimento de medicamentos pelo Sistema Único de Saúde - SUS.

Os argumentos de direito do pleito inicial partem do art. 196 da Constituição Federal, in verbis:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (grifou-se)

O texto é reiterado no art. 2º, §§ 1º e 2º da Lei Orgânica do Sistema Único de Saúde (Lei n. 8.080/1990).

Dos dispositivos citados extraem-se os princípios da universalidade e da igualdade no atendimento à saúde, fundamento que sustenta as demandas desta natureza.

O direito à saúde, como bem maior, deve sempre ser respeitado, mas sem deixar de observar os requisitos estabelecidos para que seja efetivado da maneira correta, isto é, sem causar lesão aos cidadãos que necessitam de medicamentos não disponibilizados pelo SUS, mas também sem mover o Poder Judiciário para questões que poderiam ter sido resolvidas no âmbito administrativo.

Diante da controvérsia jurídica acerca dos requisitos necessários para a procedência desses tipos de pleitos, esta Corte instaurou Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas - IRDR, a fim de uniformizar o entendimento aplicável aos casos de dispensação de medicamentos.

Assim, restar analisar se foram atendidos os critérios estabelecidos naquele precedente qualificado, que é vinculante (art. 927, III do CPC).

2. Caso concreto

A autora busca o fornecimento do fármaco "infliximabe", que não é padronizado para a doença que lhe acomete, de acordo com o Sistema da Comissão Multidisciplinar de Apoio Judicial (Siscomaj) da Secretaria de Estado da Saúde.

Para a concessão dos medicamentos não constantes no rol do SUS (não padronizados), ficou estabelecido no referido Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas:

INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDA REPETITIVA - IRDR. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. DISPENSAÇÃO DE MEDICAMENTOS E TERAPIAS PELO PODER PÚBLICO. DISTINÇÃO ENTRE FÁRMACOS PADRONIZADOS DOS NÃO COMPONENTES DAS LISTAGENS OFICIAIS DO SUS. NECESSÁRIA REPERCUSSÃO NOS REQUISITOS IMPRESCINDÍVEIS AO NASCIMENTO DA OBRIGAÇÃO POSITIVA DO ESTADO.

1. Teses Jurídicas firmadas:

[...]

1.2 Para a concessão judicial de fármaco ou procedimento não padronizado pelo SUS, são requisitos imprescindíveis: (1) a efetiva demonstração de hipossuficiência financeira; (2) ausência de política pública destinada à enfermidade em questão ou sua ineficiência, somada à prova da necessidade do fármaco buscado por todos os meios, inclusive mediante perícia médica; (3) nas demandas voltadas aos cuidados elementares à saúde e à vida, ligando-se à noção de dignidade humana (mínimo existencial), dispensam-se outras digressões; (4) nas demandas claramente voltadas à concretização do máximo desejável, faz-se necessária a aplicação da metodologia da ponderação dos valores jusfundamentais, sopesando-se eventual colisão de princípios antagônicos (proporcionalidade em sentido estrito) e circunstâncias fáticas do caso concreto (necessidade e adequação), além da cláusula da reserva do possível. (IRDR n. 0302355-11.2014.8.24.0054/50000, de Rio do Sul, rel. Des. Ronei Danielli, Grupo de Câmaras de Direito Público, j. 9-11-2016)

A hipossuficiência financeira a ser demonstrada, em tais casos, é a do núcleo familiar do requerente:

[...] Elenca-se como requisito elementar a hipossuficiência financeira do doente e de seu núcleo familiar, de modo a evidenciar a impossibilidade de custeio da terapia necessária para a sua recuperação ou garantia de sua qualidade de vida.

Somente aos comprovadamente carentes deve-se dispensar remédios ou procedimentos não protocolares sob pena de se comprometer a própria universalidade e isonomia do sistema público, na medida em que a constante vulneração do orçamento destinado à saúde a fim de acomodar tantos pleitos judiciais pode acarretar a falta dos insumos e terapias já regulamentadas, com incomensuráveis prejuízos aos cidadãos.

Acerca da prova de carência de recursos, cumpre consignar ser insuficiente a mera declaração do paciente, porquanto não se trata de hipótese semelhante a que permite a gratuidade judiciária (com regra específica sobre o tema) em que o Estado deixa de arrecadar recurso, mas, ao contrário, está-se diante de reconhecimento de obrigação positiva por parte do Estado, ensejando despesa imprevista a incidir em um orçamento já escasso para a implementação das políticas públicas existentes.

Desta feita, a prova de...

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