Decisão Monocrática Nº 0300440-83.2019.8.24.0010 do Quinta Câmara de Direito Comercial, 21-05-2020

Número do processo0300440-83.2019.8.24.0010
Data21 Maio 2020
Tribunal de OrigemBraco do Norte
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoDecisão Monocrática



Quinta Câmara de Direito Comercial

Desembargador Monteiro Rocha


Apelação Cível n. 0300440-83.2019.8.24.0010, de Braço do Norte

Apte/Apda : Maria do Carmo Martins
Advogados : Adriani Nunes Oliveira (OAB: 12687/SC) e outros
Apdo/Apte : Banco Bmg S/A
Advogados : João Rafael de Sousa Caetano Soares (OAB: 136487/MG) e outro

Relator: Desembargador Monteiro Rocha

Vistos etc.

Trata-se de ação declaratória de inexigibilidade de débito, c/c indenização por abalo de crédito, movida por Maria do Carmo Martins contra Banco BMG S/A sob o fundamento de ter contratado empréstimo consignado, na condição de beneficiária do INSS, sem ter sido informada adequadamente de que estava adquirindo crédito por vinculação à saque de cartão de crédito e constituição de reserva de margem consignável neste, com implicações remuneratórias muito além do tradicionalmente ofertado no mercado financeiro e do qual pretendia adquirir.

Postulou a declaração de inexigibilidade do débito, com a condenação da financeira à restituição, em dobro, dos valores descontados indevidamente de sua fonte pagadora, mais indenização por abalo creditício.

Citado, a réu apresentou contestação, defendendo ter agido de boa-fé e em estrito cumprimento/respeito à vontade exarada pela contratante/adquirente. Disse que a autora não demonstrou a ocorrência de abalo, mas tão somente de mero aborrecimento cotidiano.

Requereu, enfim, a improcedência dos pedidos iniciais.

Houve réplica.

Processado o feito, sobreveio sentença, em que o magistrado a quo julgou procedentes em parte os pedidos iniciais, declarando a nulidade do contrato de empréstimo consignado mediante cartão de crédito, com retorno ao status quo ante, mais a condenação do réu à repetição de indébito, de forma simples, dos valores descontados indevidamente, além de indenização por abalo de crédito no valor de R$5.000,00.

Inconformado, o banco interpôs apelação, alegando que o contrato é claro em seus termos, tendo sido devidamente assinado pela consumidora.

Enfatizou que a sistemática do contrato foi devidamente esclarecida à autora, pelo que inexiste prática comercial abusiva a justificar a restituição dos valores e à condenação por abalo de crédito.

Sustentou a inexistência de abalo de crédito indenizável. Sucessivamente, requereu a minoração do quantum indenizatório, pois fixado de forma desarrazoada.

Também inconformado, a autora interpôs apelação, postulando a majoração do quantum indenizatório para a monta de R$20.000,00 e a repetição em dobro dos valores pagos.

Houve contrarrazões.

É o relatório.

O recurso envolve matéria pacificada em firme jurisprudência e o princípio da colegialidade informa a desnecessidade de submeter ao colegiado questão que não encontra dissenso entre os eminentes pares.

As súplicas recursais são dirigidas contra sentença que julgou procedentes em parte os pedidos iniciais, declarando a nulidade do contrato de empréstimo consignado mediante cartão de crédito, com retorno ao status quo ante, mais a condenação do réu à repetição de indébito, de forma simples, dos valores descontados indevidamente, além de indenização por abalo de crédito no valor de R$5.000,00.

Passo à análise do feito.

1. Nulidade contratual - violação ao direito de informação

Alega o banco que o contrato é claro em seus termos, o qual foi devidamente assinado pela consumidora.

Enfatiza que a sistemática do contrato foi devidamente esclarecida à autora, pelo que inexiste prática comercial abusiva.

Razão parcial assiste ao réu.

A autora não desconhece a contratação de empréstimo consignado ao qual aderiu, no entanto destaca que a modalidade celebrada não lhe foi informada adequadamente, especialmente quanto ao seu alcance, que acarreta a aplicação de encargos superiores àqueles ordinariamente previstos para o empréstimo consignado - porque vinculado às astronômicas taxas de operações de cartão de crédito.

Como a causa de pedir está fundamentada na ausência de compreensão quanto ao sentido e alcance do contrato - de modo a inviabilizar a vinculação do consumidor às obrigações por si assumidas -, a controvérsia cinge-se à falta de informação da operação bancária ao adquirente do crédito: se este detinha, ou não, conhecimento acerca da modalidade contratada e de suas consequências contratuais.

