Decisão Monocrática Nº 0300108-16.2018.8.24.0087 do Primeira Câmara de Direito Público, 24-04-2020

Número do processo0300108-16.2018.8.24.0087
Data24 Abril 2020
Tribunal de OrigemLauro Müller
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoDecisão Monocrática



Apelação Cível n. 0300108-16.2018.8.24.0087

Apelação Cível n. 0300108-16.2018.8.24.0087, de Lauro Müller

Apte/RdoAd : Estado de Santa Catarina
Procurador : Claudio Zoch de Moura (OAB: 10528/SC)
Apda/RteAd : Neria Fatima Orbem Jung
Advogado : Leonardo Santos de Oliveira (OAB: 17479/SC)
Relator : Desembargador Luiz Fernando Boller

DECISÃO MONOCRÁTICA TERMINATIVA

Cuida-se de apelação interposta por Estado de Santa Catarina - e também de Reexame Necessário -, em objeção à sentença que, nos autos da Ação de Indenização por Danos Morais n. 0300108-16.2018.8.24.0087, ajuizada por Néria Fátima Orbem Jung, julgou parcialmente procedentes os pedidos para:

[...] CONDENAR o Estado de Santa Catarina ao pagamento, em favor da parte autora, de compensação a título de danos morais, no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), os quais deverão ser acrescidos de juros de mora, a contar do evento danoso, e de correção monetária, a partir da data da prolação da presente sentença (STJ, Súmulas 54 e 362), por ora, na forma do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 (com redação dada pela Lei nº 11.960/09), ressalvada a possibilidade da incidência de índice de correção monetária diverso, em fase de liquidação ou execução da sentença, nos termos do que for julgado em definitivo pelo STF acerca do Tema 810 (cf. TJSC, Apelação Cível n. 0022554-08.2013.8.24.0008, de Blumenau, rel. Des. Luiz Fernando Boller, Primeira Câmara de Direito Público, j. 22-01-2019 e TJSC, Agravo Interno n. 0004981-16.2011.8.24.0011, rel. Des. Hélio do Valle Pereira, j. 04/10/2018). (fls. 783/794)

Malcontente, o Estado aduz inexistir demostração do dolo da autoridade policial e do juízo criminal no cumprimento da ordem de prisão contra Néria Fátima Orbem Jung ou das consequências decorrentes da injusta restrição da liberdade (fl. 802).

Assevera que "a situação [prisão ilegal] se esclareceu em poucas horas, não sendo a parte autora exposta a outras pessoas, além de que todos os cuidados necessários à garantia de seu bem estar físico e psicológico foram assegurados" (fl. 802), não havendo motivo ou provas que permitam o "reconhecimento da existência de dano moral indenizável" (fl. 802), porque "não é qualquer aborrecimento ou dissabor que tem o condão de gerar reparação moral" (fl. 802).

Ressalta que "a autora ficou detida por pouco menos de 6 (seis) horas; sendo a prisão prontamente revogada assim que acionado o plantão judicial" (fl. 802); não havendo "qualquer comprovação de que houve um abalo grave a ponto de desequilibrar o psíquico da requerente" (fl. 803).

Nesses termos, clamando pela reforma da sentença ou, subsidiariamente, pela redução do quantum indenizatório fixado, brada pelo conhecimento e provimento da insurgência (fls. 800/806).

Em paralelo, Néria Fátima Orbem Jung apelou adesivamente, pleiteado a majoração da indenização (fls. 812/821).

Sobrevieram as contrarrazões (fls. 822/829 e 834/839) e manifestação da Procuradoria-Geral de Justiça, por Eliana Volcato Nunes (fl. 849).

Em apertada síntese, é o relatório.

Conheço do recurso porque atende aos pressupostos de admissibilidade.

Em razão da previsão contida no art. 132, do RITJESC, o caso comporta julgamento unipessoal.

E a aplicação do regramento também está autorizada pelo CPC no art. 932.

Pois bem.

Por atenderem aos requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, conheço de ambas as insurgências.

Quanto ao mérito, entendo que a sentença não comporta ajuste, razão pela qual abarco integralmente a intelecção professada pelo magistrado sentenciante, cuja minunciosa análise reproduzo, consignando-a em meu voto, nos seus precisos termos, como razões de decidir:

[...] No caso dos autos, verifica-se que a conduta do Estado consistiu, ao que consta nas explicações prestadas nos autos da execução de alimentos, em falha do sistema de automação judicial, que 'automaticamente alterou a situação do mandado para "cumprido ato negativo, o que resultou na reinserção do nome da executada nos róis vinculados ao Poder Judiciário", e na ausência de verificação da situação, a tempo de impedir a prisão ilegal, de modo a configurar a alegada falha na prestação do serviço público ou omissão específica, para os adeptos da responsabilidade objetiva do Estado.

De fato, no curso dos autos n. 0300183-58.2016.8.24.0044, que tramitaram na 1ª Vara da Comarca de Orleans, foi decretada a prisão civil da parte executada, ora autora, em 26/05/2017 (fls. 634-636). Expediu-se o mandado de prisão em 04/08/2017 (fl. 641). Em 11/08/2017, por sua vez, comprovou-se o pagamento do débito alimentar (fls. 646-647), prolatando-se, na mesma data, a sentença de extinção da ação, com fulcro no art. 924, II, do CPC, com expressa determinação do magistrado de "revogação do decreto prisional da executada" e de "recolhimento, com à baixo junto ao Sistema INFOSEG, do mandado de prisão expedido à fl. 626".

