Decisão Monocrática Nº 0300355-38.2019.8.24.0062 do Quinta Câmara de Direito Comercial, 21-05-2020

Número do processo0300355-38.2019.8.24.0062
Data21 Maio 2020
Tribunal de OrigemSão João Batista
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoDecisão Monocrática



Quinta Câmara de Direito Comercial

Desembargador Monteiro Rocha


Apelação Cível n. 0300355-38.2019.8.24.0062, de São João Batista

Apte/Apdo : Banco Bmg S/A
Advogados : Sigisfredo Hoepers (OAB: 7478/SC) e outro
Apda/Apte : Maria Helena Mariano
Advogado : José Edson Vidal Chagas (OAB: 72806/PR)

Relator: Desembargador Monteiro Rocha

Vistos etc.

Trata-se de ação declaratória de inexigibilidade de débito, c/c indenização por abalo de crédito, movida por Maria Helena Mariano contra Banco BMG S/A sob o fundamento de ter contratado empréstimo consignado, na condição de beneficiária do INSS, sem ter sido informada adequadamente de que estava adquirindo crédito por vinculação à saque de cartão de crédito e constituição de reserva de margem consignável neste, com implicações remuneratórias muito além do tradicionalmente ofertado no mercado financeiro e do qual pretendia adquirir.

Postulou a declaração de inexigibilidade do débito, com a condenação da financeira à restituição, em dobro, dos valores descontados indevidamente de sua fonte pagadora, mais indenização por abalo creditício.

Citado, a réu apresentou contestação, defendendo ter agido de boa-fé e em estrito cumprimento/respeito à vontade exarada pelo contratante/adquirente. Disse que a autora não demonstrou a ocorrência de abalo, mas tão somente de mero aborrecimento cotidiano.

Requereu, enfim, a improcedência dos pedidos iniciais.

Houve réplica.

Processado o feito, sobreveio sentença, em que o magistrado a quo julgou procedentes em parte os pedidos iniciais, declarando a nulidade do contrato de empréstimo consignado mediante cartão de crédito, com retorno ao status quo ante, mais a condenação do réu à repetição de indébito, de forma simples, dos valores descontados indevidamente, além de indenização por abalo de crédito no valor de R$3.000,00.

Inconformado, o banco interpôs apelação, alegando que o contrato é claro em seus termos, tendo sido devidamente assinado pela consumidora.

Enfatizou que a sistemática do contrato foi devidamente esclarecida à autora, pelo que inexiste prática comercial abusiva a justificar a restituição dos valores e à condenação por abalo de crédito.

Reforçou insubsistir fundamentos à repetição em dobro, porque incomprovada a má-fé nos descontos, que obedeceram disposições contratuais prévias.

Sustentou a inexistência de abalo de crédito indenizável. Sucessivamente, requereu a minoração do quantum indenizatório, pois fixado de forma desarrazoada.

Postulou a retificação do termo de incidência dos juros de mora.

Também inconformada, a autora interpôs apelação, postulando a majoração do quantum indenizatório para a monta de R$10.000,00.

Houve contrarrazões.

É o relatório.

O recurso envolve matéria pacificada em firme jurisprudência e o princípio da colegialidade informa a desnecessidade de submeter ao colegiado questão que não encontra dissenso entre os eminentes pares.

As súplicas recursais são dirigidas contra sentença que julgou procedentes em parte os pedidos iniciais, declarando a nulidade do contrato de empréstimo consignado mediante cartão de crédito, com retorno ao status quo ante, mais a condenação do réu à repetição de indébito, de forma simples, dos valores descontados indevidamente, além de indenização por abalo de crédito no valor de R$3.000,00.

Passo à análise do feito.

1. Prescrição

Argumenta o banco a ocorrência de prescrição, pois o contrato de empréstimo bancário foi realizado entre as partes, na data de 15-10-2015, enquanto o ajuizamento da lide ocorreu em 25-02-2019.

Sem razão o banco.

À hipótese, tem-se a ocorrência de vício por fato do produto, uma vez que, contratado empréstimo mediante cartão de crédito consignável, com infrigência ao dever de informação do consumidor, os descontos desta celebração repercutem para além da esfera do próprio serviço bancário, atingindo ilegalmente parte da verba alimentar do consumidor. Assim, é aplicável o prazo prescricional de cinco anos, previsto no art. 27 do CDC, in verbis:

"Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria".

É que, mutatis mutandis, "em se tratando de pretensão de repetição de indébito decorrente de descontos indevidos, por falta de contratação de empréstimo com a instituição financeira, ou seja, em decorrência de defeito do serviço bancário, aplica-se o prazo prescricional do art. 27 do CDC". (STJ, 4ª T., Relator Ministro Luis Felipe Salomão, AgInt no AREsp 1372834/MS, j. 26-03-2019).

Noutro giro, o dies a quo de incidência do prazo quinquenal - por se tratar de contrato bancário de empréstimo - é a data do vencimento da última prestação, a partir da qual se torna exigível o cumprimento integral da dívida pela casa bancária.

Como o contrato havido entre as partes se refere a empréstimo mediante cartão de crédito consignado, é da própria natureza da contratação a inexistência de número de parcelas definidas, cabendo ao consumidor o pagamento, além do mínimo contratado, dos valores constantes na fatura do cartão, sujeito à incidência de encargos remuneratórios do referido.

À espécie, tem-se notícia de que os descontos do cartão se protraem após o ajuizamento da ação, em abril de 2019 (fl. 156).

Com base nas premissas acima, é incogitável emprestar à data de assinatura do pacto como termo inicial de contagem do prazo prescricional quinquenal, mas a data da última parcela - que pela lógica contratual permanece intacta até o regular adimplemento integral, por vontade/disponibilidade do aderente do cartão - inocorrente, pois, ao caso concreto.

Sobre o tema, colhem-se entendimentos jurisprudenciais assentes do STJ, que reputo aplicáveis ao caso sub judice:

- "CONTRATO BANCÁRIO. INADIMPLEMENTO. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. ÚLTIMA PRESTAÇÃO. DATA DE VENCIMENTO. TRATO SUCESSIVO. DESCARACTERIZAÇÃO. OBRIGAÇÃO ÚNICA. DESDOBRAMENTO EM PARCELAS. PAGAMENTOS DE VALORES. REEXAME DE PROVA. SÚMULA Nº 7/STJ.

[...]

O prazo para o adimplemento da obrigação é comumente estipulado em benefício do devedor, sobretudo nos contratos de execução continuada ou de execução diferida, não podendo o credor exigir o cumprimento da prestação antes do seu vencimento (art. 939 do Código Civil). A dívida vence, ordinariamente, no termo previsto contratualmente.

Por se tratar de obrigação única (pagamento do valor emprestado), que somente se desdobrou em prestações repetidas para facilitar o adimplemento do devedor, o termo inicial do prazo prescricional também é um só: o dia em que se tornou exigível o cumprimento integral da obrigação, isto é, o dia de pagamento da última parcela (princípio da actio nata - art. 189 do CC). Descaracterização da prescrição de trato sucessivo" (STJ, 3ª T., Relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, AgInt no AREsp 1033260/RS, j. 22-10-2018).

"[...] O Tribunal a quo dirimiu a controvérsia em conformidade com a orientação firmada nesta Corte, no sentido de que, para a contagem do prazo prescricional quinquenal previsto no art. 27 do CDC, o termo inicial a ser observado é a data em que ocorreu a lesão ou pagamento, o que, no caso dos autos, se deu com o último desconto do mútuo da conta do benefício da parte autora. Incidência da Súmula nº 568 do STJ, segundo a qual, o relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema.

Para modificar o termo inicial firmado no acórdão recorrido, para efeito de contagem do início de fluência da prescrição nos autos, seria imprescindível derruir a afirmação contida no decisum atacado, o que, forçosamente, ensejaria em rediscussão de matéria fática, incidindo, na espécie, o óbice contido na Súmula nº 7 do STJ [...]" (STJ, 3ª T., Relator Ministro Moura Ribeiro, AgInt no AREsp 1367313/MS, j. 20-05-2019).

E ainda, desta Câmara de Direito Comercial:

"APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE VALORES C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA. TERMO DE ADESÃO A CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO COM AUTORIZAÇÃO PARA DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO. RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC) DESCONTADA DIRETAMENTE NO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DA PARTE AUTORA. SENTENÇA QUE JULGOU PARCIALMENTE PROCEDENTES OS PEDIDOS FORMULADOS NA PETIÇÃO INICIAL. RECURSOS DE AMBAS AS PARTES. PRELIMINAR. PRESCRIÇÃO. AFASTAMENTO. ART. 27 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. MÉRITO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO QUANTO À UTILIZAÇÃO DO CARTÃO DE CRÉDITO. CONTRATO COM PREVISÃO DE ENCARGOS SUPERIORES AO ADMITIDO PELO BANCO CENTRAL PARA CRÉDITO CONSIGNADO A APOSENTADOS E PENSIONISTAS DO INSS. VIOLAÇÃO AO DIREITO DE INFORMAÇÃO. PRÁTICAS ABUSIVAS. APLICABILIDADE DO ART. 39, I, III E IV, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. NEGÓCIO JURÍDICO ILEGAL, CONTUDO, EXISTENTE. ADEQUAÇÃO DA MODALIDADE CONTRATUAL PARA CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. VALORES DESCONTADOS A TÍTULO DE RMC QUE DEVEM SER ABATIDOS DO SALDO DEVEDOR. REPETIÇÃO DO INDÉBITO A SER EFETIVADA NA FORMA SIMPLES. CONDUTA ILÍCITA DA INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. TEORIA DO RISCO. DANO MORAL CONFIGURADO. DEVER DE INDENIZAR CARACTERIZADO. REDISTRIBUIÇÃO DOS ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. PARTE AUTORA QUE DECAIU DE PARTE MÍNIMA DO PEDIDO. EXEGESE DO ART. 86, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. VERBAS SUCUMBENCIAIS QUE DEVEM SER SUPORTADAS EXCLUSIVAMENTE PELA PARTE RÉ. RECURSO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA NÃO PROVIDO E RECURSO DA PARTE AUTORA PARCIALMENTE PROVIDO". (TJSC, Apelação Cível n. 0301461-84.2019.8.24.0175, de Meleiro, rel. Des. Roberto Lucas Pacheco, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 07-05-2020).

- "APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE CONTRATUAL E INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE...

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