Decisão Monocrática Nº 0305613-24.2018.8.24.0075 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 16-08-2019

Número do processo0305613-24.2018.8.24.0075
Data16 Agosto 2019
Tribunal de OrigemTubarão
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoDecisão Monocrática



ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Apelação Cível n. 0305613-24.2018.8.24.0075 de Tubarão

Apte/Apdo : Nilton Machado de Souza Me
Soc.
Advogados : Kern & Oliveira Advogados Associados (OAB: 1880/SC)
Apdo/Apte : Cooperativa de Crédito Mútuo dos Empregados da Indústria e Comércio do Ramo de Materiais de Construção da Região de Cric
Advogado : Juliano Ricardo Schmitt (OAB: 20875/SC)

Relator(a) : Desembargador Mariano do Nascimento

DECISÃO MONOCRÁTICA TERMINATIVA

Nilton Machado de Souza ME e Cooperativa de Crédito de Livre Admissão do Sul Catarinense - ACENTRA interpuseram recursos de apelação da sentença proferida nos autos da ação de revisão contratual n. 0305613-24.2018.8.24.0075, deflagrada pela primeira em face da cooperativa, na qual o magistrado a quo julgou procedentes em parte os pedidos deduzidos na inicial para: a) limitar os juros aplicados, com relação aos contratos n. 5.502 e 7.751, à média de mercado para a época; b) condenar a ré à restituição simples dos valores cobrados em desacordo com a sentença; e c), condenar a autora ao pagamento da integralidade das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa (p. 1543/1554).

Inconformada, afirmou a parte autora que: a) no momento da pactuação havia vício de manifestação na vontade da parte que por "inexperiência se obrigou a prestação manifestamente desproporcional" (p. 1567); b) as taxas de juros remuneratórios fixadas nos contratos de abertura e movimentação da conta corrente n. 5.307-4 e do contrato n. 6.207 são abusivas "que deve ser aferida pelo cotejo à Tabela elaborada pelo Banco Central na qual constam as taxas médias mensais" (p. 1568); c) há ilegalidade na prática de capitalização de juros "em período menor que um ano" (p. 1573); d) descaracterização da mora e o necessário "afastamento da cumulação de comissão de permanência com os demais encargos moratórios" (p. 1574); e) há flagrante abusividade na utilização do método price de amortização (p. 1575) e f) inversão dos ônus sucumbenciais.

A ré, em Apelação, sustenta, a inaplicabilidade do CDC ao caso e a ausência de ilegalidade na cobrança das taxas de juros pactuadas.

Ofertadas as contrarrazões pela autora (p. 1605/1610) e pela ré (p. 1614/1627), os autos ascenderam a esta Corte de Justiça.

É o relatório.

DECIDO

De antemão, ressalta-se que ao relator é possível apreciar monocraticamente a quaestio juris, eis que presente a hipótese legal para tanto.

Cuida-se de ação revisional envolvendo as cédulas de crédito bancário n. 5.502 e n. 7.751, exteriorizadas às p. 405/408 e p. 425/428 respectivamente, bem como a cédula de crédito bancário n. 6.207, com garantia de alienação fiduciária, juntada aos autos às p. 414/418. Por meio destas, o demandante obteve empréstimo em dinheiro junto à instituição financeira, Cooperativa de Crédito de Livre Admissão do Sul Catarinense.

Feito o registro, passo à análise das insurgências recursais.

1. Do não conhecimento parcial do pleito da autora

Inicialmente, quanto à pretensão da autora no tocante à vedação da incidência da comissão de permanência prescinde de análise, em razão da ausência de interesse recursal.

Isso porque, como bem registrou o togado sentenciante "não há cláusula prevendo a incidência de comissão de permanência, daí porque nada há que se afastar no ponto." (p. 1551).

Sendo assim, conforme já se decidiu nesta Corte, "carece de interesse recursal a parte que interpõe reclamo acerca de matérias cujo comando não lhe foi desfavorável ou ainda não abarcado pela sentença hostilizada" (AC n. 2013.033978-1, de Jaraguá do Sul, rel.: Robson Luz Varella. J. em: 27-5-2014).

Portanto, não havendo interesse recursal quanto à matéria agitada, não conheço do recurso no ponto.

2. Da inaplicabilidade do CDC arguida pela ré

A ré dá início a seu reclamo alegando ser inaplicável a legislação consumerista ao caso em tela, sobretudo por se estar diante de crédito concedido por cooperativa a uma pessoa jurídica, este que teria se utilizado dos valores para fins profissionais.

Pois bem.

Encontra-se sumulado o entendimento de que "o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras" (Súmula n. 297 do STJ), sendo um direito básico do consumidor "a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas" (art. 6º, V, Lei n. 8.078/1990).

Quanto ao enquadramento das cooperativas no conceito de instituição financeira, o Superior Tribunal de Justiça apresenta precedentes "no sentido de se admitir a aplicação das disposições do Código de Defesa do Consumidor às relações travadas entre cooperados e cooperativas, especialmente aquelas que desenvolvem atividades relacionadas com a concessão de crédito, porquanto equiparadas às instituições financeiras" (AgRg no AREsp n. 560.813/PR, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva. J. em: 15-8-2017).

Esta Corte de Justiça não destoa:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO LASTREADA EM CONTRATO DE MÚTUO COM GARANTIA FIDUCIÁRIA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA PARA OBSTAR A CONSOLIDAÇÃO DA POSSE DO IMÓVEL. INSURGÊNCIA DA COOPERATIVA DE CRÉDITO. PRELIMINAR. DIREITO TEMPORAL. DECISÃO PROFERIDA SOB À ÉGIDE DA LEI 5.869/73. ANÁLISE RECURSAL NA ÓTICA DESTA LEI. EXEGESE DO ARTIGO 14 DA LEI 13.105/2015. TEORIA DO ISOLAMENTO DOS ATOS PROCESSUAIS [...] MÉRITO. COOPERATIVA DE CRÉDITO. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DESTA CORTE. "É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que as cooperativas de crédito integram o sistema financeiro nacional, estando sujeita às normas do Código de Defesa do Consumidor. Precedentes". (STJ, AgInt no AREsp 906.114/PR, Rel. Ministro Raul Araújo, julgado em 06/10/2016, DJe 21/10/2016) [...] RECURSO IMPROVIDO (AI n. 0019630-43.2016.8.24.0000, de Rio do Sul, rel. Des. Guilherme Nunes Born. J. em: 29-6-2017) (grifou-se).

No que concerne ao fato de a autora constituir pessoa jurídica, o CDC dispõe, em seu art. 2º, que "consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final".

A expressão "destinatário final" é alvo de controvérsia na doutrina, de modo que a interpretação conferida pode ser mais restrita ou mais ampla conforme a teoria adotada.

Na ótica finalista, somente será considerado destinatário final aquele que, colocando um fim à cadeia de produção, adquire ou utiliza o produto ou serviço. Ou seja, aquele que retira do mercado o produto ou serviço para uso profissional não será considerado consumidor.

Por outro lado, pela doutrina maximalista, a interpretação é ampla, não importando se o adquirente é pessoa física ou jurídica ou se a compra teve objetivo profissional ou não.

Prevalece na jurisprudência nacional a teoria finalista, porém em sua versão mitigada, visando a atender situações em que o adquirente, ainda que pessoa jurídica, apesar de retirar o produto ou serviço do mercado para fins profissionais, apresenta vulnerabilidade em face do fornecedor.

Colacionam-se acórdãos do Superior Tribunal de Justiça neste sentido:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SERVIÇO DE RASTREAMENTO E COMUNICAÇÃO DE DADOS. FALHA. ROUBO DE VEÍCULO. RESCISÃO CONTRATUAL. 1. OFENSA AOS ARTS. 165 E 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. TEMAS APRECIADOS PELAS INSTÂNCIAS DE ORIGEM. 2. APLICAÇÃO DO CDC. RELAÇÃO DE CONSUMO. TEORIA FINALISTA MITIGAÇÃO. 3. RESPONSABILIDADE. NEXO CAUSAL. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE. SÚMULAS N. 5 E 7 DO STJ. 4. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. IMPOSSIBILIDADE. NOVA ANÁLISE DA SITUAÇÃO FÁTICA. 5. AGRAVO IMPROVIDO.

1. Não viola os arts. 165 e 535 do CPC o acórdão que, integrado pelo julgamento proferido nos embargos de declaração, se pronuncia de forma suficiente para a solução da controvérsia deduzida nas razões recursais.

2. A jurisprudência desta Corte Superior tem mitigado a teoria finalista para aplicar a incidência do Código de Defesa do Consumidor nas hipóteses em que a parte, pessoa física ou jurídica, apesar de não ser tecnicamente a destinatária final do produto ou serviço, se apresenta em situação de vulnerabilidade [...] (STJ, AgRg no AREsp n. 601234, rel. Min. Marco Aurélio Belizze. J. em: 12-5-2015) (grifou-se).

No caos em tela, está-se, de um lado diante de um empresário individual no ramo do comércio, e, de outro, de uma cooperativa de crédito, do que se extrai a vulnerabilidade financeira da primeira.

Ademais, presente também vulnerabilidade de ordem técnica, ante a tecnicidade dos encargos e cláusulas contratuais.

Logo, a parte autora, diante da cooperativa ré, está em estado evidente de vulnerabilidade, razão pela qual se conclui pela aplicabilidade do CDC, não merecendo provimento o recurso no ponto.

3. Da Lesão contratual

Aduz a parte autora a nulidade dos contratos, ao argumento de que "no momento da pactuação do contrato, a vontade da parte recorrente estava manifestamente viciada, a qual por inexperiência se obrigou a prestação manifestamente desproporcional, ocorrendo neste caso a lesão contratual, conforme art. 157 do CPC." (fl. 1567).

Referido pleito restou indeferido pelo Togado de Primeiro Grau, nos seguintes termos:

De início, com relação ao pedido de anulação do contrato bancário, por vício de lesão, verifica-se que não houve qualquer observação sobre o momento da autora ao firmar o negócio.

Não bastasse, a teor do contido no artigo 373 do Código de Processo Civil, que impõe ao demandante o ônus de provar fato constitutivo do seu direito, verifica-se que não houve produção de qualquer prova que justificasse sua pretensão de declarar a nulidade do contrato. Ao contrário, o que consta nos autos são as alegações da parte autora, contra sua indiscutível capacidade...

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