Decisão Monocrática Nº 0047090-19.2005.8.24.0023 do Sexta Câmara de Direito Civil, 30-03-2020

Número do processo0047090-19.2005.8.24.0023
Data30 Março 2020
Tribunal de OrigemCapital
ÓrgãoSexta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoDecisão Monocrática



ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Apelação Cível n. 0047090-19.2005.8.24.0023 da Capital

Apelante : Hélio Bruggemann
Advogado : Leandro Bernardino Rachadel (OAB: 15781/SC)
Apelado : Iate Serviços Náuticos S/S Ltda
Advogados : Léia Regina Longo (OAB: 73663/SP) e outros

Relator(a) : Desembargadora Denise Volpato

DECISÃO MONOCRÁTICA TERMINATIVA

I- Relatório

Hélio Brüggemann ajuizou "ação de indenização por danos materiais e morais" em face de Iate Serviços Náuticos S/C Ltda., alegando, em suma, ter celebrado contrato com a ré para aquisição, pelo preço de R$ 665.000,00 (seiscentos e sessenta e cinco mil reais), de uma embarcação usada da marca "Intermarine", modelo "400 Full", ano 1997, equipada com dois motores Carterpilla 3116 de 325 hp, com inscrição 382-293022-9 e nome "Lady Lígia", cuja revisão seria a cargo da ré, por expressa disposição contratual no "Anexo II" do contrato, a ser realizada até a data da entrega prevista para o dia 25/09/2003. Aduziu o descumprimento do contrato por parte da ré, a uma porque a embarcação foi entregue em 24/10/2003 sem terem sido cumpridos os itens do "Anexo II" em sua totalidade, bem como estariam faltando determinados itens, além de outros vícios posteriormente constatados na embarcação; a duas porque a embarcação entregue não é do modelo "400 Full", mas sim do modelo "Azimut 38", cujo valor seria inferior em relação ao primeiro em, aproximadamente, R$ 148.285,00 (cento e quarenta e oito reais e duzentos e oitenta e cinco centavos). Afirmou ter mantido a embarcação em estadia a seco desde o momento da entrega até a consecução dos reparos necessários, em janeiro de 2005. Sustentou não haver iniciado a contagem do prazo da garantia contratual, porquanto este seria deflagrado, conforme previsão contratual, com a assinatura do "termo de encerramento de serviços" pelas partes, o qual nunca lhe foi apresentado. Por tais razões, conquanto não almeje a rescisão contratual, requereu indenização para reparar os prejuízos materiais causados, quais sejam, a diferença do preço pago a maior e o valor de R$ 89.849,31 (oitenta e nove mil, oitocentos e quarenta e nove reais e trinta e um centavos), despendido nos consertos realizados para a conservação e a devida utilização do bem, bem como a compensação pelos danos morais sofridos (fls. 02/26).

Em contestação (fls. 216/239), a ré suscitou a decadência do direito do autor, uma vez que o prazo da garantia contratual teria se iniciado com a tomada e posse da embarcação revisada por parte do autor sem qualquer reserva, inexistindo a válida constituição em mora da ré. Aduziu, outrossim, a inaplicabilidade da inversão do ônus da prova, dada a ausência de verossimilhança das alegações do autor. No mérito, sustentou, em suma, a improcedência dos pedidos, pois os danos materiais alegados não estão cobertos na garantia de uma embarcação usada, conforme o contrato entabulado, sendo decorrentes do fato da coisa contar com seis anos de uso. Afirmou não existir qualquer diferença técnica e de preço entre a embarcação adquirida e a entregue, pois se trata, de fato, de uma embarcação da marca Intermarine, de 40 pés, fabricada no ano de 1997, muito embora a nomenclatura adotada à época do registro de propriedade da embarcação tenha feito constar "Azimut 38", não havendo diferença de preço a ser apurada. Alegou ter sido o pagamento do preço dividido parte em dinheiro e parte mediante dação da lancha de propriedade do autor, sendo que metade do valor desta teria de ser pago em dinheiro caso não viesse a ser concretizada a revenda até 30/12/2003, com extensão deste prazo até 28/02/2004. Reputou infundadas as alegações do autor e considera o ajuizamento da notificação uma tentativa do autor de exonerar-se da obrigação de arcar com metade do preço da embarcação dada em pagamento, correspondente a R$ 167.500,00 (cento e sessenta e sete mil e quinhentos reais), razão pela qual requereu a imposição de sanção por litigância de má-fé.

Após a réplica (fls. 290/306), infrutífera a tentativa de conciliação em audiência (fl. 345), sobreveio decisão saneadora (fls. 358/362), na qual restou afastada a decadência e indeferida a inversão do ônus da prova, determinando-se a prova pericial.

Acerca do laudo (fls. 497/503), a ré juntou parecer de assistente técnico (fls. 508/513) e o autor manifestou-se à fls. 514/516.