Para demonstrar a compreensão do contrato pelo consumidor, o banco réu apresentou a minuta de adesão a cartão de crédito consignado e autorização da autora para desconto em folha de pagamento, ao qual ele se obrigou a pagar mensalmente o valor indicado, na quantia base de R$ 46,75 em cujo valor emprestado (R$ 1.198,90) é acrescido de encargos remuneratórios de 3,06% a.m e 44,30% a.a, despido de quaisquer informações exigidas pela lei consumerista (art. 52, IV e V do CDC), quanto ao número e periodicidade das prestações e a soma total a pagar.

Assim, a instituição financeira não se desincumbiu de demonstrar que a autora detinha conhecimento sobre os meandros da contratação, em especial de que a contratação de empréstimo pela modalidade de saque via cartão de crédito possuía encargos muito superiores ao de empréstimo pessoal.

É obrigação do fornecedor prestar as informações necessárias à perfectibilização da relação jurídica; a mera assinatura do instrumento contratual não torna clarividente o conhecimento acerca da modalidade, notadamente quanto à incidência de juros remuneratórios elevados.

O Diploma de Consumo relativizou o princípio do pacta sunt servanda, reformulando completamente a feição individualista que caracterizava o direito contratual privado, tornando inadmissíveis cláusulas contratuais que colocavam o consumidor em situação de desequilíbrio, exigindo comportamentos leais e solidários dos fornecedores, a fim de não causar prejuízo aos consumidores.

As provas trazidas pela instituição bancária demonstram a contratação, mas não apontam a cientificação do consumidor hipossuficiente acerca do seu alcance. Aos olhos do consumidor, o empréstimo consignado aparenta aquisição, contudo, é obscura, seja pela incerteza textual ao consumidor vulnerável, seja pela incontroversa falta de explicação sobre o contrato.

Outrossim, "nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem (art. 112, do CC)". Trata-se de colorário dos princípios da eticidade e da boa-fé objetiva.

A instituição financeira não nega que a autora a procurou para formalização de empréstimo consignado com desconto direto em seus benefícios previdenciários. Daí a inobservância do fornecedor daquilo que efetivamente pretendia adquirir o consumidor, impondo-se contratação com efeitos prejudiciais ao mesmo e à própria relação de consumo.

Caberia à requerida diligenciar documento apartado, com assinatura do consumidor, explicitando as diferenças entre a modalidade contratada e àquela usualmente oferecida no mercado, com linguagem clara e acessível para refutar qualquer alegação sobre a incompreensão da celebração.

Com base no princípio da informação e transparência (arts. 6º, III, e , ambos do CDC), conclui-se que não se pode condicionar o consumidor à disposição contratual dificultosa à compreensão de seu sentido e alcance.

Por isso, a necessária informação sobre o alcance do contrato era evidente, notadamente quando há aplicação de encargos remuneratórios atrelados ao uso de cartão de crédito.

A explicação quanto a essa modalidade de empréstimo (via cartão de crédito) é de tamanha importância, por influenciar diretamente na forma de incidência remuneratória e de pagamento do débito.

Levando-se em consideração que o ônus da prova foi invertido, e que a requerida não demonstrou a inexistência de vícios na prestação do serviço ou a culpa exclusiva do consumidor, sendo inaplicáveis as cláusulas contratuais que impliquem em difícil compreensão da modalidade avençada.

Sobre o tema, Rizzatto Nunes expõe que "na sistemática implantada pelo CDC, o fornecedor está obrigado a prestar todas as informações acerca do produto e do serviço, suas características, qualidades, riscos, preços etc., de maneira clara e precisa, não se admitindo falhas ou omissões. Trata-se de um dever exigido mesmo antes do início de qualquer relação. A informação passou a ser componente necessário do produto e do serviço, que não podem ser oferecidos no mercado sem elas". (in Curso de Direito do Consumidor. 2ª ed. 2006. Ed. Saraiva: São Paulo. p. 129)

É dever do fornecedor informar adequadamente o consumidor acerca das disposições contratuais, sendo que, na hipoinformação ou também na hipótese de hiperinformação, não será o consumidor obrigado a cumprir o pacto, em razão de desconhecer a realidade contratual.

A par dessas considerações, inexistindo informação, clara, suficiente e adequada ao consumidor, não pode a modalidade de empréstimo consignado contratada vinculá-lo, porquanto fustigados os princípios da transparência e da informação contratual.

O Código de Defesa do Consumidor é claro em seu art. 46 que "os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance".

Nesse sentido, é da ensinança de Nelson Nery Junior:

"Dar oportunidade de tomar conhecimento do conteúdo do contrato não significa dizer para o consumidor ler as cláusulas do contrato de comum acordo ou as cláusulas contratuais gerais do futuro contrato de adesão. Significa, isto sim, fazer com que tome conhecimento efetivo do conteúdo do contrato. Não satisfaz a regra do artigo sob análise a mera cognoscibilidade das bases do contrato, pois o sentido teleológico e finalístico da norma indica dever o fornecedor dar efetivo conhecimento ao consumidor de todos os direitos e deveres que decorrerão do contrato,...

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