Decisão Monocrática Nº 0300901-16.2019.8.24.0023 do Quinta Câmara de Direito Público, 24-07-2019

Número do processo0300901-16.2019.8.24.0023
Data24 Julho 2019
Tribunal de OrigemCapital
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoDecisão Monocrática



ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Apelação Cível n. 0300901-16.2019.8.24.0023 da Capital

Apelante : Cotresc- Cooperativa de Transportes de Cargas do Estado de Santa Catarina Ltda
Advogada : Paula Regina Guerra de Resende Couri (OAB: 340947/SP)
Apelado : Estado de Santa Catarina
Procuradora : Barbara Lebarbenchon Moura Thomaselli (OAB: 9194/SC)
Relator: Desembargador Hélio do Valle Pereira

DECISÃO MONOCRÁTICA TERMINATIVA

1. Cooperativa de Transportes de Cargas do Estado de Santa Catarina Ltda apela de sentença do juízo da 3ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Capital que julgou improcedente o pedido constante de mandado de segurança - impetrado em relação a ato do Diretor da Diretoria de Administração Tributária do Estado de Santa Catarina.

Relata que é ilegal a cobrança do ICMS sob a alíquota de 25% sobre as tarifas de energia elétrica, visto que se trata de serviço público fundamental e essencial, ferindo, assim, o princípio da seletividade. Há, ainda, flagrante violação do princípio da isonomia quando a legislação catarinense estabeleceu "alíquota de 12% sobre operações de energia elétrica para consumidores domésticos e rurais" em detrimento daqueles industriais e comerciais, que recolhem o percentual de 25.

Quer, além do reconhecimento do direito ao pagamento do tributo pela alíquota de 12% ou 17% - por simetria em relação a outros bens essenciais -, a compensação dos valores pagos a maior nos últimos cinco anos com aqueles devidos ao Fisco.

Em contrarrazões o apelado defendeu o acerto da decisão combatida.

A Procuradoria-Geral de Justiça se manifestou pelo desprovimento do recurso.

2. Faço um advertência inaugural: é que embora o STF tenha admitido Repercussão Geral quanto ao assunto (RE 714.139-SC, rel. Min. Marco Aurélio), que corresponde ao Tema 745, não houve por conta disso ordem de sobrestamento dos feitos relacionados à matéria.

Prossigo, então, na análise da postulação.

3. Há norma estadual que estabelece determinada alíquota (25%) a título de ICMS sobre operações com energia elétrica. A postulante, porém, na linha do disposto no art. 155, § 2º, da Constituição Federal, defende que, sendo seletivo o tributo, não pode ser exigida alíquota para produto essencial de forma idêntica (ou mais gravosa) àqueles considerados supérfluos. Dito de outro modo, seria o caso de ser cobrada pelo percentual de 17, não nos atuais 25%.

Tenho, porém, independentemente de maiores debates quanto ao conteúdo da norma controvertida, que deva preponderar a segurança jurídica. Isso por que, inexistindo hierarquia entre os princípios constitucionais relacionados à questão (seletividade, isonomia e legalidade, dentre outros correlatos), tenho, por critério de ponderação, por prevalecente o último. É que além de existir Lei em vigor que expressamente fixa tais patamares - e o princípio da legalidade tem força ainda mais eloquente em seara tributária -, de constitucionalidade presumida, pode-se paralelamente compreender que o escalonamento previsto atende a capacidade contributiva (e identicamente a isonomia), preservando-se, outrossim, o interesse público quanto a eventuais contingências relacionadas à escassez do produto, com o desestímulo ao consumo abusivo e ao desperdício.

Não se pode, outrossim, descartar certa margem de extrafiscalidade da exação, tal como ponderou o Juiz Marco Aurélio Ghisi Machado:

No tocante ao ICMS, contudo, a própria Constituição Federal é clara ao estabelecer a facultatividade da adoção da referida técnica, dispondo que o imposto "poderá" ser seletivo.

E mesmo que assim não fosse, haveria ainda que se considerar que a imposição de uma maior ou menor alíquota tributária a um determinado fato imponível, não se restringiria, necessariamente, à adoção dessa técnica.

Isso porque, cada vez mais, a tributação se afasta da sua ordinária finalidade arrecadatória, voltando-se à consecução de desígnios outros, atinentes à ordenação da economia e das relações sociais, em verdadeira função extrafiscal.

Nos dizeres de Geraldo Ataliba, "consiste a extrafiscalidade no uso de instrumentos tributários para obtenção de finalidades não arrecadatórias, mas estimulantes, indutoras ou coibidoras de comportamentos, tendo em vista outros fins, a realização de outros valores constitucionalmente consagrados" (ATALIBA, Geraldo. IPTU - Progressividade. Revista de Direito Público (RDP) 93/233).

Assim é que, mesmo com relação a serviços potencialmente reputados 'essenciais' à sociedade, como seria o caso da energia elétrica, e até mesmo das comunicações, será possível a imputação de alíquotas tributárias mais gravosas, como forma de regulação das relações sociais no tocante a esses serviços.

(...)

Em suma, portanto, não há óbice à eventual mitigação da seletividade, ou mesmo da capacidade contributiva, pela extrafiscalidade.

Valendo-se da discricionariedade que lhe é atribuída pelo constituinte, em verdadeiro juízo de conveniência e oportunidade, poderá, sim, o legislador estadual estipular alíquotas mais severas sobre algumas atividades, desde que o faça "a partir de critérios racionais, lógicos e impessoais estabelecidos de modo legítimo em norma legal, a implementar objetivos estatais nitidamente qualificados pela nota da extrafiscalidade" (STF, AI 142.348-1, Rel. Min. Celso de Mello).

(...)

Ao que tudo indica, considerando justamente a essencialidade da energia elétrica às famílias brasileiras, fez questão de atribuir ao consumo domiciliar a alíquota de 12% até os primeiros 150 kw consumidos. O mesmo o fez com relação ao produtor rural e cooperativas rurais redistribuidoras, na parte que não exceder a 500 kw mensais.

Contudo, como já dito, a técnica da seletividade não é - e nem poderia ser - a única a reger o exercício legislativo tributário.

Assim é que, por exemplo, ressalvado o consumo familiar e rural de energia elétrica, considerado essencial pelo legislador até patamares predeterminados, valendo-se da técnica da extrafiscalidade, optou este por onerar as alíquotas do mesmo imposto para outras modalidades de consumo, com vistas a desestimular o desperdício e os excessos comumente verificados no uso desse serviço pela população em geral.

E como é evidente, não há qualquer mácula nisso.

(...)

Trata-se, isto sim, de medida que visa fomentar a isonomia em seu aspecto material, tratando igualmente àqueles que assim devem ser tratados (até determinada faixa de consumo, os contribuintes domiciliares) e desigualmente os demais (as empresas, cujo potencial contributivo transcende em muito o orçamento das famílias brasileiras).

Essa interpretação tem vingado na jurisprudência doméstica, o que reforça a necessidade de prestígio à segurança jurídica:

A) APELAÇÃO. ICMS SOBRE ENERGIA ELÉTRICA. ALÍQUOTA DE 25% (VINTE E CINCO POR CENTO). INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA SELETIVIDADE. TRIBUTAÇÃO ESCALONADA CÔNSONA COM OS PRINCÍPIOS DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E DA ISONOMIA. RECURSO DESPROVIDO.

"1. Não obstante sustente, grande parte da doutrina, a inconstitucionalidade de leis estaduais que estabelecem alíquotas máximas (até 25%) para o ICMS incidente sobre operações com energia elétrica, sob o fundamento de que se trata de uma mercadoria...

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