Sobreveio Sentença da lavra da Magistrada Daniela Vieira Soares, julgando improcedentes os pedidos inaugurais, nos seguintes termos, in verbis (fls. 517/519):

"ANTE O EXPOSTO, julgo improcedentes os pedidos. Arcará o autor, então, com o pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, os quais arbitro em 10% do valor atribuído à causa, sem cogitação de percentual maior, pela não submissão do processo à audiência e pela apresentação de peças sem considerável complexidade jurídica (CPC, art. 85. § 2º). Como desfecho da demanda embasou-se em ausência de prova, impossível caracterização de litigância de má-fé. Publique-se, registre-se e intimem-se".

Irresignado, o autor interpôs recurso de apelação (fls. 554/582), insurgindo-se, inicialmente, contra o entendimento adotado pelo Juízo a quo, ao julgar antecipadamente a lide e concluir pela insuficiência probatória, sem ao menos determinar a produção de prova oral em audiência, requerendo seja reconhecido o cerceamento do seu direito de defesa, com a consequente cassação do julgado e o retorno dos autos à origem. Sustenta, em suma, ter o laudo pericial constatado a diferença entre as embarcações de modelo "400 Full" e "Azimut 38", devendo obter o abatimento proporcional do preço, em quantum a ser apurado em fase de liquidação de sentença, eis que o produto adquirido não foi o mesmo entregue. Alega ter sido obrigado a arcar com os custos de reforma da embarcação, isso após a permanência do barco em estadia a seco por um ano e três meses, sem poder utilizá-lo, em decorrência do não exaurimento, por parte da ré, do serviço de revisões constantes do "Anexo II" do contrato, razão pela qual a ré deve ser obrigada a indenizar o prejuízo material suportado. Por fim, aventa a fragilidade da sentença no tocante ao pleito por danos morais, tendo em vista o descaso com o consumidor, ao entregar produto diferente do contratado, presentes diversos problemas que impediram o uso.

Apresentadas as contrarrazões (fls. 510/605), na sequência, os autos ascenderam a este Egrégio Tribunal de Justiça.

Este é o relatório.

II- Decisão

1. Admissibilidade

É consabido que o procedimento recursal exige o preenchimento de pressupostos específicos, necessários para que se possa examinar o mérito do recurso interposto. Portanto, torna-se imperiosa, num primeiro momento, a análise dos pressupostos recursais, em razão de constituírem a matéria preliminar do procedimento recursal, ficando vedado ao Tribunal o conhecimento do mérito no caso de não preenchimento de quaisquer destes pressupostos.

Tais pressupostos são classificados como intrínsecos (cabimento, interesse recursal, legitimidade recursal, inexistência de fato extintivo do direito de recorrer) e extrínsecos (regularidade formal, tempestividade e preparo). Os pressupostos intrínsecos estão atrelados ao direito de recorrer, ao passo que os extrínsecos se referem ao exercício desse direito.

Assim, devidamente comprovado o recolhimento do preparo pelo requerente (fls. 583/584) e preenchidos os demais pressupostos de admissibilidade, passa-se à análise do recurso.

2. Prefacial - Cerceamento de defesa

Ab initio, insurge-se o autor, ora apelante, contra o julgamento antecipado da lide, requerendo seja reconhecido o cerceamento do seu direito de defesa, com a consequente cassação do julgado e o retorno dos autos à Primeira Instância para dilação probatória oral.

Razão não lhe assiste, todavia.

Isso porque, a despeito de alegar a imprescindibilidade da dilação probatória em audiência, o apelante limitou-se a apontar (à fl. 561), como possível testemunha, o perito que realizou o laudo de vistoria e avaliação da embarcação já constante dos autos, sem delinear, contudo, como a inquirição de tal testemunha - passados mais de dez anos da referida vistoria - lograria trazer qualquer novidade capaz de derruir as informações já constantes dos autos. Frisa-se tratar-se de laudo confeccionado por empresa terceira quando o bem ainda se encontrava nas dependências da ré em Santos, pretendendo o autor, por sua vez, provar a situação do bem no momento da tradição, em Florianópolis.

Na hipótese, tendo em vista pretender o autor demonstrar a entrega de bem com características diversas do avençado, bem como o vício no serviço de revisão prestado pela ré, fatos estes constitutivos do direito do autor, a prova oral requerida não teria o condão de alterar o desfecho da lide, sobretudo por ser inapta a infirmar as provas documentais acostadas aos autos e o laudo pericial produzido.

Não se olvide que, como regra geral, em respeito ao princípio da efetividade e o da instrumentalidade do processo, a parte que pretende a declaração de nulidade deve demonstrar nos autos em que medida a produção das provas que lhe foram supostamente cerceadas poderia modificar os rumos do silogismo meritório da lide.

Nesta esteira, a ponderação constitucional exige que os operadores do direito compreendam o processo como um meio de resolução de conflitos e, como tal, aleguem tão somente fatos e fundamentos que tenham a efetiva correlação com o caso em análise, e que, precipuamente, tenham relevância suficiente com o pronunciamento final.

Assim, não há como considerar apto a provocar a nulidade do julgado e a nova análise dos fatos na Primeira Instância o argumento genérico de necessidade de dilação probatória, quando dissociado de demonstração da exata forma por meio da qual os fatos seriam efetivamente demonstrados por meio da prova não realizada.

De mais a mais, embora não...

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