Decisão Monocrática Nº 0302142-25.2019.8.24.0023 do Primeira Câmara de Direito Civil, 29-11-2019
Número do processo | 0302142-25.2019.8.24.0023 |
Data | 29 Novembro 2019 |
Tribunal de Origem | Concórdia |
Órgão | Primeira Câmara de Direito Civil |
Classe processual | Apelação Cível |
Tipo de documento | Decisão Monocrática |
Apelação Cível n. 0302142-25.2019.8.24.0023 de Concórdia
Apelante : Sul América Companhia Nacional de Seguros
Advogado : Sérgio Pinheiro Máximo de Souza (OAB: 135753/RJ)
Apelado : Celesc Distribuição S/A
Advogado : Leonardo Stringhini (OAB: 23212/SC)
Relator: Des. Gerson Cherem II
DECISÃO MONOCRÁTICA TERMINATIVA
Trata-se de apelação cível interposta por Sul América Companhia Nacional de Seguros, irresignada com a sentença prolatada pelo Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Concórdia que, nos autos da ação de ressarcimento de danos aforada contra Celesc Distribuição S/A, julgou improcedente o pleito exordial, nos seguintes termos (fl. 174):
Assim, ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido, com resolução de mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.
Condeno a Autora ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios, estes arbitrados em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, "ex vi" do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil.
Inconformada, a autora sustentou que o dano e nexo causal estariam comprovados, diante dos documentos acostados aos autos. Pugnou, derradeiramente, pela reforma da sentença, julgando-se procedente o pleito exordial (fls. 178/201).
Com contrarrazões (fls. 208/211), ascenderam os autos a este Sodalício.
É o relatório.
Presentes os requisitos legais, conheço do recurso.
1) Do dever de ressarcir o dano:
Assevera a apelante ser devido o ressarcimento, sob o argumento de que o acervo probatório revela o pagamento da indenização ao segurado, com a consequente sub-rogação da autora nos direitos daquele, bem como a falha na prestação do serviço de fornecimento de eletricidade pela demandada e o nexo causal entre este e o dano indenizado.
Assiste razão à insurgente.
A demandante relata que a concessionária deve ressarcir-lhe, porque sub-rogou-se nos direitos do segurado, a qual faria jus ao reparo do prejuízo causado em decorrência da falha na prestação do serviço público de fornecimento de energia elétrica.
Inicialmente, importante esclarecer-se sobre o direito da seguradora em pugnar pelo ressarcimento da indenização quitada à segurada em face do suposto causador do prejuízo.
Dispõe o Código Civil de 2002, em seu art. 786:
Art. 786. Paga a indenização, o segurador sub-roga-se, nos limites do valor respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o autor do dano.
A companhia pode ajuizar a ação de regresso, consoante sedimentado pela Súmula 188, do Supremo Tribunal Federal: "o segurador tem ação regressiva contra o causador do dano, pelo que efetivamente pagou, até ao limite previsto no contrato do seguro."
Dessarte, tem-se que a autora assume os direitos do segurado, por força do vínculo jurídico que os liga (fls. 26/30).
Nesse desiderato, a questão cinge-se, fundamentalmente, em perquirir-se acerca da responsabilidade da apelada em relação aos prejuízos causados ao patrimônio de Fernanda B Fischer ME, decorrentes de descarga elétrica, os quais foram ressarcidos pela recorrente.
No que toca à responsabilização da concessionária por eventuais prejuízos, a Constituição Federal, em seu art. 37, § 6º, estabelece que "as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa'.
Tal dispositivo refere-se aos danos causados por ação, enquanto os prejuízos advindos da omissão do Poder Público, via de regra, implicam na responsabilização subjetiva.
Entrementes, a responsabilidade é objetiva nas hipóteses de danos originados de uma omissão específica do ente público. Neste desiderato: "se o prejuízo é consequência direta da inércia da Administração frente a um dever individualizado de agir e, por conseguinte, de impedir a consecução de um resultado a que, de forma concreta, deveria evitar" (AC n. 2009.046487-8, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, j. em 15.09.2009).
O caso em tela amolda-se a esta última situação, sendo a Celesc responsável objetivamente.
O artigo 6º, da Lei n. 8.987/95, por sua vez, estipula que "toda concessão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme o estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato". O próprio § 2º, do referido artigo, define como serviço adequado aquele que "satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas".