Essa ordem, ao que tudo indica, foi cumprida pelos serventuários judiciais, tanto é que o mandado de prisão não foi cumprido pelo Oficial de Justiça, devido à satisfação do débito, que lhe foi comunicada (fl. 656).

Contudo, em 28/10/2017, a segregação foi efetivada pela Polícia Civil, sob o argumento de que o mandado de prisão ainda estaria ativo e válido no SISP (fls. 661-662). Horas depois, em sede de plantão, a prisão foi revogada (fl. 668) e a autora foi posta em liberdade (fl. 671).

Segundo constou das informações prestadas nos autos nº 0300183-58.2016.8.24.0044 (fl. 665), a situação toda ocorreu em virtude de falha do sistema, que automaticamente alterou o status do mandado. Constou em certidão, de fato, que:

a) Todos os mandados de prisão ativos, emitidos por esta serventia, são verificados trimestralmente;

b) O cumprimento integral da sentença de fl. 633 se deu ato contínuo à sua publicação. Tanto é verdade que, conforme relatório que segue, o mandado foi cancelado em 11/08/2017, tudo de acordo com a Orientação 29 da Corregedoria Geral de Justiça, que apregoa: "Para que o mandado seja baixado, tanto no SAJ/PG quanto no ROL da CGJ, basta que seja alterada a situação, selecionando-se alguma das situações descritas na tabela acima (Cumprido ato positivo, Cumprido ato positivo parcial e Cancelado).

c) Após referido cancelamento, o pagamento foi comunicado ao Sr. Oficial de Justiça, tendo este deixado de efetivar a prisão, conforme se retira da informação de fl. 641;

d) Sucede que, ao Sr. Oficial de Justiça certificar o ocorrido, o SAJ automaticamente alterou a situação do mandado para Cumprido ato negativo em 14/09/2017, o que resultou na reinserção do nome da Executada nos róis vinculados ao Poder Judiciário;

e) Perceba, Excelência, que o infeliz transtorno se deu entre os períodos de verificação dos mandados ativos, ou seja, em 28/10/2017, na medida em que a próxima verificação está agendada para meados de novembro/2017.

Em suma, ao que consta, a manutenção do mandado ativo teria decorrido de falha do próprio sistema, que alterou o seu status de forma automática, após a expedição de uma certidão de não cumprimento pelo Oficial de Justiça.

Desse modo, evidente que o dano decorreu de conduta imputável ao ente público, por ser o Estado de Santa Catarina o responsável pelos sistemas utilizados para a concretização das suas funções.

No que toca ao dano e ao nexo causal, a prova documental e a testemunhal produzida nos autos é igualmente elucidativa, evidenciando a prisão ilegal e a situação vexatória por que passou a demandante.

Em seu depoimento pessoal, Néria explicou que, na data dos fatos, estaria em sua residência na presença de dois netos. Disse que teria estacionado uma viatura da polícia por volta das 17 horas e dado voz de prisão, situação que desencadeou o choro em seus netos, que possuíam tenra idade. Informou ao agente que estaria equivocado, porquanto já teria efetuado o pagamento da pensão alimentícia devida à sua genitora, inclusive possuindo recibo para comprovar o alegado. Contudo, informou que o policial insistiu na prisão. Assim, tomou seus remédios, deixou os netos com sua filha e acompanhou o policial. Asseverou que não teria sido algemada no caminho à Delegacia, somente quando encaminhada ao Presídio Santa Augusta. Informou que não teria sido possibilitado qualquer contato com seu advogado, sendo que no presídio teve que tirar sua roupas e sofreu revista íntima. Acrescentou que possuiria pressão alta e problemas no joelho, mas que isso não teria impedido que ela tivesse que se agachar em um espelho. Alegou ter ficado em uma cela com outras três detentas e que se sentiu muito humilhada. Posteriormente, entre 23 horas e meia noite, teria sido posta em liberdade. Confirmou que a prisão era oriunda de processo de execução de alimentos que possuiria como beneficiária sua genitora.

Rosana Jung, filha da autora, ouvida na qualidade de informante, disse ter visto o momento em que o carro de polícia parou na casa de sua genitora, bem como ouviu os gritos de seus filhos. Ao conversar com o policial, explicou que sua genitora já tinha pago o débito e que levaria o comprovante até a Delegacia. Alegou que sua mãe seria uma pessoa de poucas posses e que somente teria conseguido quitar o valor perseguido na ação de execução porque Paula tinha emprestado, em troca de serviços como cozinheira. Por fim, pontuou que sua mãe teria ficado muito traumatizada com a situação, chorando com frequência e não podendo ouvir uma sirene.

A testemunha Paula de Brida Fontanella, no mesmo sentido, arguiu que a prisão da autora teria ocorrido em um sábado pela tarde, sendo que, imediatamente após o ato, foi procurada pela filha de Néria, no intuito de conceder uma cópia do comprovante de pagamento da pensão alimentícia, tendo em vista que foi ela quem emprestou o dinheiro e quitou o débito. Disse que teria revirado a casa da autora e encontrou o comprovante, mas a Delegacia já estaria fechada. Assim, entraram em...

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