Decisão Monocrática Nº 0300369-49.2018.8.24.0032 do Sexta Câmara de Direito Civil, 29-05-2019

Número do processo0300369-49.2018.8.24.0032
Data29 Maio 2019
Tribunal de OrigemItaiópolis
ÓrgãoSexta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoDecisão Monocrática



ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Apelação Cível n. 0300369-49.2018.8.24.0032 de Itaiópolis

Apelante : Celesc Distribuição S/A
Advogado : Frederico Camargo Siebert (OAB: 40447/SC)
Apelado : Jocelio Ries
Advogada : Aurea Kovalczuk (OAB: 15298/SC)
Relator: Desembargador André Carvalho

DECISÃO MONOCRÁTICA TERMINATIVA

Trata-se de Apelação Cível manejada por Celesc Distribuição S/A, desafiando sentença exarada pelo juízo da comarca de Itaiópolis (Vara Única), em ação condenatória movida contra si por Jocelio Ries, lastreando-se em suposto prejuízo decorrente de constantes quedas no fornecimento de energia elétrica, as quais teriam causado perda significativa na qualidade de sua produção agrícola de fumo.

A propósito, transcreve-se o dispositivo do decisum (fls. 69-76):

Ante o exposto, nos termos da fundamentação supra, JULGO PROCEDENTE o pedido deduzido pela parte autora para CONDENAR a requerida CELESC a lhe pagar, a título de indenização por danos materiais, o valor de R$ 17.527,10 (dezessete mil, quinhentos e vinte e sete reais e dez centavos), corrigidos pelo INPC desde a data do laudo até a data do efetivo pagamento, mais juros de mora de 1,00% (hum por cento) ao mês contados, estes, da citação.

Condeno, ainda, a requerida Celesc ao pagamento das custas processuais, honorários periciais inclusive os antecipados pela parte autora - e advocatícios, que fixo em 15,00% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, forte no § 2º do artigo 85 do CPC/2015. O percentual se me afigura adequado considerando que o advogado houve-se com adequado zelo profissional que prestou os serviços na própria comarca onde mantém escritório, necessitou de muito tempo de serviço, tendo ajuizado ação cautelar de produção antecipada de provas, com apresentação de quesitos e pedido principal. P. R. I.

Itaiópolis (SC), 18 de setembro de 2018.

Irresignada, a empresa ré afirma, basicamente: (i) que há culpa exclusiva do consumidor, porquanto a omissão no pleito de adequação da potência de energia elétrica seria a causa direta dos danos supostamente experimentados; (ii) que a concessionária estaria cumprindo as metas de fornecimento estipuladas pela ANEEL, cuja regularidade administrativa afastaria a ilicitude da conduta impugnada; (iii) que intempéries climáticas de força extrema seriam a causa das quedas de energia, encerrando hipótese de caso fortuito (ou força maior); (iv) que o laudo técnico acostado à exordial não teria idoneidade ao desiderato probatório, visto que produzido unilateralmente e por profissional sem a qualificação necessária para tanto; (v) que a inversão do ônus da prova não seria cabível no caso em deslinde, dada a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor ao caso concreto; (vi) que teria havido uma mudança no entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre a questão em liça, com suposto efeito vinculante, no julgamento do REsp n. 1.682.171/RS, vindo o Tribunal da Cidadania a encampar a tese do "dever de mitigar o próprio prejuízo" para reconhecer a culpa concorrente dos fumicultores, limitando-se o valor da condenação a 1/3 (um terço) dos danos materiais; e (vii) em caráter subsidiário, que se deve proceder à liquidação do importe por arbitramento.

À vista disso, requer o conhecimento e provimento do recurso, com a consequente reforma da sentença hostilizada a fim de que: (i) sejam julgados totalmente improcedentes os pedidos formulados na exordial; (ii) ou, subsidiariamente, que a condenação seja limitada a 1/3 (um terço) das perdas apuradas; (iii) ou, ainda em caráter subsidiário, que se determine a liquidação por arbitramento (fls. 79-176).

Contrarrazões às fls. 180-186.

Após distribuição, vieram-me os autos conclusos (fls. 188-189).

É a síntese do essencial. Passo a decidir.

Ab initio, mister consignar que a matéria em escopo encontra-se sedimentada no bojo deste Tribunal, franqueando o julgamento monocrático por este relator, nos termos do art. 932, inciso VIII, do Código de Processo Civil de 2015, combinado com art. 132, inciso XI, do RITJSC.

Isso porque, segundo posição jurisprudencial assente, "é permitido ao Relator negar seguimento a recurso de apelação que se revele contrário a entendimento dominante na respectiva Corte, de modo que a decisão lançada nesses moldes não viola a colegialidade" (TJSC, Agravo n. 1007087-24.2013.8.24.0023, da Capital, rel. Des. Sônia Maria Schmitz, Quarta Câmara de Direito Público, j. 21-06-2018).