Nesse norte, tem-se o fornecimento de energia elétrica como serviço público essencial, impondo-se às respectivas prestadoras a completa submissão ao princípio da continuidade, regularidade, eficiência e segurança.
A respeito da natureza jurídica do negócio existente entre os usuários do serviço de energia elétrica e a prestadora, há entendimento do Superior Tribunal de Justiça sedimentado, no sentido de que a relação entre concessionária e o usuário final, para o fornecimento de serviços públicos essenciais como a energia elétrica, é consumerista, atraindo o Código de Defesa do Consumidor (AgRg no ARESp n. 468.064/RS, rel. Min. Og Fernandes, j. em 20.03.2014).
Na hipótese, a segurada contratou serviço de abastecimento de eletricidade, figurando, portanto, como consumidora, nos moldes do art. 2º, do CDC (Lei n. 8.078/1990).
Nesse pensar, reconhece-se a existência de relação de consumo na espécie. Em decorrência, igualmente por este prisma a teoria da responsabilização objetiva é aplicável.
Ou seja, a responsabilidade civil da ré revela-se objetiva, por força da omissão específica, bem como à luz do art. 14, caput, do Código de Defesa do Consumidor. Confira-se:
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
Comprovado o dano e o nexo causal, o dever indenizatório somente seria elidido acaso verificada uma das situações do § 3º, desse mesmo dispositivo. Verbatim:
§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:
I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;
II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Entretanto, houve satisfatória comprovação dos elementos que ensejam a responsabilidade da concessionária, inexistindo, de outra parte, demonstração acerca das excludentes acima, impondo-se a reparação dos danos infligidos ao consumidor e custeados pela seguradora.
Na hipótese, a seguradora exibiu a apólice de seguro, na qual consta a cobertura para danos elétricos (fls. 26/30). Trouxe aos autos também o comprovante de quitação (fl. 45), com dados do segurado, data do pagamento e indicação do valor depositado.
Apresentou ainda laudo dos bens atingidos (fls. 31/34), convergindo todos os documentos no sentido de ocorrência de avarias causadas por descarga atmosférica.
Diante desse cenário, vislumbra-se que a postulante demonstrou satisfatoriamente o respectivo prejuízo, bem como o nexo de causalidade com a falha do serviço público prestado.
Evidentemente tocava à ré pleitear a produção de prova sobre alguma atitude do próprio segurado ensejadora do sinistro para elidir a responsabilidade (art. 373, inciso II, do CPC/2015), porém não o fez.
A norma consumerista estabelece que é dever da concessionária garantir a segurança dos serviços prestados. Confira-se:
Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.
Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código.
Logo, resulta descabida a pretensão de atribuir ao consumidor tal responsabilidade.
Eventuais intempéries e descargas elétricas, seriam insuficientes para configurar uma emergência, na medida em que são condições meteorológicas absolutamente previsíveis. Somente a ocorrência de fenômeno extraordinário poderia eximir a responsabilidade, o que não corresponde ao caso.
Há julgado a respeito:
Não há falar em caso fortuito ou força maior se for possível à concessionária evitar o dano, uma vez que é manifestamente previsível a ocorrência de queda de energia em virtude das intempéries climáticas. A ocorrência de vento e chuva fortes não têm o condão de ser considerados caso fortuito, pois eventos como estes nada possuem de imprevisíveis e incomuns (TJSC, rel. Des. Vanderlei Romer). (AC n. 0300280-23.2014.8.24.0143, rel. Des. Pedro Manoel Abreu, j. em 28.06.2016).
Nesse contexto, malogrou a ré em provar a situação de emergência, bem como a culpa exclusiva da vítima.
Atinente ao liame etiológico, elemento indispensável para qualquer tipo de responsabilidade civil, calha trazer à luz a lição de Sergio Cavalieri Filho, que o define como: "elemento referencial entre a conduta e o resultado. É através dele que poderemos concluir quem foi o causador do dano." (in Programa de Responsabilidade Civil. 10. Ed. São Paulo: Atlas, 2012).
Sílvio de Salvo Venosa elucida:
O conceito de nexo causal, nexo etiológico ou relação de causalidade deriva das leis naturais. É o liame que une a conduta do agente ao dano. É por meio do exame da relação causal que concluímos quem foi o causador do dano. Trata-se de elemento indispensável. A responsabilidade objetiva dispensa a culpa, mas nunca dispensará o nexo causal. Se a vítima, que experimentou um dano, não identificar o nexo causal que levava o ato danoso ao responsável, não há como ser ressarcida....
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO