Decisão Monocrática Nº 0303907-78.2014.8.24.0064 do Quinta Câmara de Direito Comercial, 02-12-2019
Número do processo | 0303907-78.2014.8.24.0064 |
Data | 02 Dezembro 2019 |
Tribunal de Origem | São José |
Órgão | Quinta Câmara de Direito Comercial |
Classe processual | Apelação Cível |
Tipo de documento | Decisão Monocrática |
ESTADO DE SANTA CATARINA
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação cível n. 0303907-78.2014.8.24.0064, de São José
Apelante/apelado : Banco Bradesco Financiamentos S/A
Advogado : Wilson Sales Belchior (OAB: 29708/SC)
Apelado/apelante : Raimundo Silva do Nascimento
Advogada : Maria Ilma de Sousa
Relator: Des. Jânio Machado
DECISÃO MONOCRÁTICA TERMINATIVA
Raimundo Silva do Nascimento ajuizou "ação revisional de contrato c/c consignação em pagamento (tutela antecipada)" contra Banco Bradesco Financiamentos S/A sob a alegação de que celebrou com a instituição financeira contrato de financiamento (no valor de R$13.200,00) para aquisição do veículo GM Corsa, ano 2005, modelo 2006, placa MHL8950; apesar de ter pago 3 (três) das 48 (quarenta e oito) parcelas do negócio, entende excessivo o valor exigido, porque foi acrescido de encargos abusivos, a razão de ter pleiteado a: a) tutela antecipada para autorizar o depósito em juízo dos valores incontroversos, vedar a inscrição do nome nos cadastros de restrição ao crédito e manter a posse do bem; b) concessão do benefício da justiça gratuita; c) inversão do ônus da prova e; d) revisão da relação contratual.
A antecipação da tutela foi indeferida (fls. 47/52) e, inconformado, o autor interpôs recurso de agravo de instrumento (fls. 57/70), que foi desprovido pela Câmara (fls. 77/82).
A instituição financeira ofereceu contestação (fls. 125/208), que foi impugnada (fls. 212/218). Na sequência, o magistrado Rafael Fleck Arnt proferiu sentença (fls. 219/239), o que fez nos seguintes termos:
"POSTO ISTO,
JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos efetuados na Ação Revisional de Contrato c/c Consignação em Pagamento (Tutela Antecipada) proposta por RAIMUNDO SILVA DO NASCIMENTO contra BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S/A para, CONFIRMANDO o DEFERIMENTO da(s) liminar(es) de fls., DECRETAR a revisão do contrato de financiamento de fls. 34/40 e fls. 197/208, DECLARAR que: a) aplica-se a Lei nº 8.078/90 (CDC); b) é cabível a revisão judicial, ante a presença de cláusulas nulas; c) para o período de contratualidade: c.1) os juros remuneratórios pactuados são legais; c.2) a capitalização de juros é legal, podendo ser mantida; c.3) a correção monetária se fará pelos índices do INPC/IBGE; c.4) é legal a cobrança da 'TC' e de 'registro de contrato', podendo ser mantidos; c.5) o IOF é legal, por jurídico; c.6) são ilegais, devendo ser afastadas, as rubricas TEC, 'tarifa da avaliação do bem', 'tarifa de inserção do gravame' e 'seguro'; d) para o período de inadimplemento, a comissão de permanência fica limitada aos juros remuneratórios pactuados, mesmo cumulada com juros moratórios de 1% a.m; DECRETAR a nulidade de pleno direito das cláusulas que dispuserem de maneira diversa dos limitadores acima apontados, mantidos os demais dispositivos, devendo os valores efetivamente devidos ser apurados mediante a realização de simples cálculos aritméticos (NCPC, artigo 798), efetuando-se eventual compensação entre crédito/débito, sendo desnecessária posterior liquidação de sentença, tudo com fundamento no artigo 487, inciso I, do NCPC.
Face a SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA, CONDENO ambas as partes nos ônus de sucumbência despesas processuais, sendo 70% para o réu e 30% para o autor, e honorários advocatícios, os quais arbitro em R$ 1.050,00 para o procurador do autor e em R$ 450,00 para o do réu, sem compensação (EOAB -Lei nº 8.906/94, artigo 23), nos termos dos parâmetros do artigo 85, §2º a §8º do NCPC, ficando as exigibilidades suspensas para a(s) autora(s), face a JG deferida (fls. ), na forma do artigo 98, §3º, do NCPC." (o grifo está no original).
Inconformada, a instituição financeira interpôs recurso de apelação (fls. 243/262) sustentando a: a) inexistência da cobrança das tarifas de abertura de crédito (TAC) e de emissão de carnê (TEC); b) validade da exigência da tarifa de avaliação de bem; c) não incidência das disposições do Código de Defesa do Consumidor e; d) legalidade da cobrança da comissão de permanência e a título de seguro de proteção financeira.
Irresignado, o autor também interpôs recurso de apelação cível (fls. 263/271) argumentando com a: a) ilegalidade da capitalização mensal dos juros; b) vulnerabilidade do consumidor, a onerosidade excessiva, a função social do contrato e a boa-fé objetiva; c) aplicação das disposições do Código de Defesa do Consumidor; d) limitação dos juros remuneratórios à taxa pactuada ou à taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central; e) nulidade da cobrança da TAC, TEC "e demais taxas" ("seguros", "tarifa de cadastro", "registro / gravame" e "tarifa de avaliação do bem") e; f) repetição em dobro do indébito.
A apelada ofereceu resposta com arguição de não conhecimento do recurso por ofensa ao princípio da dialeticidade e de necessidade de aplicação da penalidade por litigância de má-fé (fls. 275/300), e os autos vieram a esta Corte.
PASSA-SE A DECIDIR.
O recurso interposto pelo mutuário, pelo menos em parte, merece ser conhecido porque expressa o inconformismo com a sentença e expõe as razões para a sua reforma, ficando rejeitada a alegação de violação ao princípio da dialeticidade (fls. 278/279).
A ação de revisão está suportada no "Contrato de Financiamento de Bens e/ou Serviços com Garantia de Alienação fiduciária de Bens Móveis" n. 4354294568, vinculado à proposta n. 63447595-00, firmada em 24.11.2013 (no valor de R$13.200,00), que foi destinado à aquisição de um veículo Chevrolet Corsa "Joy (Seleção) 1.0 8V", ano 2005, modelo 2006, para pagamento em 48 (quarenta e oito) parcelas (cada uma no valor de R$488,39), com vencimento da primeira em 30 (trinta) dias, e incidência de juros (taxa de 2,08% ao mês e de 27,98% ao ano) (fls. 197/208).
A relação contratual submete-se à incidência do Código de Defesa do Consumidor, tema superado com o advento da súmula n. 297 do Superior Tribunal de Justiça, o que tem sido dito, com insistência, na Câmara.
O contrato é passível de revisão pela superveniência de fatos extraordinários e, também, por causas simultâneas à sua formação. No caso, a pretensão de reequilíbrio contratual está amparada na alegação de nulidade de cláusulas iníquas ou abusivas, a teor do artigo 6º, incisos IV e V, e artigo 51, inciso IV, ambos do Código de Defesa do Consumidor.
Os juros remuneratórios não encontravam limite no já revogado artigo 192, § 3º, da Constituição Federal, ou mesmo no Decreto n. 22.626/33, sendo a matéria objeto do enunciado n. I do Grupo de Câmaras de Direito Comercial.
Mais recentemente, o Supremo Tribunal Federal dirimiu a discussão relacionada à autoaplicabilidade do § 3º do artigo 192 da Constituição Federal, editando a súmula vinculante n. 7: "A norma do § 3º do artigo 192 da Constituição, revogada pela Emenda Constitucional nº 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicação condicionada à edição de lei complementar.".
O exame de eventual abusividade da taxa praticada é feito a partir daquela que é apontada pelo Banco Central como sendo a média de mercado (enunciado n. IV do Grupo de Câmaras de Direito Comercial e artigo 51, inciso IV, e § 1º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor).
A taxa média de mercado não é um valor estanque. Do contrário, passaria a ser um valor absoluto, a ser seguido por todas as instituições financeiras, o que caracterizaria indevida intromissão do Judiciário em questão relacionada à ordem econômica e financeira.
Bem por isso tem-se afirmado:
"Nessa perspectiva, a orientação emanada por esta Corte Federal de Uniformização é no sentido de que, para que se reconheça a abusividade nos juros, não basta o fato de a taxa contratada suplantar a média de mercado, devendo-se observar uma tolerância a partir daquele patamar, de modo que a vantagem exagerada, justificadora da limitação judicial, deve ficar cabalmente demonstrada em cada caso concreto, ante as peculiaridades da demanda" (recurso especial n. 1.796.031/RS, relator o ministro Marco Buzzi, de 29.4.2019).
A taxa de juros remuneratórios pactuada (2,08% ao mês e 27,98% ao ano, fl. 198), embora tenha superado a taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central, no mês de novembro de 2013, para a modalidade de aquisição de veículos por pessoa física (1,62% ao mês e 21,28% ao ano, conforme a consulta às séries n. 25471 e n. 20749, respectivamente, que são obtidas por intermédio do Sistema Gerenciador de Séries Temporais - SGS), a diferença verificada não chega a refletir abusividade, impondo-se a manutenção do que foi acordado, nada justificando a interferência do Judiciário (em idêntico sentido: agravo regimental no agravo de instrumento n. 1.095.581/SC, Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, relator o ministro Sidnei Beneti, j. em 17.3.2011, e apelação cível n. 2015.060935-4, de Rio do Sul, relator o desembargador Cláudio Barreto Dutra, j. em 19.11.2015, e apelação cível n. 0301366-17.2016.8.24.0092, da Capital - Bancário, de minha relatoria, j. em 31.10.2019, ambas da Quinta Câmara de Direito Comercial).
A exigência de juros capitalizados pressupõe a existência de pacto expresso e de lei autorizando a adoção da prática em uma determinada espécie contratual. Antes da edição da Medida Provisória n. 1.963-17, de 31.3.2000, atualmente reeditada sob o n. 2.170-36, de 23.8.2001, nos termos da Emenda Constitucional...
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