Quanto ao mérito do reclamo, adianta-se, prima facie, que a insurgência não merece guarida.

Vale gizar, inicialmente, que a circunstância relativa à ocorrência das quedas de energia elétrica restou incontroversa ao longo da instrução, limitando-se o apelo à abordagem de teses jurídicas com o fito de afastar a obrigação indenitária, devendo o reclamo ser apreciado sob essa perspectiva.

O caso vertente atrai a incidência da legislação consumerista, vez que a Apelante enquadra-se de maneira precisa no art. 3º, caput, do Código de Defesa do Consumidor, in verbis: "fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços".

Dessarte, em face da normativa inserta no art. 14 do pergaminho de regência, tem-se que a empresa ré, na qualidade de fornecedora dos serviços de energia elétrica, deve responder objetivamente "pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos".

Outrossim, a parte autora também se enquadra no conceito de consumidor encartado no art. 2º da legislação de regência, que assim dispõe: "consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final".

Segundo ensinamento de Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpção Neves, à luz da "teoria finalista aprofundada" (ou mitigada) - a qual vem prevalecendo no âmbito do Superior Tribunal de Justiça -, desvela-se que "o enquadramento do consumidor dependerá da presença de uma parte qualificada como grande ou pequena, forte ou fraca", vez que o ponto chave para a quaestio repousa sobre a eventual hipossuficiência do adquirente do produto ou dos serviços (TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito do Consumidor. 6ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 92-101).

Sobre o tema, do Tribunal da Cidadania, colhe-se (grifou-se):

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL CIVIL. PROCESSO CIVIL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO CPC/73. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. PESSOA JURÍDICA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. APLICAÇÃO DO CDC. TEORIA FINALISTA MITIGADA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. ART. 27 DO CDC. SÚMULA Nº 83 DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

1. Inaplicabilidade do NCPC a este julgamento ante os termos do Enunciado nº 1 aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

2. A jurisprudência desta Corte tem mitigado os rigores da teoria finalista para autorizar a incidência do CDC nas hipóteses em que a parte (pessoa física ou jurídica), embora não seja tecnicamente a destinatária final do produto ou serviço, se apresente em situação de vulnerabilidade. Tem aplicação a Súmula nº 83 do STJ.

3. Agravo regimental não provido. (STJ, AgRg no AREsp 646.466/ES, rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, j. 07-06-2016).

E da jurisprudência catarinense, destaca-se (grifou-se):

DIREITO DO CONSUMIDOR - MICROEMPRESÁRIO INDIVIDUAL - PRODUTO ADQUIRIDO COMO INSTRUMENTO DE TRABALHO - CONCEITO DE CONSUMIDOR - TEORIA FINALISTA MITIGADA - PRECEDENTES DO STJ - VULNERABILIDADE DEMONSTRADA - APLICABILIDADE DO REGIME CONSUMERISTA.

A jurisprudência assente do Superior Tribunal de Justiça adotou a respeito da concepção de consumidor a teoria finalista mitigada, a qual estende a aplicação das normas protetivas constantes no Código de Defesa do Consumidor a determinados consumidores profissionais de produtos ou serviços, desde que comprovada vulnerabilidade em relação ao fornecedor. (TJSC, Agravo de Instrumento n. 2015.072971-1, de São José, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, j. 29-02-2016).

No caso em apreço, sendo o demandante agricultor de economia familiar, e a empresa ré concessionária de energia elétrica de grande porte, tem-se por manifesta a hipossuficiência fática da parte autora frente à requerida, atraindo, pois, a incidência do Código de Defesa do Consumidor.

Não destoa o entendimento desta Corte, senão vejamos (grifou-se):

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. SECAGEM DE FUMO EM ESTUFA. SUPOSTOS DANOS À PRODUÇÃO OCORRIDOS EM VIRTUDE DE INTERRUPÇÃO INJUSTIFICADA NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. DEMANDA PROPOSTA PELO FUMICULTOR CONTRA CELESC DISTRIBUIÇÃO S.A. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. IRRESIGNAÇÃO DA RÉ. AUTOR QUE ENCONTRA-SE EM SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR AO CASO CONCRETO. SERVIÇO PRESTADO NA MODALIDADE DE CONCESSÃO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA CONCESSIONÁRIA POR EVENTUAIS DANOS CAUSADOS EM DECORRÊNCIA DA PRESTAÇÃO DE SEUS SERVIÇOS. EXEGESE DO ART. 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DA LEGISLAÇÃO CONSUMERISTA. NEXO CAUSAL ENTRE A INTERRUPÇÃO NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA E OS DANOS EXPERIMENTADOS PELO AGRICULTOR, DEVIDAMENTE COMPROVADO. EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE NÃO DEMONSTRADOS. DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO. VALIDADE DO LAUDO PERICIAL ACOSTADO À EXORDIAL. DOCUMENTO PRODUZIDO EM AÇÃO CAUTELAR DE...

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